sábado, 27 de fevereiro de 2016

#157 SMITH, Deborah, Milagre

Sinopse: Sebastien de Savin é um brilhante cirurgião cuja habilidade e arrogância representam uma mistura explosiva. No passado, um segredo obscuro foi o responsável pelo endurecer do seu coração, até que um milagre acontece. O milagre dá pelo nome de Amy Miracle, uma rapariga tímida com um emprego de verão nas vinhas da família de Savin e a última pessoa pela qual alguém como Sebastien esperaria apaixonar-se.

Um acaso junta-os: graças a Sebastien, Amy escapa de uma vida de pobreza e abusos psicológicos, adquire autoconfiança e progride numa carreira de sucesso. Graças a Amy, Sebastien reaprende a rir e desperta para o amor. No entanto, a vida real separa-os. Embora tendo passado pouco tempo juntos, a memória desses preciosos momentos assombra-os durante anos. Até ao dia em que os seus caminhos se cruzam novamente…


Repleto de personagens bem-humoradas e apaixonantes, Milagre é sobretudo uma história de amor e de conflito inesquecível, que mostra como o amor pode parecer improvável, mas nunca é impossível


Opinião: “Milagre” é o terceiro livro que leio da Deborath Smith, a seguir ao best-seller “A Doçura da Chuva” e a “O Café do Amor”. Adorei tanto quanto o anterior, porém o mesmo problema perpetua-se: porquê escrever livros deste tamanho? Porque não 150 páginas a menos?
Houve momentos muito intensos, outros que teriam sido perfeitamente dispensáveis. A palavra de ordem é “drama”. Para não dizer “morte”, porque o livro é um desfile de mortes. Até conheço vidas assim, que em 10 anos a pessoa se vê num desfile de velórios de funerais, às tantas parece que já nem sente nada, embora por dentro o poço continue a aprofundar-se. Mas houve partes que considerei demais…

Amy Miracle cresce com o pai, palhaço reformado devido a uma lesão na coluna, e a madrasta, a “doce e passiva Maisie”, como a própria a descreve. O pai é violento, alcoólico e, somando todas as suas atitudes, tem pancada, pronto. A Amy não tem quaisquer ambições na vida (o que me recordou a Lousia, de Viver depois de ti), e depois surge Sebastien de Savin (que me recordou o Will, de Viver depois de ti), e abre-lhe um leque de oportunidades. O principal, claro, é a motivação. O amor inabalável que a Amy acaba por sentir por esse homem, primeiro seu patrão e depois seu benfeitor, roça muitas vezes a idolatria. Está constantemente a dizer que precisa que ele se orgulhe dela e que não vai falhar por ele. Eventualmente acaba por maturar um bocadinho e começa a fazer pela vida tendo em conta o seu próprio interesses e bem-estar. 

A jóia do livro é, a meu ver, a personalidade e a história do Sebastien de Sauvin. Para mim, amor à primeira vista, por muito que tivesse o nariz ligeiramente torto (eheh). O homem perdeu (e vai perdendo) a família toda ao longo do livro. As circunstâncias são trágicas e envolvem acidentes de carro, suicídios, abortos, quedas de aviões e simples “desabar” no chão. Às tantas já era demais… Mas isso torna-o no cirurgião cardíaco pragmático que é, ambicioso, metódico, dedicado e de um racionalismo estonteante. Às vezes, quando afastava alguém com a sua dureza, eu, como leitora, julgava finalmente compreender o tumulto por detrás dos olhos de outras pessoas que agem do mesmo modo.

Em termos de romance, é realista em quase tudo. Da intimidade às interacções. Porém, há outro momento crucial no livro em que as coisas começam a parecer frustradas. Digamos que ele e a Amy têm algo importante a resolver, e que deveriam fazê-lo juntos (isto é, lado a lado), e não com um em Paris e outro em São Francisco e a deixar as coisas andar…


Gostei do livro. Li rápido apesar da enorme extensão. As 4* dizem respeito à mestria com que a relação dos dois evolui. Não é fácil escrever-se sobre amores assim, e só por isso sei que da pena da Deborah virão sempre grandes histórias. This girl knows her love!
A que falta não é muito lisonjeira, porque realmente houve momentos de dramatismo forçado e desnecessário que me fizeram revirar os olhos.
O certo é que estarei cá sempre para lê-la.

Classificação: 4****/*

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

#156 MOYES, Jojo, Viver depois de ti

Sinopse: Lou Clark sabe muitas coisas. Sabe quantos passos deve dar entre a paragem do autocarro e a sua casa. Sabe que trabalha na casa de chá The Buttered Bun e sabe que não está apaixonada pelo namorado, Patrick. O que ela não sabe é que vai perder o emprego e que todas as suas certezas vão ser postas em causa.
Will Traynor sabe que o acidente de motociclo lhe tirou o desejo de viver. Sabe que agora tudo lhe parece triste e inútil e sabe como pôr fim a este sofrimento. O que não sabe é que Lou vai irromper na sua vida com toda a energia e vontade de viver. E nenhum deles sabe que as suas vidas vão mudar para sempre.
Em Viver depois de ti, Jojo Moyes aborda um tema difícil e controverso com sensibilidade e realismo, obrigando-nos a refletir sobre o direito à liberdade de escolha e as suas consequências.

Opinião: "I can't be the kind of man who just...accepts."

Na madrugada a seguir ao anúncio da eleição do José Rodrigues dos Santos como “melhor” escritor português, eu deito-me às 04:45 da manhã para ler, de uma enfiada só, o meu primeiro da Jojo Moyes.
Não li o livro por ter curiosidade na autora, mas sim porque saiu o trailer do “Me Before You”, inspirado neste romance, com a Emilia Clarke (A Guerra dos Tronos) e Sam Claflin (Love, Rosie). Isto significa que fui ao livro em busca daquilo que a sua sinopse e o trailer do filme prometiam: uma jovem alegre e invulgar, cheia de vida, a cuidar de um tetraplégico pouco mais velho do que ela própria, e que perdeu a vontade de viver.
Esperei algumas coisas do livro – não sou daquelas autoras que adoram um twist, digamos que prefiro jogar pelo seguro. Acho que isso se nota também naquilo que escrevo… O meu coração não bate mais forte por causa da imprevisibilidade das coisas. Eu sou mais do género de saber que alguém chegou ao ponto x e fico louca de curiosidade para saber como foi lá parar.
Então, e sabendo que saí de uma depressão há pouco tempo, atirei-me de cabeça. Eu, a manta, o candeeiro e os bichos em cima de mim. Passámos seis horas interruptas juntos. Sabem o que isso significa, para mim? Que ainda sou capaz. Que, se gostar mesmo muito, muito, de um livro, ainda consigo entregar-me de alma e coração ao mesmo. Atenção, eu disse “se gostar muito, muito”, não disse “se um livro for muito, muito bom”. É importante que se faça essa distinção. E, no meu peito, este livro ascendeu logo a um sólido 5*****. Não é o 5***** do E Tudo o Vento Levou, nem do Servidão Humana, mas é o 5***** de alguém que, num dia de semana, não conseguiu desligar-se destas pessoas nem dos seus dilemas.
O livro mexeu comigo a vários níveis. Primeiro, claro, o acidente. Eu sou daquelas pessoas que acham que devemos arriscar sempre que a vontade o exige, porque pode dar-se que acabamos atropelados por uma Scooter à porta de casa e sem ter vivido. A Louisa Clark é uma rapariga da minha idade, com um namoro de seis anos e um emprego que lhe preenche as ambições num café local. Por precisar de se sentir segura, apesar de ser bastante estouvada, esse emprego mantinha-a livre de ânsias de maior. Não almejava um salário maior nem sair para conhecer o mundo. Era feliz sabendo que fazia chás excepcionais e que trocava dois dedos de alegre cavaqueira com cada cliente. A sua família está a passar por dificuldades financeiras e, quando perde o emprego, é rapidamente catapultada para Granta House, onde é paga para cuidar de um homem que ficara tetraplégico há dois anos, na sequência de um atropelamento.
Este homem é William Traynor, um homem que escalara o Kilimanjaro, mergulhara em recifes de coral e fizera bungee jumping. Tudo isso antes de ter ficado preso a uma cadeira de rodas. Lembrei-me, de imediato, das referências artísticas que tenho em assuntos do género: O Escafandro e a Borboleta, Million Dolar Baby, Os Intocáveis e Mar Adentro. Cada um é triste e revelador ao mesmo tempo. Põe-nos a pensar onde reside, realmente, a força de uma pessoa. Como é espantoso que alguém que apenas mexa a boca possa pintar ou escrever, enquanto outros, em plena posse das suas faculdades, se afastam das coisas mais simples por se considerarem incapacitados para isso à partida.
A jóia do livro são, claro, as relações humanas. As emoções que nos tomam (não ofereci grande resistência, confesso) quando nos deparamos com os dilemas destas pessoas. Ficar ou não ficar? Deixar ir ou tentar manter? A definição de amor nunca nos é atirada para a cara, tipo “amar é deixar o outro ir quando lhe é impossível ficar”, mas está intrínseca em cada gesto. 
Lembro-me de, aqui há uns anos, andar muito angustiada a perguntar-me isto mesmo: será que existe no mundo alguém que me ame tanto que me ajudasse a morrer, se eu estivesse lúcida e viver me fosse já insuportavelmente doloroso?
A minha avó disse que nunca me ajudaria nesse sentido, porque Deus Nosso Senhor não ia aprovar. Nunca me esqueci dessa justificação fácil para se sacudir a água do capote. Já anteriormente o disse: para mim, amar é estarmos dispostos a acabar como sofrimento do outro. 
E este livro testa estas ideias ao limite. É tão diferente do esboço tosco do Nicholas Sparks, o “Uma Escolha por Amor”, que só me resta deitar a língua de fora quando penso nos disparates que li no livreco do Nicholas.
Vida e morte. E, claro, amor. O amor aqui explorado no pináculo do desespero. 
Quando a vida de Lou e Will colide, também o leitor é arrastado para os diversos prismas desta circunstância infeliz. Se Will ama Lou, deve deixá-la livre para ser feliz com alguém em plena posse das suas capacidades, ou dispor-se a alegrá-la com o que lhe pode oferecer? Se Lou ama Will, está disposta a limpar-lhe o rabo e a mudar-lhe o cateter para o resto da vida? Ou, se o ama mais ainda do que isso, poderá deixá-lo ir-se embora? Quem sabe até lho perdoar? Se a mãe de Will ama o filho, deve desistir de lutar por fazê-lo querer viver ou deve acatar e respeitar o seu desejo de alívio? 
Ri muito. Às duas da manhã ria-me que nem uma maluca. Há momentos tão bons, tão bonitos neste livro… E depois a eminência de um futuro sem floreados a pairar sobre o leitor, a cingir-lhe o peito num punho cerrado…
Depois chorei. Muito. Chorei porque a autora conseguiu meter-me, em simultâneo, na pele da Lou e na do Will. E não queria ser um nem outro. Só de pensar sinto uma angústia, uma falta de ar, como se tivesse verdadeiramente vivido aquelas seis horas a partir de uma cadeira de rodas eléctrica.
Não é um livro fácil. Acho impossível que alguém o leia e fique de coração leve.
Resta-me repensar a minha vida, entender que também eu tenho 26 anos e que estou cheia de vida e de opções. O que quero mesmo fazer com ela?
Prometo a estas personagens, que tanto o merecem, que vou pensar.
Bem sei que a autora não é o Stefan Zweig, que o livro tem laivos de clichés, mas é tão adulto e tão ponderado que me deixar embalar pelos seus ensinamentos, pelos seus cenários, pelos seus humanos inventados, e aqui estou… a suspirar.
É bem possível que volte a lê-lo um dia. Vai para a estante dos favoritos. Não quero ler a continuação. Para mim acaba assim mesmo. Matou-me e vou deixar-me ficar deitada a escutar os ruídos do universo enquanto as energias e a vontade se realinham em mim.
Quando o filme sair, vou com uma caixa de Kleenex para o cinema.
Um horror, devia ser proibido fazerem isto às pessoas.

Classificação: 5/5*****