quarta-feira, 4 de março de 2015

#20 | 50 Sombras de Grey

Título oficial: Fifty Shades of Grey @ 2014
Realizador: Sam Taylor-Johnson
Actores principais: Dakota Johnson, JamieDorman
Classificação IMDb: 4,3
 Minha classificação: 2,5

Este é o espaço onde partilho opiniões sobre filmes que gostei/não gostei. Só posto os que considero dignos de serem mencionados, para o bem e para o mal. Não faço disto um diário da minha vida filmográfica. Para poder falar por fim com conhecimento de causa, submeti-me a duas horas de Fifty Shades of Grey, apenas para concluir que o panorama geral é ainda pior do que eu imaginava. Senti que, à parte da banda sonora, nada funcionou no filme. Partindo de um livro tão pobre, a Sam Taylor-Johnson não tinha muito por onde se virar. Mesmo porque é sabido que a própria E.L. James não deixou de dar palpites sobre o filme. Isso transparece: a pressão posta em cima do filme, para que funcionasse, e dos actores, para que tornassem credíveis diálogos embaraçosos, de tão absurdos, é evidente.Tive pena do Jamie Dornan, que é acusado de ser mau actor neste filme, por não saber pôr mais afinco nas chicotadas que dá à princesinha Steele. Também, ao contrário do que já tenho ouvido dizer, tenho pena da Dakota Johnson. Parece-me uma menina doce e até um tanto tímida, o que a terá tornado a pessoa ideal para assumir o papel da cabeça-oca da Anastasia Steele. Porém, a estupidez é tamanha que acaba por prejudicá-la também. Como ser-se bom actor com uma pobreza de argumento destas?Eu e a minha irmã assistimos à versão não-explícita do filme juntas. Agora virem a cara porque vão chover spoilers:a) Foram inúmeros os silêncios incómodos que nos obrigaram a soltar risos;b) O filme começa muito mal mesmo, com as incongruências a atropelarem-se umas às outras. Desde os lugares sempre livres à porta do edifício do Grey, ao lugar livre à porta da loja onde ela funciona, à química inexistente entre os actores.c) As personagens são uni-dimensionais, do género que povoavam os meus rascunhos de aspirante a escritora na tenra adolescência. Nessa altura a melhor amiga só servia para ser inconveniente e nos lembrar que estávamos apaixonadas por fulano talo irmão do nosso namorado era o par perfeito para a melhor amiga/irmã solteiraa mãe estava convenientemente afastada para dar uma mobilidade facilitada à jovem heroína, que com a mãe à perna não se poderia meter em aventuras. O rapaz principal era sempre muito novo, muito rico, muito perturbado com a infância e havia sempre um traço físico que fazia com que isso viesse à baila: uma cicatriz no sobrolho, uma queimadura no braço. E poderia continuar para sempre.


b) Falas tipo "I don't make love, I fuck hard", ou "I want to fuck you in the middle of next week", ou "I don't do romance", ou "Like where you keep your Xbox?" ou "This is my red room of pain" ora me punham a rir, ora me embaraçavam. Tive genuína pena dos actores e não entendo como se submeteram a tamanho flop nas suas carreiras.
c) Ele não é controlador, ele é doente. Há uma diferença. O Moisés, que assassinou a ex-mulher (Carla Santos) depois de anos a segui-la e a espiolhar-lhe a vida toda, não era controlador, era doente. Apanhou 20 anos de prisão.
E tudo deve ter começado assim...
d) Da segunda vez que o casal maravilha se vê (se não fosse a óbvia pressão para o Jamie Dornan olhar a moça e dizer "I am looking [at you] eu não adivinharia que vinha aí um relacionamento entre duas pessoas, e ficaria à espera da "faísca", que nunca vem) eu ainda não sentia qualquer conexão entre os dois protagonistas. Contudo, o Mr. Grey já tinha a mioleira a fervilhar, e já lhe estava a perguntar quem era o fotógrafo e o patrão, e etc., etc. Eu e a minha irmã olhámos uma para a outra e gritámos: FOGE! 
e) Pouco depois, na embaraçosa cena em que ela lhe liga, bêbeda, já ele assumiu que é pai dela (sem beijo, sem qualquer romance a insinuar-se). E não é um pai qualquer, é um pai com direito a palmadas, então adivinha onde ela está (o filme não se importa de explicar, assume que todos os que foram assistir tiraram a quarta classe para poder ler o livro), e vai atrás dela. Numa cena nada encenada, onde prima a naturalidade com que os acontecimentos se intercalam, durante a película, o amigo dela (porque não um estranho???) está a tentar beijá-la. Que conveniente para que ele venha salvá-la! Awwww!
f) O filme é um cliché pegado, polvilhado do mau gosto aterrador que creio que seja a essência do livro. Para alguém que não saiba o que está por detrás de tudo isto, e que veja o filme como coisa independente e tente daí extrair algo, o que vê? Uma rapariga desastrada, intimidada pelo homem muito rico (ah, ela é virgem!), que ao  longo do filme exibe a sua riqueza com uma garagem cheia de carros, uma enorme colecção de gravatas, um helicóptero privado, um apartamento grande onde tudo reluz e não há qualquer marca de personalidade, um paralelo óbvio com o "vazio" da vida do Grey antes de conhecer a Steele, um piano que ele toca (composição mais óbvia não há, reconheci-a de imediato), programas fora do comum. Em 1990 já havia um filme igual: chamava-se Pretty Woman, mas de algum modo o Richard Gere tratou a prostituta melhor do que o Mr. Grey, e a Vivian (Julia Roberts) tem mais amor-próprio e dignidade que a virgem deste filme.
g) A tal ideia da BDSM só é absurda (e nunca revolucionária, e muito menos o sexo é revolucionário neste filme, se quiserem dou-vos uma lista de bons filmes que metem cenas de sexo, ou mesmo livros) na medida em que ela é uma ignorante que não faz ideia de onde se está a meter. Não basta ele querer decidir tudo a respeito da sua vida, o que lhe anula o livre arbítrio e a torna uma sombra doutrem, ainda quer agredi-la e magoá-la fisicamente. Preferia não ter sabido de nada disto. Só consigo imaginar as mamãs a mascararem-se e a porem-se a jeito para os maridos lhes darem umas palmadas nas nádegas. Que elas pediram (ok, ao menos isso, ao contrário do filme). Acho muito bem que as pessoas sejam abertas quanto à sua sexualidade, dialoguem e até levem palmadas ou lhes façam chichi em cima, se é a cena delas. Mas de repente meterem palas nos olhos por causa dum livro miseralmente escrito, equipararem a situação a uma revolução sexual e esgotarem as prateleiras de tampões anais das sex shops internacionais já me assusta um bocado... Então foi preciso que viesse esta cegueira para descobrirem que tinham rabo? Foi preciso o Fifty Shades para que se dessem conta que há gente que gosta de pôr trela e levar açoites? E de repente já está tudo bem, porque é disso que fala o único livro que leram na vida? Absurdo. Hipocrisia total.
h) Na parte em que ela se inclina e ele lhe aplica seis valentes açoites com um cinto de couro no rabo, experimentei uma estranha satisfação. Uma parte de mim dizia "Vêm? Vêm como a mulher fica numa posição que a rebaixa e, quer queira quer não, há pouca igualdade nesta situação? Vêm que dói e que até a atrasada mental da Steele entendeu que ele é doente mental por procurar arrastar uma pessoa como ela para um mundo que só ele domina (e é dominador, foi sem querer, este twist)?" E pensei: OK, ela aprendeu. Mas não, ela não aprendeu, porque vêm aí mais dois filmes. Suponho que, a dado momento, ela volte a agachar-se para ele a sovar.
i) Sabem em que pensei, enquanto o Jamie Dorman expelia o ar dos pulmões para transmitir a sensação de alívio que esta personagem mal enjorcada da E.L. James conforme descia o cinto nas nádegas da pobre burrinha? Que há tanta beleza num homem que cuida, que se preocupa, que seria incapaz de nos magoar, fosse como fosse, e que se odiaria se nos causasse qualquer espécie de dissabor...

Este Grey é o oposto daquilo que um homem deve ser, na minha opinião de jovem de 25 anos, solteira, que se calhar vai passar a vida toda à espera que um grande amor me arrebate. E isto é o oposto da história da Cinderela. É-me chocante que sejam as mulheres as principais consumidoras deste produto de caca. É-me chocante que uma mulher absolutamente medíocre como a E.L.James tenha o nome sabido em todas as tascas por causa de um livro que começou doutro tão mau ou pior, e que evoluiu para este histerismo colectivo e infundado. Uma britânica que escreve sobre americanos com expressões britânicas. Uma mulher que não sabe escrever, nem tem imaginação, nem sabe do que fala.

Enfim, é o mundo que temos.
E outras E.L. James virão, porque o povão está aí para papar e adorar.

Que fique claro que não lhe dei 1€ seja com os livros, seja com o filme.

2 comentários:

  1. Querida Célia, já viste "A Secretária" (2002) com o fabuloso James Spader e a Maggie Gyllenhaal? Eu por acaso só vi depois de ver 50 shades (uma versão parecida à tua xD) e vi imensas semelhanças. Quando ouvi comparações com Twilight, salvo raras situações não via nada de crepuscular em 50 sombras... mas ao ver o filme de 2002 que te falo, vi: 1) o nome Grey, 2) BDSM (ou tentativa de, no caso da James), 3) ela é uma secretária - ao início é atadinha (como a Steele) e depois floresce e é ela quem pede para ele a açoitar - tudo com muito controlo porque ele sente repugnância pelo prazer que deriva das palmadas que lhe dá... Se não viste, experimenta ver, porque ainda me ri com o que vi. Não há sexo, há sim as lutas interiores das personagens face ao BDSM (ele como dominador, que odeia, e ela submissa, que adora!).
    Para romance, que foi o que eles tentaram fazer com 50 shades, falaste bem: existe um clássico dos anos 90, Pretty Woman, e não mexe mais :)
    Em todo o caso, a fama e o dinheiro já não tiram ao filme e aos que nele actuaram.

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  2. nos últimos anos as editoras estão a apostar cada vez mais em livros que são leves e fáceis de ler. Cada vez mais eles aproveitam o facto de muitas pessoas terem fracos hábitos de leitura. Por isso o sucesso do 50 shades não surpreende e se a isso juntarmos falar de sexo que é algo que vende então percebemos o porquê desta loucura.
    Eu só consegui chegar a meio do segundo livro, estava farta pois nada no livro era razoável, eu já nem digo bom. Quanto ao filme também o vi e lamento as duas horas que perdi e jamais recuperarei. Eu já ia à espera de algo mau, mas o filme foi bem pior do que aquilo que imaginara. Gosto do Jamie Dorman e doeu ver que o seu desempenho era muito fraquinho. Achei a Dakota melhor do que ele.

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