segunda-feira, 13 de agosto de 2012

História e romancistas de Portugal


A História de Portugal tem acontecimentos tão ricos e tão interessantes que não é preciso inventar cenários épicos nem apocalípticos para contar um romance a respeito do país. No entanto, os escritores portugueses não chegam lá. Agora risquem-me do panorama de escritora, por favor. Ainda não me aventurei assim tanto... 

Faço parte do Clube de Leitura do Segredo dos Livros e, este mês, inscrevi-me neste "No Coração do Império". Nunca tinha ouvido falar da escritora e a sinopse prometia!

Ao final das primeiras 70 páginas já tenho uma boa contagem de coisas que me desagradam e que lamento em relação ao livro. Mas não o porei de lado por um motivo muito simples: é História. Ainda que não esteja a ler um romance, está-me a ser desfiada a História do país em 1520 e tais/30s. Para mim valerá a pena. E, não há dúvida, a Alexandra Vidal fá-lo bem - é Licenciada em História. Também tem algo evidentemente ligado a Documentação/Arquivo. Quanto a ser escritora já não sei, ainda não apanhei nenhuma deixa bem inspirada.

Ainda não terminei o livro mas já sinto urgência de falar dele...
Reparem no conteúdo de uma página comum desta obra:

"A pedraria pouco valor tinha sem a perícia das suas mãos para a envolver no mais fino ouro. Umas peças eram esmaltadas, com diversas cores, repletas de pérolas e aljôfar para coifas celestiais. Rubis e turquesas para pingentes, jóias de prata esmaltada, muitas esmeraldas e muita prata dourada, que a rainha ostentava (...) Tinha clara preferência por gibões de brocado de prata, corpetes de veludo escuro com mangas tufadas e estreitas nos pulsos, deixando sobressair colares cravejados de esmeraldas que lhe conferiam um ar divino".

Algumas páginas adiante:

"Começou por apontar todas as coisas dispersas pelo chão (...) Vinte e um milheiros de alfinetes para o guarda-roupa, duas ceiras, um castiçal de alabastro, dois côvados de veludo verde, mais dois de tafetá branco, seis tinteiros e duas tesouras, duas terças de cetim para bolsinhas, duas alcatifas e uma gaiola lavrada, toda de prata dourada."

Notam alguma coisa de especial? Ora eu noto: sim, ela pesquisou. Sim, ela tem algo que ver com documentação. Despejou nestas páginas tudo o que leu sobre jóias/vestuário feminino/ registos de mercadoria adquirida pelo palácio.

Se o livro tivesse 500 páginas, talvez se justificasse. Como só tem 240 e à 70 ainda não se conhece nada do que vai na cabeça dos protagonistas... bom, tenho um pressentimento de que a autora quer que nós, leitores, assumamos que a protagonista dela, a escrava letrada, é boa pessoa. Vai ser uma heroína, pronto. Vai salvar crianças dos escombros e vai lutar afincadamente pelo seu amor. Mas eu poderia ter-lhe dado algum crédito e esperar algum traço de personalidade incomum na rapariga, não? Perdoai-me Alexandra, se vos tive em melhor conta. Já rectifiquei a minha ideia.

Quanto a este amor assolapado, deixem-me resumir os três primeiros encontros (cada um narrado em meia página e sem uma troca de palavras memorável (algo mais que conversa de circunstância) entre os dois):

1 - Ele não quer ensiná-la, é uma preta e ele é superior a isso.
2 - Ela é esperta, ele esconde o orgulho que tem dela.
3 - Ela está a dormir e ele acorda-a e, 11 linhas depois, segue-se isto:

«- Tendes mesmo de ir embora?
- Sim... quando estivermos a sós passarei a tratar-te como uma donzela, pois assim o mereces. Maria, vós sois até mais do que uma donzela para mim. Deixemos as formas obrigatórias de tratamento para o mundo ver. Quando nos virmos a sós as regras serão outras.
Rodrigo não resistiu, esgotado pelas saudades. Há mais de uma semana que não via Maria. Abraçou-se a ela com ardor, tirou-lhe o toucado e percorreu docemente o seu longo cabelo [com a boca? mãos? nariz?]. Maria envolveu-o com os braços, sentiu o seu pescoço e o calor suave da sua pele apaixonada. Em segundos, Rodrigo saiu...»

E pronto, é este o amor assolapado. Não há indicação alguma do que eles pensam - e havia tanto pano para mangas, não? Este Rodrigo podia estar atormentado pelos seus sentimentos para com uma escrava, e esta igualmente. Os preconceitos dele poderiam ser mais difíceis de ultrapassar - seria interessante compreender que o racismo ainda hoje existe e ver um homem vencê-lo, há 500 anos atrás, por amor. Mas não, vamos pelo atalho. Gostam um do outro. Ela dele... porque...? Ele dela... porque...?

E assim ficamos. No vazio oco que são os romances portugueses.
Desculpem, pode ser de mim... mas eu preciso de explicações! Deixem lá as descrições intermináveis da pedraria e das noites que a escrava passa em redor dela e falem-me do que interessa! Este romance é só vazios... só insatisfações. Não está a suprimir a fome que tive inicialmente dele.

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