quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

#70 LIMA, Beatriz, Anjo de Cristal


PARTE II (PARTE I)

Terminei a leitura.

Introdução:
A Beatriz era muito nova quando escreveu este livro. Ainda assim, comprometer-se com 177 páginas de uma mesma história é mais do que muitos adultos conseguem fazer, reconheço-lhe isso. Também consigo antever que, de futuro, fará muito melhor do que isto. Tem potencial, isso é incontornável. Mas esse potencial perceptível não pode toldar a minha percepção quanto a esta obra em particular. Bem como esta obra não pode toldar as capacidades que, bem desenvolvidas, darão origem a bons enredos.

O espírito da autora transparece neste romance. Eu própria ainda luto muito para esconder o meu nas minhas obras, e se vem mais escondido é precisamente porque aprendi a contrariar-me. Às vezes também escrevo cenas impulsivas ou violentas que, depois, me dou conta de que ficariam melhor num livro de Banda Desenhada com super-heróis. Tudo isso seria limado com o tempo.
Influenciada pelos romances que lia, os filmes que via, as novelas que davam, escrevi coisas semelhantes. Escrevi histórias sobre gémeas, perdas de memória, mudança de nomes e de identidade, doenças terminais, meninas mimadas, o valor da amizade, mulheres a “espancar” homens de fúria. Tudo isso foi limado ao longo dos últimos 12 anos, combatido, aperfeiçoado. 

Este livro, contudo, espelha bem esses meus primeiros manuscritos e é por isso que não consegui deixar de sentir uma certa ternura pela autora, que me lembra de mim própria há dez anos. Os próprios nomes das personagens, como mencionei na publicação anterior, transparecem essa mesma imaturidade, pureza e denunciam o quão sonhadora é: Luz, Lua, Lírio. Fala-se em estrelas cadentes e a vertente inconsciente – sonho – está muito presente. Demasiado presente. A personagem tem constantemente sonhos que a afastam da realidade e a ajudam a tomar decisões.

Balanço de ingredientes/géneros/tendências/debates: misticismo, romantismo, acção, guerra, amor, amizade, drama. Tudo vivido com a mesma intensidade, lição explicada, vivenciada e aprendida em meia dúzia de páginas.

Personagem principal: Anne Marie ou “Ange de Crystal”. Não consigo gostar dela, não é coesa. Tem uma certa presença, porque consegui abstrair-me da escritora, de facto via esta Anne Marie, mas detestava-a ao ponto de querer esbofeteá-la. Deve ser bipolar e esquizofrénica. Contradiz-se. Ora é uma mártir ora diz que “sabe que não tem coração”. Ora é frágil, desmaia do nada e entra em coma, ora imobiliza dois soldados e diz-lhes que o melhor é “não se meterem com ela”. Não funcionam. Os ingredientes que a compõem não funcionam.

Ritmo do livro: Ora oscila entre descrições intermináveis de tarefas banais, ora pula tempo precioso para se compreender o fio (de incoesão) da meada e os acontecimentos já se estão a precipitar.

Contexto temporal: desfazado.
Contexto espacial: desfazado. “Vou para a guerra”, “Quando estava quase a chegar à guerra”. Deu ideia de que a guerra é uma região da França.

Final: abrupto, a escritora parece exausta de escrever, precipita as acções finais (num clímax cansativo em que recapitula tudo o que a personagem viveu no livro) e fecha a obra.

Contexto geral: a obra existe num recanto da imaginação da autora que não tem, na minha opinião, como funcionar – a menos que esta inventasse um país e uma guerra e lhe atribuísse as características que bem entendesse.

Enredo: cliché e previsível.

Pode ser culpa minha, porque sou presa à realidade e ao exequível (embora reconheça falhas nas minhas obras também a esse nível, mas é sobre elas que pretendo crescer), registei muitas coisas impossíveis que basicamente mandam a lógica à fava. Alguns exemplos (não muito mesquinhos, espero):

- Uma rapariga de vinte anos desmaia ao ver o seu grande amor e “entra em coma”;
- Uma criança de oito anos perde a mãe e adopta no mesmo instante outra mulher como mãe, chamando-a desse modo e chamando “pai” a um homem que nunca viu e que está na guerra;
- Não existe espaço, o tempo é ambíguo;
- Uma mulher que acaba de perder o marido na guerra e de fazer um escândalo sobre essa notificação está a beijar um homem (segundo a temporalidade do livro) nessa mesma tarde e a dizer-se de novo apaixonada;
- A autora não se aventurou muito em pormenores históricos, mas quando o faz não é assertiva;
- Uma mulher dá uma coça a dois homens (soldados) só porque está irritada;
- Os nomes (sei que insisto nisto mas era o mínimo dos mínimos para a autora nos ambientar na França, já que poderia dizer que tudo se passa na Inglaterra e seria igual, visto que nunca “vemos” nem “cheiramos” a França) não têm um contexto coeso – Luz, Lua, Lírio, Liz, Liana, Anne Marie, Ange Crystal, Peter, Daniel, Roger, Diana, Margarida, Sky, Esther, Haillie, Heather, Ashley;
- Pelo menos duas pessoas dizem que “mudaram de nome”, uma para fugir à família que não aceita o seu casamento, outra para ir para a guerra… não se entende porquê;
- Os temas não se conjugam bem nem são representativos da época, ou pelo menos o modo como são abordados: violência doméstica, tráfico de droga, penas de prisão perpétua, adopção, jornalistas asiáticas na França e de “madeixas loiras”, revistas cor-de-rosa, lojas de pronto-a-vestir (1939) onde se compram dez casacos de uma vez em clima de austeridade e guerra.

Enfim, não me levem a mal. Não digam que estou a deitar abaixo uma autora quando deveria incentivá-la. Mas, honestamente, a mim deu-me jeito saber que havia por aí pessoas que poderiam pegar no meu trabalho e decepá-lo. Tive dez vezes mais cuidado n’O Funeral da Nossa Mãe, e terei vinte vezes mais cuidado quando escrever/publicar o próximo.
Perdoem-me mas não basta ter-se treze anos e escrever-se para se receber palmadinhas nas costas. Há que escrever bem para se ser merecedor disso, o mérito não pode vir às prestações e não digo que a Beatriz não vá longe, mas terá sempre sido uma decisão pouco acertada ter-se estreado com este livro. O primeiro romance do Eça certamente que não foi nada desta espécie e o Flaubert dedicou-se anos à simplicidade do seu “Madame Bovary”, que nem mexe assim tanto com pesquisa exterior mas sim com o carácter das pessoas, e não quis publicar mais nada para não comprometer a qualidade inegável deste romance. Era um perfeccionista. Há que não se ser demasiado apressado quando queremos que as coisas corram bem.
Os meus parabéns à autora pelas 177 páginas de uma história linear, é evidente que tem a vida toda pela frente para se aprimorar. Mas não posso dar-lhe os parabéns pelo conteúdo da obra.

2 comentários:

  1. E fala alguém que tem livros publicados por uma pseudo-"editora" chamada Alface, ou Alforreca, algo do género. Eu queria ver era se os publicavas numa editora tipo Porto Editora, ASA, Casa das Letras.. Ao que parece a pessoa ainda não é adulta, então devias ter mais cuidado ao fazer críticas tão cerradas a alguém tão jovem. Os jovens não têm o poder de encaixe dos adultos (aliás a maioria dos adultos tb não o tem, então o que dizer de uma quase criança). Devias fazer sugestões e sempre com carinho, subtileza e sensibilidade, algo que manifestamente te faltou.

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    1. O mundo não é uma redoma de vidro. Se ainda ninguém tinha reparado em tudo o que aponto acima já deveriam tê-lo feito. Talvez ela tenha sofrido uma desilusão mas a culpa não é minha e sim de quem não teve coragem de dizer que disto para um "livro" a sério ainda vai muito. A minha obra não tem nada a ver com a minha opinião, nem tão pouco a minha editora. Quanto muito os livros que leio poderiam ter a ver com essa opinião, visto que não posso exaltar um livro que só demonstra a precipitação de uma jovem e a falta de conselheiros ao seu redor para lhe dizerem "tem calma, tens tempo, podes melhorar muito mais do que isso porque mais cedo ou mais tarde alguém vai reparar que o livro poderia ser melhor'. A autora lançou um livro a falar de guerra, amores, sacrifícios. Suponho que o público alvo não fossem pessoas da sua própria faixa etária. Então sinto-me ultrajada no sentido em que o livro não cumpre expectativas nem reúne um mínimo de lógica para ser assim chamado.

      Por falar em editoras, peço-lhe que abra esse link eme diga se vê aí alguma Rosa Lobato Faria, sem querer ofender nenhum dos autores que viram assim o seu sonho de publicar um livro cumprido (por muito que sejam BONS ou MAUS livros):
      http://www.alphabetum.pt/index.php?go=autores

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