segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

#206 CAMUS, Albert, O Estrangeiro

Sinopse: Meursault recebe um telegrama: a mãe morreu. De regresso a casa após o funeral, enceta amizade com um vizinho de práticas duvidosas, reencontra uma antiga colega de trabalho com quem se envolve, vai à praia - até que ocorre um homicídio. Romance estranho, desconcertante sob uma aparente singeleza estilística, em O Estrangeiro joga-se o destino de um homem perante o absurdo e questiona-se o sentido da existência. Publicado originalmente em 1942, este primeiro romance de Albert Camus foi traduzido em mais de quarenta línguas e adaptado para o cinema por Luchino Visconti em 1967, sendo indubitavelmente uma das obras-primas da literatura francesa do século XX.

Opinião: 
Um artigo do Expresso, de 2013, anunciava que O Estrangeiro tinha vendido oito milhões de cópias, e que estava traduzido em 40 línguas.

Não me é frequente, na literatura, precisar do estímulo do contexto para melhor perceber um livro, mas foi o caso com este. Um livro que precisa desse tipo de auxílio nunca me chega tão a fundo quanto um livro que me consegue cativar sem qualquer nota de rodapé. Acabo por sentir alguma admiração pelos livros que necessitam de contextualização - quando bem conseguidos, como é o caso-, mas acompanhada de um distanciamento que não dá para ultrapassar.

Custou-me a sentir qualquer tipo de empatia pela personagem central do livro, este Meursault. Passei o livro todo à procura de uma lógica para estas páginas. Foi ao terminar a leitura, ao reflectir sobre o ano da sua publicação- 1942 -, e ao dedicar-me a alguma leitura a respeito do autor e da época que julgo, agora, ser capaz de entender L'Étranger um bocadinho melhor.

Assumindo que não há qualquer sentido, qualquer ideal em causa, ao longo destas 85 páginas, tudo me parece mais claro. Uma vez mais, cruzo-me com o conceito de niilismo, em que nunca me tinha detido até agora. 

Neste romance, Camus narra uma série de acontecimentos, diria até que algo banais (daí que me tenha sentido aborrecida durante 75% da leitura), e imprime-os no dia-a-dia de um homem indiferente, que passa pela vida sem a analisar, sem lhe buscar um sentido, um propósito. 

Meursault passa pela vida sem lhe extrair nenhum significado superior, vivendo de momentos que, tantas vezes, são forjados por terceiros. Não se permite qualquer reflexão profunda, não disserta a respeito da vida, da morte, do amor, etc. Parece mais próximo da natureza do que da sociedade, como se esta pouco o afectasse, como se andasse pela rua sem se deixar tocar pela vivência dos outros, e como se analisasse os episódios do seu quotidiano a uma luz desprovida de expectativas sociais. Quando questionado, responde de acordo com os seus sentimentos - também eles algo superficiais, porque despidos da análise que lhes dá complexidade -, arriscando-se a ser mal-entendido.
Meursault acabou por me parecer um alienado, por vezes procurava-lhe uma patologia, convencida de que ele não sentia, mas, entretanto, dei-me conta de que, neste texto na primeira pessoa, ele chega a falar de felicidade, de satisfação, e entendi que Camus criou apenas uma personagem diferente, que não tem necessidade de se iludir ou de procurar um sentido para a existência por via da religião ou de outros misticismos tais. É o rosto daquilo que seríamos se o nosso lado espiritual - e acredito que nos é "biológico" tê-lo - não insistisse em nos fazer acreditar em algo maior.
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Por último, tratando-se de um trabalho desenvolvido durante a II Guerra Mundial, entendo que o livro traduz também um pouco da psicologia da época, numa altura em que tantas vidas foram arrancadas ao seu "caminho natural", e em que me parece evidente que os intelectuais partilhavam uma noção generalizada de "absurdo".
Como romântica assumida, continuo a preferir um romance que procure interpretar os porquês da existência, e trazer maior clareza à compreensão dos dilemas do Homem. Se possível, que me reconforte, ainda que alimentando a ilusão de haver uma consciência geral, ou um propósito para a nossa inteligência. Creio que o buscar-se sentido para as coisas é, precisamente, o que faz de nós humanos.
A ter de abraçar uma "filosofia de absurdo", prefiro, no contexto da I Guerra Mundial, as mornas conclusões a que Somerset Maugham chegou em 1915, aquando da publicação de Servidão Humana.

Classificação: 3,75***/**

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