domingo, 24 de abril de 2016

#159 CHASE, Loretta, Sedução de Seda

Sinopse: O apelo do vestido perfeito consiste em duas partes: as senhoras devem desejar vesti-lo, e os senhores devem desejar despi-lo 
A ambiciosa e talentosa modista Marcelline Noirot é uma estrela em ascensão na chique cidade de Londres. E quem melhor beneficiaria do seu talento, se não a dama mais mal vestida de Londres, a noiva do duque de Clevedon? Conseguir o mecenato da futura duquesa significaria mais prestígio e fortuna para Marcelline e para a sua família. Para chegar até ela precisaria, contudo, de atrair as atenções do duque, um cavalheiro cujos padrões de estética são elevados, mas os padrões morais... já não.
Parece valer a pena. No entanto, quando Marcelline se encontra com ele, Clevedon projeta uma sedução tão irresistível como os vestidos que ela costura e cria, e o que começa por ser apenas uma faísca de desejo, depressa se torna num delicioso inferno... e um ardente escândalo. Será suficiente os seus destinos estarem apenas suspensos por um fio de seda?

Opinião: Comprei este livro em Setembro do ano passado. Foi um mês em que trabalhei 30 dias, todos os dias, e não só 8 horas por dia. Fui guia e agente de viagens, fiz transfers às três e às cinco da manhã para o aeroporto e deitei-me às tantas para dar o jantar aos meninos e conviver com eles. Sem falar que desci as escadas do Bom Jesus e, perto disso, as tremuras nas pernas depois da descida do castelo de Beja não foram nada. Isto para dizer que não tinha tempo, nem interesse em lê-lo. Ainda bem... Vim pegar-lhe numa fase em que não me apetecia ler nada, em que os livros "bons" são demasiado difíceis para o meu estado de espírito, e os livros de chacha (romances cor-de-rosa) já me parecem todos iguais. 
Este livro surpreendeu-me. Faz parte de uma série de quatro livros em que as personagens principais são três irmãs costureiras. Aqui começa a desconstrução dos romances do género. Marcelline não é nobre, não é desfavorecida, não é virgem. Gervase Clevedon nunca é mencionado como sendo "libertino". Finalmente! A história é diferente, tem humor, e as personagens estão muito bem construídas...
Marcelline é determinada, competente, trabalhadora árdua, ambiciosa e engenhosa. Não temos como não torcer para que os seus esforços dêem frutos. Não há aquela história do mal entendido que depois se resolve. Cada personagem é adulta e tem os seus dilemas.
Clevedon é cativante, protector, teimoso e tão determinado quanto Marcelline, mas pareceu-me a personagem mais fraca. Enquanto ela tinha garra e paixão, ele vê-a a todas as horas e parece incapaz de existir para além disso. Mas o amor é tantas vezes assim... A pessoa deixa de ver o que a rodeia e o que lhe está debaixo do nariz...
Não gostei de algumas (muitas) repetições - fizeram-me a papinha toda, não deram espaço a deduções. Não gostei de tantas menções ao diabo e a Belzebu e ao demónio e etc. É básico e old fashioned associar pessoas que jogam ou que têm vidas de moral duvidosa a coisas demoníacas, no sentido expressivo. "Eram aparentadas com o diabo, de tão traiçoeiras" - algo do género. São forças de expressão, mas houve ocasiões muito rebuscadas. Não sei se o mal é da tradução ou do original. 
No geral diverti-me, sempre soube onde isto ia, e adorei ler os detalhes todos da época com que a autora enriqueceu o livro. Localizações, a sociedade inglesa e a parisiense, os hábitos, os trajes, os jogos hierárquicos. Houve momentos de grande articulação. Adorei, mas penso que não vou ler o seguinte. Não li boas críticas a seu respeito.

Classificação: 3,5***/**

sexta-feira, 8 de abril de 2016

#158 FACIOLINCE, Héctor Abad, Oculta


Sinopse: «Emergi muito devagar à superfície do lago, tentando não fazer barulho. A minha boca aberta começou a engolir ar uma e outra vez, a toda a velocidade. Duas, três, cinco, sete vezes. O coração ribombava-me no peito como o bombo mais imponente de uma banda de aldeia. Ouvi vozes e insultos provenientes da casa. Vários feixes de luz perscrutavam o lago. Voltei a mergulhar. […] Não via nada debaixo de água, nem que abrisse os olhos: era uma barreira viscosa, negra, fria, que com a pressa de fugir parecia uma sopa de óleo que me untava os braços e as pernas e me obrigava a avançar devagar, por mais que os agitasse com todas as minhas forças.»
Assim começa um dos episódios mais dramáticos deste romance que gira em torno de La Oculta, uma propriedade escondida nas montanhas da Colômbia. Pilar, Eva e Antonio são os últimos herdeiros desta terra, que passou por várias gerações da família. Aí viveram os momentos mais felizes das suas vidas, mas também tiveram de enfrentar a violência e o terror, o desassossego e a fuga. A partir das vozes dos três irmãos, do relato que fazem dos seus amores, medos, desejos e esperanças, com uma paisagem deslumbrante como pano de fundo, Héctor Abad Faciolince mostra as vicissitudes de uma família e de uma povoação, assim como o momento em que o paraíso está a ponto de se perder. 

Opinião: “Gosta-se de uma quinta como se gosta de um marido, de uma mulher, de um velho amor a que dedicámos muito tempo e quase todas as nossas energias. Aprendemos a gostar dela quando éramos crianças, por via de uma felicidade genuína, espontânea, à primeira vista, no sol da infância e nos dias azuis.” 
“Oculta” (Quetzal, 2016) é o mais recente romance de Hector Abad Faciolince. A perspectiva deste colunista que vive em Bogotá é a de uma Colômbia desde o seu baptismo como Nueva Granada, colonizada de negros, espanhóis, missionários, judeus, mercenários e cafezeiros, até se tornar num país que começa a abrir-se ao progresso.
Ainda que a espinha do romance seja a história da família Ángel, o apeadeiro é La Oculta, a propriedade que a família detém há séculos. O livro delineia-se a partir do paralelo casa/passado. Três irmãos – Eva, Pilar e António (Toño) exprimem os seus pareceres a três vozes muito distintas.
Toño é apaixonado pelo passado, pelo que está empenhado em reconstruir os passos da família desde a sua chegada às encostas de Jericó. Homossexual, teve de deixar o meio fechado da Antioquia (que qualifica de tosco, homófobo, racista) para poder viver sem preconceitos em Nova Iorque.
Eva narra, sobretudo, as suas aventuras amorosas e um episódio que macula as lembranças felizes de La Oculta: aquele em que paramilitares e a máfia local se juntam para tentar expropriá-los da sua terra.
Pilar é a irmã um tanto tacanha, que nunca saiu da Colômbia, porém plenamente resolvida no amor. Vive um casamento de várias décadas e valeu-se do seu pragmatismo e zelo para cuidar da família, personificando assim a tradição e o imaginário do povo colombiano.
O ritmo do romance é bem compassado, porém são as personagens que ficam um pouco aquém, por até meio do romance parecerem decalques já encontrados um pouco por toda a literatura. Toño, efeminado desde pequeno por ter sido cuidado pela mãe e pelas duas irmãs, que abomina o trabalho braçal e cuida das mãos, e que não gosta de brincadeiras de rapazes e que é casado com um gay artista (e sensível).
Eva, mulher sem defeitos, linda, inteligente, várias vezes casada e outras tantas divorciada, amante de desportos e um tanto leviana.
E Pilar, a “matrona” que dedicou a vida aos interesses da família.
Algumas asserções podem gerar controvérsia, como a de que “as mulheres não querem saber do passado”, por serem práticas e viverem para as tarefas do dia-a-dia e para os desafios conforme estes se lhes apresentam, enquanto o homem parece um passo à frente na racionalidade e busca nas entrelinhas do seu passado um sentido para o seu presente.
A História do país vem assim desvendada por intermédio da história destes judeus convertidos. Os jogos políticos e o estabelecimento de hierarquias locais enriquecem em muito a narrativa, assim como a formação do poder local, sob a forma de máfias e de força militar corrupta. Sem dúvida, um autor a acompanhar.
O despertar para a intimidade dos três irmãos surge de modo delicado e explícito, o que consagra a destreza do autor para ilustrar episódios épicos e outros do foro pessoal com a mesma intensidade. 
Um romance que prima pelo retrato meticuloso da Colômbia nos últimos séculos, e que é quase um ensaio romanceado sobre a formação de um país.

Classificação: 3***/**