sexta-feira, 8 de abril de 2016

#158 FACIOLINCE, Héctor Abad, Oculta


Sinopse: «Emergi muito devagar à superfície do lago, tentando não fazer barulho. A minha boca aberta começou a engolir ar uma e outra vez, a toda a velocidade. Duas, três, cinco, sete vezes. O coração ribombava-me no peito como o bombo mais imponente de uma banda de aldeia. Ouvi vozes e insultos provenientes da casa. Vários feixes de luz perscrutavam o lago. Voltei a mergulhar. […] Não via nada debaixo de água, nem que abrisse os olhos: era uma barreira viscosa, negra, fria, que com a pressa de fugir parecia uma sopa de óleo que me untava os braços e as pernas e me obrigava a avançar devagar, por mais que os agitasse com todas as minhas forças.»
Assim começa um dos episódios mais dramáticos deste romance que gira em torno de La Oculta, uma propriedade escondida nas montanhas da Colômbia. Pilar, Eva e Antonio são os últimos herdeiros desta terra, que passou por várias gerações da família. Aí viveram os momentos mais felizes das suas vidas, mas também tiveram de enfrentar a violência e o terror, o desassossego e a fuga. A partir das vozes dos três irmãos, do relato que fazem dos seus amores, medos, desejos e esperanças, com uma paisagem deslumbrante como pano de fundo, Héctor Abad Faciolince mostra as vicissitudes de uma família e de uma povoação, assim como o momento em que o paraíso está a ponto de se perder. 

Opinião: “Gosta-se de uma quinta como se gosta de um marido, de uma mulher, de um velho amor a que dedicámos muito tempo e quase todas as nossas energias. Aprendemos a gostar dela quando éramos crianças, por via de uma felicidade genuína, espontânea, à primeira vista, no sol da infância e nos dias azuis.” 
“Oculta” (Quetzal, 2016) é o mais recente romance de Hector Abad Faciolince. A perspectiva deste colunista que vive em Bogotá é a de uma Colômbia desde o seu baptismo como Nueva Granada, colonizada de negros, espanhóis, missionários, judeus, mercenários e cafezeiros, até se tornar num país que começa a abrir-se ao progresso.
Ainda que a espinha do romance seja a história da família Ángel, o apeadeiro é La Oculta, a propriedade que a família detém há séculos. O livro delineia-se a partir do paralelo casa/passado. Três irmãos – Eva, Pilar e António (Toño) exprimem os seus pareceres a três vozes muito distintas.
Toño é apaixonado pelo passado, pelo que está empenhado em reconstruir os passos da família desde a sua chegada às encostas de Jericó. Homossexual, teve de deixar o meio fechado da Antioquia (que qualifica de tosco, homófobo, racista) para poder viver sem preconceitos em Nova Iorque.
Eva narra, sobretudo, as suas aventuras amorosas e um episódio que macula as lembranças felizes de La Oculta: aquele em que paramilitares e a máfia local se juntam para tentar expropriá-los da sua terra.
Pilar é a irmã um tanto tacanha, que nunca saiu da Colômbia, porém plenamente resolvida no amor. Vive um casamento de várias décadas e valeu-se do seu pragmatismo e zelo para cuidar da família, personificando assim a tradição e o imaginário do povo colombiano.
O ritmo do romance é bem compassado, porém são as personagens que ficam um pouco aquém, por até meio do romance parecerem decalques já encontrados um pouco por toda a literatura. Toño, efeminado desde pequeno por ter sido cuidado pela mãe e pelas duas irmãs, que abomina o trabalho braçal e cuida das mãos, e que não gosta de brincadeiras de rapazes e que é casado com um gay artista (e sensível).
Eva, mulher sem defeitos, linda, inteligente, várias vezes casada e outras tantas divorciada, amante de desportos e um tanto leviana.
E Pilar, a “matrona” que dedicou a vida aos interesses da família.
Algumas asserções podem gerar controvérsia, como a de que “as mulheres não querem saber do passado”, por serem práticas e viverem para as tarefas do dia-a-dia e para os desafios conforme estes se lhes apresentam, enquanto o homem parece um passo à frente na racionalidade e busca nas entrelinhas do seu passado um sentido para o seu presente.
A História do país vem assim desvendada por intermédio da história destes judeus convertidos. Os jogos políticos e o estabelecimento de hierarquias locais enriquecem em muito a narrativa, assim como a formação do poder local, sob a forma de máfias e de força militar corrupta. Sem dúvida, um autor a acompanhar.
O despertar para a intimidade dos três irmãos surge de modo delicado e explícito, o que consagra a destreza do autor para ilustrar episódios épicos e outros do foro pessoal com a mesma intensidade. 
Um romance que prima pelo retrato meticuloso da Colômbia nos últimos séculos, e que é quase um ensaio romanceado sobre a formação de um país.

Classificação: 3***/**

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