sábado, 29 de junho de 2013

#89 HOLMAN, Michelle, Do Céu com Amor


Sinopse: Depois de uma colisão frontal entre um elegante carro desportivo e um utilitário, um anjo bondoso faz uma troca na sala de espera do Céu. Uma professora baixinha, temperamental e amante de râguebi recebe uma segunda oportunidade e encontra-se no corpo de uma americana alta, deslumbrante e promíscua. Tem um marido rico e lindo de morrer que parece ter acabado de sair de um romance -, mas por uma razão qualquer, não suporta sequer olhar para ela. Ela pensa que enlouqueceu, e se contar a alguém as pessoas saberão que isso é verdade... e irão interná-la. E ela não pode fugir e esconder-se: tem uma perna partida.

Opinião:

Pormenores desnecessários acerca da minha história com este livro:


Comprei este livro ontem à tarde, apenas porque desde o anúncio da sua publicação que tinha ficado intrigada com a sinopse. A bem dizer não gosto muito de histórias fantasiosas - do género f**k logic! – mas decidi dar-lhe uma chance. Há muito que não lia nada simultaneamente cor-de-rosa e contemporâneo. Tenho lido muitos romancezecos histórico-eróticos, mas tinha desistido de todo de historietas contemporâneas. Aborrecem-me de morte e, talvez pela premissa deste livro ser tão diferente, adquiri-o. Eram quase sete da tarde de ontem e fi-lo porque o cabeleireiro só podia atender-me em meia hora e me mandou “dar uma volta”. Fui à livraria mais próxima e, após passar a vista pela montra, decidi-me por este.

Não dava nada pelo livro, honestamente. Foi mesmo a sinopse e a ideia do marido jeitosão que me convenceu. A girl needs a little romance. No entanto, esperava uma história às três pancadas – o dito f**k logic – com personagens estúpidas e muitos erros de comunicação e mal-entendidos. Nada disso. Mesmo a pedra-base da história acaba por ser credível, porque as personagens (todas) se esforçam por compreender o que aconteceu e adaptam as suas vivências a isso. Não é daquelas histórias em que algo estranho acontece e – sendo americanos, estou a lembrar-me dos filmes – aceitam isso com a naturalidade com que saem meninas do televisor para matá-los. Uns gritinhos e tal, e depois “A sério? O que havia de te acontecer!”
Lisa Jackson é fiel a si própria desde o momento em que desperta do acidente no corpo de outra mulher. Dan está ferido pela conduta promíscua da sua mulher e a distância entre ambos deriva daí. Contudo, são duas personagens palpáveis, humanas, inteligentes. O livro denota o cuidado que a autora teve com a pesquisa – fala-se de dislexia e outras questões médicas, posto que Dan é médico. Não há pontas soltas, não há personagens vazias. Há algum humor, tensão sexual e química bem-conseguidos, há mesmo uns laivos do dia-a-dia e da cultura da Nova Zelândia que me fazem considerar que estava enganada. Isto porque já tinha planeado trocar este livro assim que acabasse de lê-lo. Não, não, é meu!
Em geral gostei muito da Lisa e do Dan, foram definitivamente feitos um para o outro. O livro é comovente, emotivo, está longe do leviano embora tenha um ambiente muito positivo. A personagem principal está grata por estar viva. Mas também a família da Lisa – a irmã, Sherry, o irmão, Ben, o pai jardineiro e a mãe fumadora me entretiveram bastante. 
Basta dizer que abri uma excepção com este livro e comecei a lê-lo ontem no cabeleireiro, vim mais cedo do café-com-amigos-pós-jantar para vir lê-lo, deitei-me às tantas para lê-lo e hoje acordei às 9 para tomar o antibiótico e não voltei a deitar-me porque cometi a imprudência de abri-lo enquanto comia os cereais. Acabei agora.
Aconselho vivamente!

Classificação: 5/5*****

sábado, 22 de junho de 2013

#88 KLEYPAS, Lisa, Paixão Sublime

Sinopse: Quatro jovens damas da sociedade londrina procuram um bom partido. Chega a vez de Evangeline Jenner, a mais tímida, mas também a mais rica, logo que cobre a sua herança. Para escapar às garras da família, Evie pede ajuda a Sebastian, Lord St. Vincent, um conhecido libertino, fazendo-lhe uma proposta irrecusável: que se case com ela, trocando riqueza por proteção. Mas a proposta impõe uma condição: depois da noite de núpcias, os dois não voltarão a encontrar-se na intimidade, pois Evie não quer ser mais um coração partido na longa lista de conquistas de Sebastian. A Sebastian resta esforçar-se mais para a seduzir… ou entregar finalmente o coração, em nome do verdadeiro amor.

[Antiga review (fruto de uma ou duas leituras num brasileiro miserável e duma terceira - e quarta, e talvez quinta - leitura em inglês)]

5*


Dei-me conta de que não fiz uma review ao Devil in Winter, o meu favorito das Wallflowers! (Em Portugal corresponde ao #3 da série À Flor da Pele da 5 Sentidos). Tendo enviado um e-mail à editora, responderam-me que não preveem, de momento, mais nenhuma publicação nesta série. Fiquei destroçada e amaldiçoei esses bandidos sem coração! Mas também me recordei que já li o livro pelo menos duas vezes numa tradução brasileira manhosa que circula na internet, em inglês idem e até o comprei no book depository e esperei por ele duas semanas vindo do UK. É uma das pérolas da minha biblioteca, uma edição com muita classe que não denuncia o seu conteúdo...

Bom, certamente que quem já leu os dois volumes anteriores da série, sobretudo o que diz respeito à Lillian Bowman, se recorda do abominável Sebastian St. Vincent que atenta contra a pobre donzela a fim de a obrigar a casar-se consigo e a embolsar uma boa quantia? E lembram-se certamente também da ruiva tímida e gaga... a Evie? Pois bem, o terceiro volume das Wallflowers começa com a pobre Evie a munir-se de uma coragem que não sabíamos que dispunha e aborda o escroque. Pede-lhe... *aclaro a voz* que se case com ela. É um negócio simples: o pai dela está a morrer e vai deixar-lhe uma casa de jogo rentável. Em simultâneo ela é maltratada pelos familiares que olham por ela e quer livrar-se da sua influência.

É aqui que a história começa a ser interessante. O St. Vincent é um sacana sedutor habituado a enrolar-se com tudo o que mexe, mas está com graves problemas financeiros e não quer abdicar do luxo a que está habituado. Por isso não hesita em casar-se com a Evie...

Começa a sentir-se útil e a ser bem sucedido na gerência da casa de jogo do pai dela e, qual é o seu espanto, sente-se responsável e protector para com ela. Mas, e apesar de se sentir atraída pelo marido, ela não tem interesse algum em sofrer uma desilusão, ver-se traída ou confirmar que a sua amiga Lillian tem razão quanto ao mau carácter do St. Vincent. Para isso exige distância ... e isso é um chamariz para o St. Vincent, pouco habituado a ser rejeitado...
Adoro o livro porque as minhas personagens favoritas são sempre aquelas que se reinventam, as que se redimem. Li muitas vezes que o St. Vincent "mudou rápido demais", visto ser desprezível no livro anterior. Mas as pessoas não mudam rápido quando finalmente descobrem o seu lugar? Não parece que "nasceram" para aquilo? É assim o St. Vincent a gerir uma casa de jogo. Idem quanto à Evie. Nasceram um para o outro, sobretudo porque ela lhe dá uns quantos "nãos" nas barbas...


Nova review, baseada na edição da 5 Sentidos (Porto Editora) em PT - leitura de 21/22 Junho 2013.


4,5*

Antes de mais, continua a ser o meu romance do género favorito. Contudo a tradução - a escolha de certas expressões, bem como alguns erros que encontrei - deturpam-lhe um pouco a essência. O St. Vincent parece um homem diferente quando se expressa em Inglês daquele que se expressa em PT:
"Vou ter cuidado, minha pomba", traduzido de "I'll be so gentle, love", é um raio duma diferença. Fá-lo parecer parvo, na versão em PT. «Pomba» soa-me a um pervertido. Não no bom sentido, como o Sebastian é.
OK, este livro é o meu guilty pleasure. Adoro as personagens, as cambalhotas deles, a dificuldade que o St. Vincent tem em admitir que se preocupa mais com a Evie do que com o seu próprio ego. Mas a versão inglesa continua a ser a minha favorita.
Em Português, entre o casal principal, ora surge o tratamento "tu" ora surge "você, o senhor, a senhora". É uma discrepância difícil de ignorar, porque acontece também com outras personagens, que ora se tratam com deferência, ora assumimos que já estão mais à vontade, ora volta a surgir um "você" para nos desenganar.
Não consigo tirar da cabeça que, caso este género de livro passasse para as salas do cinema eu ia a voar vê-lo.
E sugeriria o Aaron Johnson para St. Vincent e a Rachel Hurd-Wood para Evie <3

terça-feira, 4 de junho de 2013

#87 MAUGHAM, Somerset, Servidão Humana


Quer queiramos quer não, um livro está impregnado do espírito do autor. Não significa que traduza tudo o que ele é nem todas as suas crenças; o autor pode, inclusive, ter-se esforçado por explorar temas que lhe são desconhecidos e adoptar posturas que condena. Neste “Servidão Humana” descobri a grandeza da simplicidade. Eu desconfiava da sua existência, mas jamais a vira em tamanha graça e glória. É uma obra grandiosa na sua simplicidade. Não é sobre grandes vitórias, não é sobre um grande aventureiro, sobre bravura, sobre perfeição incompreendida ou sobre uma vida madrasta. É sobre os caminhos escolhidos, as consequências que aí advém e os diversos prismas pelos quais é possível encarar-se a situação. Phillip Carey tem pé boto, é órfão acolhido pelos tios e cresce no puritanismo do Kent de finais do século XIX. Já crescido, passa a desprezar a languidez do tio, a sua inércia e o seu egoísmo, assim como ora se comove ora se exaspera com a lamechice exacerbada da tia. Deus é um amigo, uma verdade inabalável até certo ponto. Ao desistir, contudo, da carreira eclesiástica, vai estudar para a Alemanha e depara-se com o protestantismo. Também um budista e um católico dividem o mesmo espaço consigo e todos, a par dele que é anglicano, parecem ver a verdade apenas na sua religião. Isso e a sua falta de insolência ou vaidade levam-no a concluir que a religião é, sobretudo, uma questão de geografia. Como ele próprio diz, teria grandes chances de ser protestante se tivesse nascido na Alemanha, ou católico se tivesse nascido em Itália. Isso significa que, por não ser crente na fé anglicana, estaria condenado às chamas do Inferno? É aqui a primeira grande viragem da sua vida. Deus já não comanda a sua vida; o bem e o mal advêm da sua percepção, as escolhas emergem duma mentalidade jovem no início de um século em que a própria sociedade, a economia, a tecnologia, a medicina, o mundo, todo o resto se encontram em ebulição e em franca mudança. Phillip é muito distinto, convencido que está de que é um cavalheiro. As dezenas de personagens – todas elas fortíssimas e indispensáveis – vêm baralhar-lhe as convicções de si próprio. Perante um rico é um burguês patético. Perante um pescador é quase um aristocrata. Embora não seja da sua natureza ser snob – porque também ele é duramente maltratado pela sua condição física e escassez de recursos – discrimina involuntariamente várias vezes. É generoso, mas discreto, tímido e cobarde. Essa sua tendência em pregar-se a uma personalidade mais forte levam-no a tornar-se a sombra dos amigos na escola, na arte, na quase totalidade da sua existência. Ele vai-se dando conta disso, mas não confia no seu próprio juízo. Também isto é uma lição importante a assimilar.
E depois há a Mildred, claro. O papel que, no filme de 1934, impulsionou Bette Davis para o sucesso. Feia, vulgar, snob, miserável, interesseira, estúpida e leviana. Uma simples criada que o humilha num primeiro momento e perante quem Phillip terá sempre tendência a deixar-se perder. Deixa que ela faça dele o que quer, desbarata a sua herança com ela, deixa-o traí-lo de todas as formas possíveis e volta sempre a estender-lhe a mão quando ela regressa, por sua vez desdenhada por um homem mais esperto, que a vê como aquilo que ela é. Que personagem perturbadora, esta Mildred, com a sua decadência moral, as suas mentiras, os seus falsos ares de senhora, os seus queixumes, amuos, sorrisinhos e seduções fáceis, a sua gratidão fingida e momentânea, os seus clarões de fragilidade, o seu desinteresse por qualquer assunto que não entretenimento – jantares, teatro, passeios -, a sua ignorância, “istudante”, a sua fúria sempre prestes a dar azo a outra discussão. Os seus amores assolapados, rápidos a vir e a partir, dando lugar a ódios exacerbados. E Phillip, seu bom “amigo”, a patrocinar-lhe férias com o seu melhor amigo, a cobri-la de chapéus e vestidos, a sustentar-lhe a filha de outro. E depois vem a pobreza extrema, para ensiná-lo a valorizar o trabalho e a ver a vida no seu estado mais dificultado.
Amor, dinheiro, falta de trabalho. Acompanhando o crescimento de Phillip, a sua maturação, surgem assim, por ordem cronológica, os três motivos pelos quais as pessoas parecem dispostas a suicidar-se. E ele, ponderando fazê-lo por cada uma delas, vai-se obrigando a prosseguir. Os tempos são outros. O que é crucial na vida, afinal? Assumindo que esta não tem propósito, ficamos assim perante o seu único sentido; a ausência de nexo. Sem um deus que o guarde, Phillip está por si próprio. A sonhar, a cometer erros atrás de erros, a almejar para si uma felicidade que parece estar sempre ao lado daquilo para que ele se precipita. E então, numa conclusão brilhante, pueril, verdadeira (sobre a qual eu própria discursei bastante durante os meus tempos de faculdade), parece despertar para aquilo que, na vida, se pode extrair de mais doce.
Aconselho vivamente a quem quer que queira experienciar os grandes sobressaltos da existência de qualquer um dos nove aos trinta anos deste Phillip. Tratanto-se de uma autobiografia ficcionada do próprio autor, posso apenas dizer que, como Phillip ou como Somerset, Maugham é um espírito admirável.

segunda-feira, 3 de junho de 2013

Servidão Humana #3

Se eu conhecesse o Phillip Carey, provavelmente desprezá-lo-ia. Se fosse criada de mesa, jovem e pobre, provavelmente ter-me-ia aproveitado dele como a Mildred Rogers faz. Da página duzentos e pouco até à quatrocentos atravessamos os novos erros e avaliações de consciência do Phillip. Ele não consegue ser totalmente feliz porque, sendo uma pessoa do mais banal que existe, insiste em procurar ser maior, acreditando que algo de grandioso lhe está reservado. Este medo de perecer sem ficar na memória, sem responder às grandes questões filosóficas nem se engrandecer através da Arte ou duma profissão, é muito humano e identificável com todos nós. Com a diferença de que o Phillip é tão volátil que abandona tudo o que está a fazer a cada vez que acorda com os pés de fora. Como bem diz o seu tio vigário, falta-lhe perseverança. Ele quer algo fácil, instantâneo. Anseia por liberdade e por aventura mas, na realidade, é snob, burguês, aborrecido e insosso. É tão palpável, contudo, que é impossível não nos debruçarmos com interesse para esta personagem. É a Mildred, contudo, que até aqui fez emergir no Phillip o que de mais fraco ele tem. 


É-lhe servil, cegamente devoto – cegamente está aqui mal aplicado, porque ele reconhece que ela é estúpida, snob, pretensiosa, vaidosa, interesseira e obsoleta. Ainda assim, amava-a. É-lhe um paradoxo ver-se assim desprovido de razão e de integridade. Esta mulher, esta miserável criada de uma casa de chá, desdenha dele, aproveita-se dele, não se preocupa realmente com nada que lhe diga respeito e dispensa-o sempre que alguém lhe oferece algo melhor. É feia – lábios finos, pálida, anémica, magra, sem ancas, sem peito, de franja. E ele arde de desejo por todas estas imperfeições físicas, por uma vez familiarizado com as incongruências do amor e espicaçado pelo desejo carnal. Ele tem de tê-la. O rapaz tímido, ingénuo, é agora inflamado e espontâneo. Pena de ciúmes, é esbanjador em relação à atitude poupada anterior. Obcecado em conseguir o afecto desta mulher leviana, desperdiça até aquilo que poderia ter sido um bom futuro ao lado de uma viúva que o ama mais do que ele a ela. Mas como o próprio Phillip diz, o que importa no amor não é tanto ser amado, mas amar. E por isso sujeita-se aos caprichos da Mildred. Vejamos onde vai isto dar.
(Tendo lido mais cem páginas)

Concluo que o Phillip é daquelas pessoas tão desengraçadas e de tão baixa auto-estima que, por serem incapazes de se valorizar, pensam que só adquirem afecto comprando-o. Então, “aproveitando-se” dum momento difícil da Mildred – na realidade é ela que se aproveita dele – julga que a tem na mão porque ela precisa dele financeiramente. Embora tenha consciência de que ela é uma “cadela”, como ele próprio diz, que salta de colo em colo, é a única maneira de a ter e contenta-se com qualquer farrapo de atenção que ela lhe atribui. Em troca delapida a herança do pai em chapéus para essa ingrata (palavras dele próprio), vestidos, e chega ao ponto de ter tão pouco amor-próprio que lhe sustenta a filha de outro e lhe patrocina jantares e idas a teatros de variedades quando ela se enamora do melhor amigo dele. Mais do que isto… paga-lhes umas românticas férias em Oxford, tudo porque compreende que ela se tenha apaixonado pelo seu bom amigo, que considera tão mais cativante do que ele próprio, e porque assume que a culpa é sua por tê-los apresentado. Não estamos perante uma personagem vulgar ou cativante. O Phillip é uma pessoa desprezível na sua cobardia e na sua timidez. É incapaz de um gesto mau, tirando chamar-lhe “cadela” e ajoelhar-se-lhe aos pés em seguida, que sabe ele de dar-se ao respeito? Culpa o pé boto pelos seus problemas relacionais, mas nesta fase do livro acaba de ser confrontado por um jovem com pé boto que é perfeitamente feliz. Talvez tenha entendido que os seus problemas não são físicos, mas sim que sofre de uma fraqueza de carácter exasperante. Que personagens notáveis, Somer.