terça-feira, 29 de maio de 2012

#35 BRONTË, Emily - O Monte dos Vendavais

Sobre o amor de Catherine a Edgar Linton

«- Antes de mais nada, ama Mr. Edgar?
- Quem pode deixar de o amar? Claro que amo.
Submeti-a, então, ao seguinte catecismo, a que não faltava acerto, vindo de uma rapariga de vinte e dois anos:
- Porque é que o ama, Miss Cathy?
- Que disparate, amo-o: isso basta.
- De modo algum; deve dizer porquê.
- Bem, porque é bonito, e é agradável estar com ele.
- Mau - foi o meu comentário.
- E porque é jovem e alegre.
- Mantenho o mau.
- E porque ele me ama.
- Indiferente, nesse ponto.
- E será rico, e eu gostaria de ser a mulher mais importante das redondezas, e sentirei orgulho de ter tal marido.
- Pior que tudo! E agora, quer dizer-me como o ama?
- Como toda a gente ama. É tola, Nelly.
- Não, não sou. Responda.
- Amo o chão que ele pisa, o ar que respira, e tudo aquilo em que toca, e cada palavra que ele diz... Amo todas as suas feições, e todos os seus actos, e a ele todo e completamente. Pronto, aí tem!
- E porquê? (...) Longe de mim estar a troçar, Miss Catherine. A menina ama Mr. Edgar porque ele é bonito, e jovem, e alegre, e rico, e a ama. O último pormenor, no entanto, não vale nada: amá-lo-ia sem isso, provavelmente, e, com isso, poderia não o amar, a não ser que ele possuísse os primeiros quatro atractivos (...) Mas há no mundo vários outros jovens bonitos e ricos, possívelmente, até, mais bonitos e mais ricos do que ele é... O que a impediria de os amar? (...) E ele não será sempre jovem e bonito, e poderá não ser sempre rico.
- Agora é. E a mim só me interessa o presente (...)
- Bem, isso arruma a questão: se só lhe interessa o presente, case com Mr. Linton.»

Sobre o amor de Catherine a Heathcliff


«Agora desagradar-me-ia casar com Heathcliff; por isso, ele nunca saberá como o amo, e amo-o, não por ele ser bonito, Nelly, mas porque ele é mais eu própria do que eu sou. Seja do que for que as nossas almas são feitas, a dele e a minha são iguais, e a de Linton é tão diferente quanto um raio de luar é de um relâmpago, ou a geada do fogo (...) Não sei exprimi-lo, mas certamente vossemecê e toda a gente têm a noção de que existe, ou deveria existir, uma existência nossa para além de nós. Para que serviria a minha criação se eu estivesse inteiramente contida aqui? Os meus grandes tormentos neste mundo têm sido os tormentos de Heathcliff, e eu observei e senti cada um deles desde o princípio; o meu grande pensamento na vida é ele. Se tudo o mais desaparecesse, e ele permanecesse, eu continuaria a existir, e se tudo o mais permanecesse e ele fosse aniquilado, o universo transformar-se-ia num imenso desconhecido. Eu não pareceria uma parte dele. O meu amor por Linton é como a folhagem das florestas. O tempo há-de mudá-lo, tenho perfeita consciência disso, como o Inverno muda as árvores. O meu amor por Heathcliff assemelha-se às rochas eternas que existem por baixo: uma fonte de pouco deleite visível, mas necessárias. Nelly, eu sou Heathcliff, ele está sempre na minha mente, não como um prazer, do mesmo modo que eu não sou sempre um prazer para mim mesma, mas como o meu próprio ser.»

Sinopse: O Monte dos Vendavais é uma das grandes obras-primas da literatura inglesa. Único romance escrito por Emily Brontë, é a narrativa poderosa e tragicamente bela da paixão de Heathcliff e Catherine Earnshaw, de um amor tempestuoso e quase demoníaco que acabará por afectar as vidas de todos aqueles que os rodeiam como uma maldição. Adoptado em criança pelo patriarca da família Earnshaw, o senhor do Monte dos Vendavais, Heathcliff é ostracizado por Hindley, o filho legítimo, e levado a acreditar que Catherine, a irmã dele, não corresponde à intensidade dos seus sentimentos. Abandona assim o Monte dos Vendavais para regressar anos mais tarde disposto a levar a cabo a mais tenebrosa vingança. Magistral na construção da trama narrativa, na singularidade e força das personagens, na grandeza poética da sua visão, nodoso e agreste como a raiz da urze que cobre as charnecas de Yorkshire, O Monte dos Vendavais reveste-se da intemporalidade inerente à grande literatura.

Opinião: O Monte dos Vendavais é um daqueles títulos de livro que chegam a toda a gente, inclusive a quem não costuma ler. Eu não fazia ideia do que se tratava, mas o mais próximo que pensei estar da verdade foi ao compará-lo com o E Tudo o Vento Levou. Estava enganada porque ambos os livros são sobre guerra – a obra prima da Mitchell fala sobre a Guerra de Secessão na América, enquanto o Monte dos Vendavais fala sobre uma série de guerras interiores, praticamente tão extensos no acompanhamento de personagens um quanto o outro. Refiro ainda que ambas as mulheres, Mitchell e Brönte, publicaram apenas uma obra e que estas fazem parte dos melhores círculos da literatura internacional.
Quanto ao Monte dos Vendavais, para quem nunca ouviu falar do livro – ou para quem, como eu, já tinha ouvido falar mas sem encetar a viagem necessária pelas suas páginas – é a história de duas famílias, os Earnshaw e os Linton, conspurcada por um amor diabólico entre duas pessoas. Duas pessoas que foram incapazes de se abrir uma perante a outra. Talvez um título adequado para este romance fosse “Orgulho e Preconceito”, porque os há aqui mais do que na obra da Jane Austen assim baptizada. É a história de como os piores sentimentos germinam nos peitos rancorosos, incitados por mesquinhezes e ódios, e estas pessoas se tornam sedentas de vingança. É sobre vingança, sim. É sobre tirar o que se pôde a quem nos fez mal, sobretudo aquilo que lhe sabemos ser mais valioso. A Emily prestou-se a um mergulho a fundo na natureza humana, e emergiu dela para este romance com o pior que lá encontrou.
Acho que a Emily fez uma aposta inteligente quando colocou a governanta do Monte dos Vendavais, Nelly Dean, a contar a história da família ao novo inquilino da Granja vizinha ao Monte, Mr. Lockwood. Depois é louvá-la, à Nelly pelas suas francas oscilações de humor, tão facilmente compreensíveis por qualquer humano que nem requerem explicação. E à Emily, por aceitar revelar o nível de introspecção que creio ter sido necessário para a construção deste livro em particular.
Quanto às personagens, muitos são apenas capazes de se referir a elas com amor ou ódio… Eu sou incapaz, menos de uma hora depois de ter lido o livro, de reflectir sobe o seu carácter, os seus motivos e os seus comportamentos. Deste modo me comprometo, após reflectir, a criar um tópico somente sobre Catherine Earnshaw e Heathcliff.
Classificação: 5*****

Sem comentários:

Enviar um comentário