quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

#50 Sombras de Imbecilidade Colectiva

Eu gostava de poder ignorar as histerias colectivas, mesmo porque não me é muito habitual fazer parte delas, mas adiante… É difícil.
Desconfio sempre do filme muito aclamado, do músico muito premiado, do livro muito vendido. Isto porque, e perdoem-me o snobismo, tudo o que é consumido à escala de fast food é porque tem características pouco complexas, estandardizadas, que vão ao encontro das massas e que, portanto, cumprem requisitos “mínimos”. As massas, na minha opinião, são ignorantes. Encaixo-me nelas em muitos estádios de ignorância, cada um tem aquilo onde fica às aranhas e aquilo que é a sua praia. A minha praia são as artes. A literatura, sobretudo. Não significa que não me perca se se falar de steampunk. Vamos lá ver a espécie de coisas que andou nas bocas do mundo ultimamente:
Gangnan Style e as pessoas que tatuaram os seus afins na pele.
As Cinquenta Sombras de Grey (já aqui escrevi que até a minha avó, que sabe que adoro ler, me veio perguntar se tinha ficado para trás das suas amigas reformadas que andavam a ler “As Cinquenta Cores”).
A Piradinha.
Avatar.
O Show das Poderosas.
Hannah Montanah.
O Código da Vinci.
As Cinquenta Sombras de Grey.
Crepúsculo.
O Segredo, da Rhonda Byrne.
Casa dos Segredos.
Harlem Shake.
One Direction.
As Cinquenta Sombras de Grey.
Frozen.
Lady Gaga.
Pulseirinhas de elásticos.
Violetta.
As Cinquenta Sombras de Grey, já mencionei?
Em que consiste tudo isto? Além da palavra óbvia que ocorre? Diria que consiste numa linguagem universal, básica, simplista, que unifica todos sem excluir ninguém e que é acessível, pelo seu baixo grau de complexidade, a todos. Trata-se de levar as massas no bico e enriquecer com a falta de selectividade e refinamento e fraco nível de exigência do público.
Gangnan Style nunca ninguém entendeu que raio é que o homem dizia, Harlem shake idem. Avatar? Uma espécie de Atlântida da Disney mas com recurso à nova tecnologia e a óculos 3D, vamos lá pôr-nos na vanguarda da tecnologia. Crepúsculo? Ai, que inovador, transformar o mau no galã da fita. Dá comichões na passarinha das teenagers, mas o pior é que muitas adultas também se deixaram abalar.
Por que venho eu com este discurso arrogante e pretensioso, afinal? Quem sou eu para achar que os gostos se discutem? Passando adiante da certeza de que gostos são gostos, na minha modesta opinião, os gostos sempre se discutiram, e isto preocupa-me.
Preocupa-me porque a literatura foi inundada por livros eróticos, livros não mais elaborados do que os da Harlequin da caixinha de sapatos da minha avó, que eu ia quando era pequena apenas porque tinha curiosidades que não podia discutir (o Google não existia, arrisco-me a dizer!).
Assusta-me que as pessoas gastem rios de dinheiro para levar os filhos ao concerto de Tokyo Hotel e que acampem à porta do Pavilhão Atlântico (agora Meo Arena, para quem veio há umas semanas do concerto da Violetta). Assusta-me que o franchising do Frozen não cesse de render dinheiro à Disney, quando se trata de um filme perfeitamente vazio. “Ah e tal sou muito moderna e independente e o filme não fala sobre um casal, é inovador e fala do amor entre irmãos”. Uma coisa cheia de lacunas, apressada, em que os grandes protagonistas são as paisagens de neve, um boneco de neve e o vestido da “rainha da neve”. Um filme sem diálogos, sem profundida, caído em clichés e lugares-comuns, mas com uma música que fica no ouvido e que é repetida até à exaustão.
E agora As Cinquenta Cores (prefiro a versão da minha avó), essa bosta de livro. Uma coisinha insonsa em que a autora (sou só eu que acho a protagonista do filme, a Dakota Johnson, uma versão mais jovem da E. L. James?) celebra a sua inovação por ter aberto as portas a mais uma cultura de histerismo? Ah, de repente as pessoas recordaram-se que há uma coisa chamada chicote e algemas. Antes também havia, mas era coisa de malucos que passam demasiado tempo a jogar videojogos e que têm pancada e deviam ir ao médico. De repente a senhora estava aborrecida, pega no Crepúsculo e distorce-o, removendo os dentes ao vampiro e inserindo atilhos e tampões anais no enredo, e a coisa vira um fenómeno viral. De repente, pessoas que nunca liam livros inscreveram-se na rede social para bookaholics (Goodreads, não sei se há mais), atribuíam-lhe a pontuação máxima e diziam que nunca tinham lido um livro melhor. Envolviam-se em discussões intermináveis sobre o quanto os outros eram conservadores e quadrados por não entenderem o quanto a autora é arrojada (e sensual, nossa, que sensualidade!) ao colocar o senhor Grey a remover o tampão à mocinha antes de a *****. De repente, as mamãs compravam baby-grows para os bebés a dizer “Há nove meses atrás a minha mãe leu As Cinquenta Sombras de Grey”, o que até é irónico, tendo em conta a triste qualidade da informação lá passada acerca de contracepção, que poderia levar a uma gravidez indesejada. Tenho pena dos maridos, porque parece que algemas, tampões para orifícios até aí negligenciados, chicotes (e até corda e fita-cola!) começaram a voar das prateleiras. Há alturas em que me ponho no lugar dos homens e tenho compaixão deles. Imagino a cara dos chatos dos conservadores que queriam tratar a mulher com respeito e tal, e ela lhes mete a chibata na mão e pede que lhes aplique umas chicotadas.
A graça maior é que as mulheres são um público – lamento dizer – fácil de convencer. Um bocado como as crianças: os produtos que lhes são direccionados só têm de brilhar um bocadinho que elas correm a comprar.
Acredito que as mulheres ainda tenham muitas fantasias reprimidas, mas não acredito que tenha sido um livro miserável (do ponto vista literário ao do BDSM de acordo com as comunidades de entendidos) a tirá-las do armário. O que o livro abriu, e é pena que tenha sido ele a abrir, foi a porta para o diálogo. Se calhar fez as mulheres sentirem-se mais arrojadas, tomarem a iniciativa. O que até deveria ser contraditório, posto que, segundo consta, a mocinha é completamente abusada física e psicologicamente pelo homem de sonho das 46 mil mulheres que compraram o bilhete para a estreia no cinema (isso é o número de bilhetes, vamos considerar que pelo menos 6 mil são namorados forçados a ir ver o filme, sob a fachada do “mente aberta”, que são eles próprios vítimas de violência psicológica por parte das mulheres). Este Dia dos Namorados de 2015 é outra chaga que os homens terão de carregar…
Mas nem quero mencionar “chagas”, se não aí é que nunca mais me calo.
PS – Li 33 páginas do livro: tão mau, mas tão mau, que fui incapaz de forçar-me a mais. E olhem que gosto de romances picantes (desde que haja alguma complexidade nas personagens ou algum esforço da autora perante a história que constrói). Não vou ao cinema ver o filme, não darei dinheiro para tal causa e recuso-me a fazer parte da histeria colectiva que ficou com a patareca aos saltos para estar lá no dia da estreia.

Mas vou vê-lo, ah se vou! Os meus dedinhos tremem só de imaginar as atrocidades que terei a dizer depois. Muahahahahahah!

2 comentários:

  1. também ainda não li (e se calhar nem lerei) porque o tema violencia, mesmo que "consentida" não me seduz.
    O que fui ouvindo ou lendo acerca do livro chegou-me para não o ter na minha lista de "a ler". E na minha lista de "a ver" ainda muito menos.

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  2. Não podia concordar mais! Disse tudo.
    Li 20 páginas do livro e não consegui ler, nem mais uma...
    O filme, também está fora de questão.

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