terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Cem Anos de Tortura


Hoje fui amplamente surpreendida por uma mensagem privada de um membro do Goodreads, que veio precisamente no rescaldo de algumas conclusões que tirei ontem.  O conteúdo do texto é o seguinte:

«Uma "escritora" que, independentemente do "bom" ou "mau" gosto dá 2 ao Cem Anos de Solidão e que ainda tem a pretensão de dizer que nasceu para escrever. 

Ri-me muito.»

Para quem não sabe, no Goodreads atribuem-se classificações de 1/5 aos livros lidos, conforme os critérios de cada um. Qual é o meu espanto quando me dou conta das implicações que não gostar dum escritor que ganhou um Nobel poderiam ter no meu percurso de (pretensiosa) “escritora”!

Quando li o Cem Anos de Solidão teria quê? Quinze anos? Aos quinze anos um livro do Nicholas Sparks parecia-me soberbo, enquanto um do Garcia Marquez poderia parecer-me facilmente aborrecido. Poderia até tentar justificar o meu “2” ao Cem Anos de Solidão deste modo. Mas a verdade é que este jovem veio estabelecer um pararelismo entre a minha incompetência como escritora – ter-me-á ele lido? – e o muito que o livro me exasperou. Nestes preâmbulos, e recordando-me bastante bem da sensação que o livro me passou, sou obrigada a confessar que a minha opinião quanto ao livro se espelha no seguinte comentário de um utilizador goodreadeano:

«So I know that I'm supposed to like this book because it is a classic and by the same author who wrote Love in the Time of Cholera. Unfortunately, I just think it is unbelievably boring with a jagged plot that seems interminable. Sure, the language is interesting and the first line is the stuff of University English courses. Sometimes I think books get tagged with the "classic" label because some academics read them and didn't understand and so they hailed these books as genius. These same academics then make a sport of looking down their noses at readers who don't like these books for the very same reasons. (If this all sounds too specific, yes I had this conversation with a professor of mine).

I know that other people love this book and more power to them, I've tried to read it all the way through three different times and never made it past 250 pages before I get so bored keeping up with all the births, deaths, magical events and mythical legends. I'll put it this way, I don't like this book for the same reason that I never took up smoking. If I have to force myself to like it, what's the point. When I start coughing and hacking on the first cigarette, that is my body telling me this isn't good for me and I should quit right there. When I start nodding off on the second page of One Hundred Years of Solitude that is my mind trying to tell me I should find a better way to pass my time.»

By Adam on Goodreads.

Assombrou-me a associação de ideias deste jovem: agora apreciar um autor que uma qualquer entidade de cultura designou como de qualidade é requisito para nós próprios virmos a ter algum valor na área? Teria o Da Vinci apreciado a arte do Picasso se os dois se tivessem algum dia conhecido? Ou seria suficientemente mente aberta para dizer “Picasso, o teu Guernica é um 2 porque o abomino pessoalmente, e só é 2 porque te reconheço o génio”.
Mas, analisando algumas obras lidas pelo mesmo jovem, enveredo numa curiosa constatação: tendo lido quase sobretudo autores clássicos (aqueles que “alguém” designou de bons e que ele acatou), omitiu as leituras dos “comuns mortais” ou, de facto (o que é ainda mais lamentável), não os leu. Tolstoi, Dostoievksy, Freud, Camões, Kafka, Neruda, Steinbeck, Pessoa – com todas estas leituras no seu currículo, não é difícil adivinhar que estamos perante alguém que se tem a si próprio como um intelectual. Não lhe chamemos pretensioso, mas eu alerto para o risco de nos debruçarmos sobretudo – e de peito aberto – para aquilo que “alguém” designou que era bom. Para aquilo que “alguém” disse que deveríamos ler incontornavelmente. Porquê conceder a alguém – à sociedade, à tribuna dos Nobels que seja – o direito de nos designar os lugares literários a visitar? E porquê fecharmos a mente tão jovens àquilo que é a livre percepção de cada um face a escritores que a maioria idolatra, quando a maioria está tantas vezes cega ou errada?

Com isto não pretendo questionar a qualidade dos referidos autores/obras literárias. Quem sou eu para fazê-lo ou para enviar cartas ao Fernando Pessoa do início do século XX e dizer-lhe que, se não gosta de Tolstoi, jamais será alguém na escrita? Ainda para mais fiquei com a percepção de que este jovem se tem certamente em muito boa conta e é muito orgulhoso da sua bagagem cultural. Espero que a idade o torne mais flexível e lhe abra a mente – já que tanta variedade de leituras só serviu para lhe dar a ideia errada de como funciona a arte e de lhe que as percepções pessoais são questionáveis – e que páre de pensar que é não questionando Darwin que abrimos o nosso caminho no naturalismo.

Como aparte felicito a Helena Barbagelata (21 anos) que venceu ontem o Prémio Literário de Poesia e Ficção de Almada, vertente “Poesia” com “O Mar dos Deuses” (se não estou em erro). Também a ela lhe reconheço o génio, porque as palavras da sua autoria que foram citadas durante a cerimónia soaram belas, arcaicas, quase exóticas, estranhas e de um talento inegável. Eu, qual burra a olhar para o palácio, não compreendi uma linha – uma reviravolta emocional – do que foi dito, mas houve muitas lágrimas e aplausos. Sendo obrigada a classificar a sua obra, dar-lhe-ei 5 porque nem sob a mira de uma arma conseguiria imitar-lhe os trejeitos literários? Ou serei obrigada a dar-lhe 2 porque a cultura, na minha modesta visão, deve ser obra de compreensão (democracia e acessibilidade) e não de cega admiração, e na realidade eu não senti nada?

A autora é jovem e multifacetada (pinta divinamente) e desejo-lhe toda a sorte do mundo, até porque engrandece o nosso concelho de Almada. Espero que surjam todas as oportunidades adequadas à evidente imensidão do seu talento...




La Belle Inconnue, by Helena Barbagelata


7 comentários:

  1. What?? Por amor de deus, estou cansada desses snobs que pensam que podem mandar no gosto dos outros. Célia não ligues!

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  2. Não ligues Célia, imagina eu que nunca li nada desses autores chiques porque aborrecem-me de morte lol

    Intelectual não sou...o que serei eu? :)

    Beijos

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    1. Feliz, talvez? É isso que procuro na literatura, felicidade. E, a seu tempo, algumas dessas obras têm-me chamado. Mas não "só porque sim", ou porque são os alicerces da literatura. Em toda a arte há viragens... é cultura geral sabermos do que se fala... mas questionar-mos a competência do Dali porque detesta Goya? Jesus Cristo, espero que as mentes se abram... embora na arte quem tem as ideias fechadas se tenha saído sempre mal.

      It's evolution, baby!

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  3. What Adam said on Goodreads, said it all. «When I start coughing and hacking on the first cigarette, that is my body telling me this isn't good for me and I should quit right there. When I start nodding off on the second page of One Hundred Years of Solitude that is my mind trying to tell me I should find a better way to pass my time.» Célia don't you worry with this tiny minds, we know that you're brilliant! :)

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    1. Dear JPP, I'm as far from being brilliant as the moon is from the Earth, but at least I don't commit the error nr 1 in anything in life: to elaborate judgments based on people's personal tastes... and that's what makes my life so rich.

      I won't give up on that to assume the pretension of "knowing only the best".

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  4. Já vi uma pessoa que deu 5 estrelas ao Marcada e Fifty shades of Grey e depois deu tipo 2 ou 1 a clássicos. No goodreads não me importo muito. Aquilo vale o que vale. Eu dei 4 estrelas ao Amor em tempos de cólera, porque entendi a beleza da história. Pessoalmente não gostei, mas só digo isso se me perguntarem. Mas eu estou habituada a ser "snob" de vez em quando e a pegar no calhamaço da Penguin e do Harold Bloom e dissertar sobre aquilo XD Again, my 5 cents: do not feed the trolls. Diz ao sr. que ainda bem que está feliz e deu para rir. Que se faça homem e vá ler os teus livrinhos para ver se se continua a rir :)

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  5. Obrigada Carla, mas não entendi para que serve :/

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