domingo, 27 de julho de 2014

#15 Voando Sobre Um Ninho de Cucos


Título oficial: One Flew Over the Cuckoo's Nest @ 1975Realizador: Milos FormanActores principais: Jack Nickolson, Louise Fletcher, Danny de VitoClassificação IMDb: 8,8Minha classificação: 8,0
"Um Estranho no Ninho", como lhe chamam os brasileiros, é um filme de 1975 baseado no romance de Ken Kesey de 1962. Jack Nickolson apresenta-se como o irreverente "Mac" McMurphy que, acusado de violar uma rapariga de 15 anos, é levado a um hospital psiquiátrico para se avaliar se é doente mental ou um criminoso comum. 
Apesar de ser um filme comovente, lindíssimo, com muitos assuntos prementes para reflectirmos, o mais importante é entender-se os deslocados. Os tímidos, os dementes, os iludidos, os desajustados. Uma série de loucos senta-se a jogar às cartas diariamente na enfermaria de um hospital psiquiátrico gerido com punho de ferro pela enfermeira Mildred Ratched. Uma mulher rígida que aplica técnicas violentas e opressoras para impor a rotina e impedir os doentes de saírem debaixo da sua asa. Mac assume-se de imediato como o chefe dos doentes, tornando-se um adversário à altura de Mildred. O que se segue é um combate entre as técnicas da enfermeira para vergar espíritos e o espírito aparentemente indomável de Mac.
Para mim, portuguesa, a grande surpresa foi descobrir (que vergonha só o ter sabido agora) que a horrenda técnica de psiquiatria apelidada de “lobotomia”, que transformou tantos homens em vegetais, foi inventada pelo Português Egaz Moniz, o famoso das faculdades e das ruas, que ganhou o Prémio Nobel da Medicina em 1949 por essa barbaridade.
Tenciono ler mais sobre o assunto, quem sabe até desbravar a complexidade da Psiquiatria num novo romance. Mas por enquanto basta-me ficar de queixo caído por saber que o pai de Rosemary Kennedy (e J. K. Kennedy) submeteu a filha rebelde, de 23 anos, a esta técnica, condenando-a a uma incapacidade permanente para o resto da sua vida.

quarta-feira, 23 de julho de 2014

#115 ROSA, Carina, As Gotas de um Beijo



Sinopse: Desde que o seu casamento de vinte anos terminou, David é um homem solitário. É no stand de automóveis que dirige que afoga as memórias do passado e a solidão do presente. Afastado de casa e dos filhos, é obrigado a gerir sozinho as acções e as escolhas que fez ao longo da vida, nas quais Diana, uma amiga de infância que considera irmã, tem um papel fundamental. Diana é o seu porto de abrigo e o seu braço direito, mas foi mais do que isso durante o seu casamento agora destruído.
A afinidade entre David e Diana, também divorciada, é quebrada pela chegada de uma mulher ruiva que revela muito pouco de si própria. Laura é atraente e misteriosa, e a atracção entre si e David é mútua e intensa. Será ela a mulher doce e simples que aparenta ser? Entre a joalharia e o stand, passa a alternar-se a languidez dos dias com a turbulência das noites e David acaba por se embrenhar num mundo perigoso de segredos, mentiras e traições. Dividido entre duas mulheres, estará David a encaminhar-se para o fundo do abismo?

Opinião: Na realidade, 3,5. Já devo esta review à Carina há imenso tempo, e finalmente reencontrei o livro dela, peguei no touro pelos cornos e acabei-o. É importante ter em conta o enorme potencial desta escritora, bem como a sensibilidade que imprime às suas personagens. O ponto forte da Carina são, sem sombra de dúvida, os diálogos. Coisas que escritores como a MRP constroem banais, o TR sem alma nem sal e o PCF cria sem qualquer nexo, só pelo absurdo de cuspir palavras para o papel. A Carina dá muito ritmo ao livro com os diálogos, são realistas e fluidos e por isso merece os meus parabéns. Não é fácil para um escritor expandir-se, dar vida a outras almas. E a Carina cria personagens sólidas e credíveis, embora sempre atormentadas por dilemas interiores e demasiado rápidas a dar-se. Gostaria de vê-las mais concisas, mais resistentes à mudança e não tão permeáveis aos sentimentos. Quanto ao enredo, está bem conseguido, entendo o dilema da personagem principal, o David, mas não gostei de duas coisas: 1) não consegui simpatizar com ele de modo algum, nem jamais me apaixonaria por ele. 2) a confusão de sentimentos que nutre quanto à Laura e à Diana é pouco dignificante para elas e peca na construção dele como personagem, porque tanta divisão causa-lhe fraqueza de carácter. Achei que o timming do livro também é muito apressado, pelo que temos (leitor) pouco tempo para interiorizar as emoções das personagens. De resto, quanto à Carina, só vejo espaço para crescer e, a seu devido tempo (e o próximo passo está dado) tem todas as capacidades para se tornar a nova escritora favorita de muitos portugueses. Sem falar que é uma Nicholas Sparks de qualidade nacional!

Classificação: 3***

quarta-feira, 16 de julho de 2014

#114 SHREVE, Anita, A Vida Secreta de Stella Bain

Sinopse: Neste envolvente drama, Anita Shreve tece uma apaixonante história acerca do amor e da memória, tendo como pano de fundo uma guerra que devastou milhões de civis e deixou sequelas em todos aqueles que testemunharam os seus horrores. Um romance histórico inesquecível, sério e surpreendente. França, 1916. Uma mulher acorda na cama de um hospital de campanha em Marne, sem qualquer recordação do seu passado ou de como ali chegara. Identificou-se como Stella, mas sente que esse não é o seu verdadeiro nome. De repente, uma palavra incita-a a agir e Stella parte para Londres, onde espera encontrar algumas respostas e abrir as portas para o seu passado. «A viagem interior de Stella permite-nos vislumbrar os horrores da Grande Guerra, o dealbar da psicoterapia e a primeira vaga do movimento feminista... A história de uma mulher improvável e misteriosa.» Los Angeles Times «Contido e elegante, este romance de Anita Shreve revela um conhecimento profundo das dificuldades que as mulheres sentem quando tentam viver a vida segundo os seus próprios desejos.» People «Fascinante... Um romance afetuoso com um tema sério e complexo.» Washington Post «Um livro terno e desapiedado.» Publishers Weekly «Comovente, enternecedor, por vezes tão intenso e vivo que quase conseguimos sentir o medo.» Boston Globe «Um livro que vale mesmo a pena ler!» 

Opinião: Não há um livro da Anita Shreve que não me cative. Tudo porque a escritora tem um jeito despretensioso de apresentar as situações, e é exímia em descrever as cicatrizes que ficam na alma após um trauma.
No início do livro estava intrigada quanto a Stella Bain, a desmemoriada. Mas a autora, que é do género que permite ao leitor formar a sua própria ideia das personagens, não a descreveu fisicamente, nem sequer a pôs a ponderar sobre a sua idade. Na verdade, a primeira parte do livro é um pouco superficial e apressada, sobretudo tendo em conta que a segunda parte, a partir da “revelação”, é tão mais detalhada. Talvez esse vazio seja um relance do interior da mente de Stella, desprovida de quaisquer recordações.
A autora, contudo, não quis focar-se demasiado na situação da enfermeira de guerra sem memória, que acaba por ser o chamariz para o livro se nos basearmos apenas na sinopse. Neste âmbito é abordada a terapêutica de Freud, em voga tanto em Inglaterra como na América, e a doente é temporariamente tratada por psicoterapia. O Doutor August Bridge surge nesse contexto, como estudioso de Freud e interessado nos mistérios da Psiquiatria. O mundo ultrapassava horrores jamais vistos e, regressados das trincheiras e da frente, as capitais europeias estavam assoladas de soldados amputados, desfigurados, desmembrados.
Acabei por entender esta opção de criar uma primeira parte para o livro mais leve, posto que esse estado é apenas um reflexo do papel de Stella no cenário de guerra que a Europa atravessa, e um eco da sua própria mente confusa e amnésica. É um aparte entre o livro anterior, “Tudo o que Ele Sempre Quis”, que devo ter lido há mais de cinco anos, e o desenrolar da história de Etna Bliss. Só entendi a ligação entre os dois livros quando Stella recupera a memória.
A segunda parte do livro, que parece ter aborrecido outros leitores, é a que mais me prendeu. A ligação à sua vida passada, que eu conhecia doutro livro, os seus antigos amores, erros por corrigir e culpas formadas… Há, contudo, fortes ligações a outros livros da autora. É normal, já li várias obras suas e começo a detectar aquilo que a move e intriga. O mundo académico e a Medicina estão sempre muito presentes, bem como a forte amizade entre mulheres e homens, mesmo em épocas em que isso não era bem visto. Por fim, as sequências sobre um julgamento em tribunal pela guarda de um menor recordou-me muito o “A Praia do Destino”, que é o meu livro favorito dela.
Acho a Anita Shreve uma criativa de grande humanidade, sensível e detentora de uma classe que eu jamais terei. Em parte porque a admiro nela, é-lhe natural e intrínseca. Em parte porque a sua crueza elegante foge um bocadinho ao caos que eu gosto de explorar.
Ainda assim, cada nova obra sua é, para mim, um grande momento de leitura.

Classificação: 4****/*

segunda-feira, 14 de julho de 2014

Filmes em Lista de Espera

Her (2013)
Comecei a vê-lo, acho que sou capaz de compreender essa concepção "abstracta" do amor. Impulsionado pelo fim do seu casamento e pela nova ligação possibilitade entre computador e utilizador, espero encontrar um Joaquin Phoenix introspectivo e comovente.

Sleepless in Seattle (1993)
 
Só porque celebra uma Meg Ryan pré-plásticas e promete ser uma das boas comédias românticas, de banda sonora inesquecível, dos noventas.

Nine 1/2 weeks (1986)
Porque amores perturbados e pessoas perturbadas acabam sempre por me interessar.

Labor Day (2013)
Tem a Kate Winslet e tem um amor improvável. 

Adore (2013)
Inspirado num romance da Nobel Doris Lessing, vejamos se o livro conseguiu mergulhar nas subcamadas do coração humano.

The Spectacular Now (2013)
Porque gosto da capa. E porque me pergunto o que tem esta rapariga de tão especial para andar na berra, porque ainda não a vi em acção...

The Shinning (1980)
Aclamado filme com o bom e velho Jack Nickolson. Só me assusta o facto de o realizador ser o Kubrick.

The Railway Man (2013)
Histórias de amor e guerra? Com o charmoso do Firth em grande plano? Mi piace.

Paris, Texas (1984)
Mulheres muito bonitas e muito perturbadas... e a inspiração para a Paris Texas dos Gotan Project...deal!

 Shame (2011)
Homens muito bonitos e muito perturbados também me interessam.

 Letters from Iwo Jima (2006)
Porque mesmo os americanos admitem que a versão da II Guerra Mundial na voz do Clint Eastwood comoveu mais do ponto de vista japonês.

One Flew Over The Cuckoo's Nest (1975)
A minha mãe diz que é um bom filme. And she knows movies...

#14 La Belle et la Bête

Título oficial: La Belle et la Bête @ 2014
Realizador: Chistophe Gans
Actores principais: Lea Seydoux, Vincent Cassel
Classificação IMDb: 6,4
Minha classificação: 7,8

O conto - ou fábula? - "A Bela e o Monstro" foi para mim, desde sempre, a mais querida das histórias de encantar. Uma mulher cuja bondade transparece nos traços, a imagem da delicadeza (de gestos e de sentimentos), submetida a um monstro e, contra todas as probabilidades, a amá-lo. A ser capaz de amá-lo, porque a capacidade de amar não é coisa que assista a todos.
Este filme, embora com as suas falhas - por exemplo, acho que a relação entre os protagonistas foi demasiado precipitada, e que se perdeu demasiado tempo na sequência do confronto final - é estéticamente lindo. Seja a protagonista, seja o castelo encantado, onde nos é quase possível cheirar as rosas e provar as pêras, sejam os seus vestidos, jóias e toda a magia envolvente.
Isto é uma pequena nota a respeito do filme mais belo - jogando com a palavra beleza visual que vi nos últimos tempos. Todo o filme é um lugar acolhedor para se estar.
Para amantes de grandes amores, do conto intemporal imortalizado por Jeanne Marie Leprince de Beaumont
A França encantada da minha infância...


terça-feira, 8 de julho de 2014

#113 McCullough, Colleen, Pássaros Feridos

Fora-me dito que “Pássaros Feridos” era um livro sobre o amor proibido entre uma nova zelandesa e um padre. Colocá-lo assim é simplista demais. É um livro que põe em perspectiva as vidas, os papéis, as obrigações, as dores de alma e os desafios que cada um está fadado a enfrentar.
A história começa com uma família de imigrantes irlandeses com várias crianças a passar dificuldades na Nova Zelândia, no início do séc. XX. É no seio dessa família que a única menina, Maggie, começa a procurar o seu lugar no mundo. Nesta etapa da história surgem os primeiros pontos fortes da mesma; a relação entre Fee e Patsy, os pais de Maggie, e a doçura premente entre Maggie e o irmão mais velho, Frank.
Julguei que tudo se passaria aí, nessa pequena cabana na Nova Zelândia, onde Maggie ajudaria sempre a mãe com as mil e uma tarefas do lar e os seus muitos irmãos cresceriam para se tornar tosquiadores como o pai. Mas então os ventos chamam-nos para a Austrália e, desembarcados em Sydney, seguem para Drogheda, uma próspera fazenda de criação de carneiros australiana. Como herdeiros dessa fazenda, os Cleary começam assim a adaptação a uma vida com menos desafios, mas numa terra de grande beleza e de grandes durezas também. Ora enfrentam dilúvios, ora sobrevivem a dez anos de seca. Ora a vida animal tenta atacá-los – e inclusive arrebata-lhes vidas – ou desabam tempestades com cargas eléctricas tão fortes que pegam fogo a hectares de terra.
É neste cenário de adaptação que o Padre Ralph de Bricassart conhece Maggie e a sua família, e se propõe a ajudá-los com a adaptação e a proteger Maggie, posto que a mãe parece vê-la como algo de incómodo e os irmãos se vão tornando demasiado duros para olharem pelas suas necessidades. Ralph antevê na pequena Maggie o universo de brandura e generosidade em que ela mais tarde se tornará e assim, nas circunstâncias mais improváveis, nasce um amor condenado à grandiosidade da tragédia.
O livro atravessa quase todo o século XX. Do que a II Guerra Mundial significou para a Austrália, como possessão britânica, às muitas revoluções que tomaram a Europa e a mudaram, tornando-a naquilo que é hoje. Os tempos também mudam; da avó Fee que hesita em abandonar os corpetes e em envergar um vestido leve para os quarenta e cinco graus à sombra da Austrália, à neta Justine que é actriz em Londres e adopta a irreverência da recente “mini-saia”. Mas não é somente este o ponto forte do livro – o retrato político-social do mundo ao longo de todo um século. O mais significativo do livro são, sem dúvida, as relações interpessoais.
Cada uma das personagens principais, de personalidades marcantes – Maggie, Fee, Ralph, a tia Mary, Frank, Luke, Justine, Dane, Rainer, etc., etc., etc., tem algo de tão rico em si que nos rouba o pio. Todos eles passam por verdadeiros momentos de assombro em que se dão conta de quem são realmente, do que pretendem, dos erros que cometeram, do que mais valorizam e que estão em vias de perder. É um grande livro sobre perseguir-se os objectivos pessoais e deixarmo-nos cegar por eles. É um livro sobre cometer-se erros, assumir-se compromissos, choques de interesses, abdicação. O destino, ali tão marcante, tudo o que vai a voltar, a vida a exigir pagamento para as benesses.
Já praticamente no final, o novo ritmo protagonizado por três gerações de mulheres Cleary comoveu-me bastante. Fee, Maggie e Justine são muito diferentes entre si. A primeira abraçou o seu destino sem estrebuchar, a segunda lutou pelo que queria, mas a força dos costumes subjugou-a, e a terceira vive a vida ao sabor das suas vontades.
Confesso que a Justine, embora tenha aparecido para aí a 75% do livro, se tornou facilmente na minha personagem favorita. Possuia a firmeza de carácter que faltava à Maggie, embora a própria Maggie não seja nenhum capacho, é um bocadinho mais conformada. Não me admira que causasse estranheza, posto que diz o que lhe passa pela cabeça, choca quem a rodeia e não procura agradar ninguém. Comoveu-me a sua força – em parte apenas fachada -, o amor incondicional que dedicava ao irmão e, mais tarde, as dificuldades que encontrou para dar-se ao homem da sua vida. Por medo de perder, de ser magoada, de querer e não poder ter. O amor é fraqueza, e Justine sabe-o como ninguém.
Todas as personagens sofrem grandes desenvolvimentos, grandes mudanças proporcionadas pelos tempos, as interacções e a idade. Foi agradável ver esses envelhecimentos, o tempo parece ser, ele mesmo, uma das personagens habilmente arquitectadas pela autora.
Como ponto fraco, que me impede de dar um cinco sólido, aponto duas mortes de personagens importantíssimas para a trama, que se sucedem de um modo pouco convincente e que se dão, também, sem motivo aparente. São um pouco rebuscadas, desenquadradas e inesperadas, embora tenham, claro, uma importância maior para o desenrolar do enredo.
É uma saga maravilhosa sobre uma família de trabalhadores, de mulheres de época sem a presunção de serem mais do que é esperado delas, mas também sobre o quebrar dos grilhões face aos preconceitos do passado. Um retrato de vidas, melancólico e, por vezes, doloroso. O livro lembra-me muito a filosofia budista, que defende que viver é sofrer. A obra compara os actos humanos aos do pássaro que pressiona o próprio peito contra um espinho e que, enquanto sofre, solta um trinado de beleza incomparável. Apenas que, no caso dos humanos, sabemos o que sucede ao procurarmos o espinho, e ainda assim fazemo-lo. "Pássaros Feridos" traz o conforto da inevitabilidade dos erros.
Vai directamente para a minha gaveta dos favoritos.
Classificação: 5*****