terça-feira, 23 de julho de 2013

#97 CLAUDEL, Philippe, O Barulho das Chaves

Philippe Claudel é perturbador. Entranha-se-me nos ossos. Em tantos anos de leitura, consegue uma coisa que me é já rara: intrigar-me. Este homem intriga-me. Além de me intrigar, deixa-me presa a ele. Ainda só li duas das suas obras – O Barulho das Chaves e Almas Cinzentas. O Barulho das Chaves contém pequenos relatos, muito fáceis de ler, compilados em 76 páginas. Refere-se aos onze anos que passou a ensinar Francês num estabelecimento prisional. Este livro, tão cinzento quanto a sua outra obra que li, ajuda a compreendê-lo para lá do explicável. Claro que Claudel escreveu o Almas Cinzentas. Quem se não um homem que lidou com esta dicotomia de cores na natureza humana poderia escrever um livro sobre sermos todos cinzentos, e não exactamente brancos ou pretos?
Claudel é ousado. Claudel tira-me o sono. Açambarca-me os pensamentos, conquista-me e transforma-me. A cada livro seu uma nova inquietação. A natureza humana perante a minha vista, tão clara contada pela sua voz, tão genuína nas suas percepções – e não julgamentos -, e eu cega para ela até aqui.
«Marcel B., cinquenta e sete anos, prestes a ser libertado por falta de provas suficientes, depois de ter sido acusado de abusar sexualmente da neta de onze anos, e que preferiu enforcar-se no fecho da janela da cela, durante a noite anterior à sua libertação, em vez de regressar à aldeia.».
E prossegue, recordando-se algures doutro recluso:
«William I. era mecânico “na vida civil”, como ele dizia. Confessou-me que, todas as noites, montava e desmontava mentalmente, peça a peça, o motor de um 504 diesel. “Para aguentar”, acrescentava.»
E eu não prossigo. Não posso prosseguir. Deixo-me ficar, meio entorpecida, pela consciência desta humanidade cinzenta, ambígua, tão simultaneamente abjecta e vulnerável, enternecedora, sobre a qual Claudel me vai falando.

Por agora tenho de guardar O Relatório de Broderick para mais tarde. Não quero arriscar-me a esgotar todos os meus recursos do Claudel enquanto não há muito mais. Vou saboreá-lo aos poucos, como a minha mãe dizia que fazia com o chocolate quando era pequena. Não pode haver impulsos de devoração compulsiva quando sabemos que depois disso só recriminação.  

segunda-feira, 22 de julho de 2013

#96 LAVADO, L.C., Inverno de Sombras


Opinião: Way to go, Liliana! É tudo o que me ocorre quando acabei, há cinco minutos, o mind blowing que foi terminar o “Inverno de Sombras”. Foi-me outra chapada sem mão. O que li eu de fantasia na minha vida? Dois livros do Tolkien – que apreciei bastante, sim – e o Harry Potter. Ah, o Frankenstein pode ser considerado fantasia? Li os livros da Andreia Ferreira, que me introduziram neste mundo, and that’s it. E aqui a Célia, que faz um esforço sobrehumano para mergulhar nisso das vampiragens, fantasmas, lobisomens, feiticeiros e bruxas – e que foge a sete pés da Alice no País das Maravilhas – está boquiaberta com a maravilha que acabou de ler. Mais outra peça-chave no mundo trémulo da ficção fantástica onde continuo a dar passinhos de bebé.

Imaginação para mundos que não existem? Não tenho nenhuma. Costumo ter até uma certa dificuldade em abstrair-me. Mas verdade seja dita que poucos livros tiveram de mim o entusiasmo que o Harry Potter conseguia sem esforço. Ler – acreditar – (n)um livro de fantasia nesta fase da minha vida abriu-me portas e inúmeros caminhos por explorar.

Antes de mais, cumprimento a autora pela imaginação brilhante e pela capacidade de lógica e raciocínio que foram essenciais à edificação deste romance. Fácil? Garanto que não foi, embora ela tenha uma clara desenvoltura nesta área. Depois as personagens; mesmo que pertencessem ao mais aborrecido dos cenários, são multidimensionais, bem caracterizadas, com linguagens, gestos e atitudes próprias. Cativantes, todas elas.

Para quem está curioso, informo que esta sinopse é das poucas que não mentem: há mesmo mistério, acção, romance. Ninguém está totalmente desprovido de culpas, ninguém é cem por cento mau, todos têm segundas intenções, ninguém é o que parece. Preparem-se para muitos twists, muito peito apertado, muito suspense, muita angústia. Senti tudo isto – polvilhado com risos difíceis de disfarçar – conforme lia. A autora arrancou-me todas essas emoções, imergiu-me desse modo tão eficaz numa trama tão impensada.
Para quem vai ler agora, respondo às dúvidas que tive na primeira centena de páginas, quando via que só se falava dos segredos da Andrea, do Danton, da Anne. Quem seria esta gente? Porque não falariam eles no doce Pierre? Acreditem; o Danton será tudo o que vos interessa e reúne todos os ingredientes que considero essenciais a uma boa personagem (sobretudo masculina). Aquela perturbação, aqueles impasses, o redimo-me ou não? O – há alguma coisa de que me redimir? – conquistaram-me de todo.
Obrigada Liliana, estou chocada com a quantidade de talento e capacidade numa escrita que, em retrospectiva, é ainda bem jovem e tem muuuuuuitos anos de literatura para nos oferecer.
Next: Fantasmas de Pedra?

Sinopse: “Todos ficam sujos de sangue e há sempre alguém que morre.”  Este é o lema de Danton. Filho de dois poderosos feiticeiros, inimigos de séculos, a existência de Danton é apenas mais um golpe de guerra entre os pais. Criado e aperfeiçoado por Amauri e Goulart, é temido por todos, incluindo os próprios. Em Lisboa, uma misteriosa Caixa detém um poder que a família Santa-Bárbara guarda há gerações. Isadora é a última descendente de uma linhagem de Paladinos, herdeira solitária de um império cultural e um legado que desconhece. Ela e o tio, Garrett, são tudo o que resta para proteger este grande segredo. Mas Danton está decidido que é chegada a hora do poder da Caixa lhe pertencer, e as vidas dos Santa-Bárbara vão alterar-se para sempre. Feitiçaria, magia, segredos e uma história de amor inesquecível, percorrem alguns dos lugares mais conhecidos de Lisboa e a zona mais sinistra de Paris. O passado colide com o presente e tudo acontece… mas não como todos esperam.

sábado, 20 de julho de 2013

#34ª Maratona Literária

Para a 34ª Maratona Literária

27 de Julho à 00h00 e termina dia 4 de Agosto às 23h59

Conto:

Avançar o máximo possível no Conde de Monte Cristo
Acabar este (literalmente) Inferno

Intercalado com este pequeno volume do meu adorado Claudel

Com esta obra promissora

E esta história que se adivinha perturbadora


Terminar de ler o meu "Funeral", para que possa comentá-lo em retrospectiva
E mergular no Maria Antonieta que, sendo do Zweig, é certamente de qualidade.


Ó Nosso Senhor dá-me forças para ler isto tudo, preciso desesperadamente de despachar volumes da prateleira!


terça-feira, 16 de julho de 2013

#95 CORTÁZAR, Julio, O Jogo do Mundo


Opinião: Eu quis muito apaixonar-me por este livro. Vivê-lo, digamos assim. La Rayuela, capítulo 7. Na voz de Julio Cortázar, senti a boca cheia de flores ou peixes enquanto beijava um grande amor. É o meu pedaço favorito de literatura de sempre. Por muito que o livro não seja o meu favorito, essa preciosidade é. É um livro intimista, todo ele poderia passar-se dentro da cabeça (conturbada) do Oliveira, que deambula nas ruas de Paris. São pessoas complicadas, o Oliveira, a Maga e o Clube da Serpente, que discutem questões literárias. Abrem uns quantos debates nesta área e apresentam-nos Blues de excelente qualidade. É um retrato intimista de uma pobreza que o não é de mente. Nus de personagens poderosas, multidimensionais, que tocam e mudam e aconchegam a vida uns dos outros. Um estilo narrativo difícil, volátil, com rasgos de genialidade. Amei de paixão cerca de 75% do livro, mas a retirada de uma das minhas personagens favoritas da acção originou uma cisão na leitura. Voltei a pegar-lhe hoje, sem saber que o terminaria de enfiada. Pareceram-me quase aborrecidos e entediantes estes últimos capítulos. Mencionei a existência de uma chave para ler o livro? Cap. 2, cap. 141, ca. 3, cap. 110, cap. 4., etc. Li-o como sugerido pelo autor, sem saber em que pé da narração me encontrava. Não há um princípio-meio-fim. O capítulo 56, o último da estrutura “convencional”, foi um esvoaçar de páginas, passei-o na diagonal, um pouco entediada. É difícil mantermo-nos à tona num livro como este, que por vezes roça a genialidade absurda. Mais tarde, com outra maturidade, tentarei buscá-lo de novo e, quem sabe, todo ele me saiba a mel.
Por agora, não foi o momento certo. Cortázar merece-me a 100%, e eu andei a meio gás.

Julio Cortázar é um grande nome da literatura Argentina. Publicou "La Rayuela", ou o Jogo do Mundo em 1963 e o livro continua a encantar jovens mundo fora. Segundo as palavras do próprio, esta obra foi incompreendida pelo público a que pensou que pudesse dirigir-se. Foram os jovens, esses sim, a captar-lhe a essência e a deixarem-se fascinar pelo seu conteúdo. Também admitiu que dificilmente consegue escrever sobre o indivíduo a sós em si próprio. Escrevia sim sobre grupos, círculos, e sobre as suas interacções. O papel do todo perante cada um e o que o "eu" é face ao todo.

Os Gotan Project, que misturam a sofisticação francesa com o tango argentino, têm uma homenagem musical ao capítulo 7 desta obra.

Sinopse: O amor turbulento de Oliveira e da «Maga», os amigos do Clube da Serpente, as caminhadas por Paris em busca do Céu e do Inferno, têm o seu outro lado na aventura simétrica de Oliveira, Talita e Traveler, numa Buenos Aires refém da memória.


A publicação de «O jogo do mundo» (Rayuela) em 1963 foi uma verdadeira revolução no romance mundial: pela primeira vez, um escritor levava até às últimas consequências a vontade de transgredir a ordem tradicional de uma história e a linguagem usada para a contar. O resultado é este livro único, cheio de humor, de risco e de uma originalidade sem precedentes.
Considerado o romance que melhor retrata as inquietudes e melhor resume o Século XX na visão latino-americana do mundo, desde a sua publicação, gerações de escritores são, de uma maneira ou de outra, devedoras de «O jogo do mundo».

Classificação: 4****/*


#94 ALCOFORADO, Mariana, Cartas Portuguesas


Na realidade já as tinha lido anteriormente, mas não sei se tinha lido todas e com o espírito com que as li agora. Estava em Beja, com as minhas duas irmãs, e senti necessidade de as ligar àquela cidade tanto quanto lhe sou ligada. Aproveitei as tecnologias para baixá-las da internet e ler-lhas, visto que no dia seguinte iríamos ao Convento da Conceição ver a janela que, afinal, não está no local original. Apenas os ferros são os mesmos.

Os franceses reinvindicam a autoria destas cartas, originalmente publicadas em 1669 em França e, posteriormente, na Alemanha. Não acredito que a profundidade deste retrato psicológico feminino pertença a um qualquer "escritor". Creio realmente que estes queixumes partem da mão da pessoa que sofreu, na pele, as agruras dum amor enganado, não correspondido.
Nas duas primeiras cartas, Mariana transparece o sopro nefasto da esperança, do desengano. Está apaixonada e crê que o Marquês de Chamilly sente igualmente a sua falta. Com o avançar das cartas, um ano depois, menciona o engano de que foi vítima. Lamenta ter-se-lhe entregado (é assim que entendo as alusões a prazeres e entrega), praticamente o acusa de ter sido oportunista e de a ter escolhido para desgraçar. O tom lamurioso torna-se aborrecido, como uma amiga que sofre por amor e nos enche os ouvidos. Já fui essa pessoa. A dada altura só nos apetece dizer: esquece-o, anda para a frente, já viste que ele não volta, que não vale a pena. Contudo a sua angústia é justificada e dói na alma.
Mariana referencia a D. Brites, madre do convento, a janela de Mértola, a cidade de Beja, os cavaleiros franceses. Isto sem o pretensiosismo dum escrito e com a veracidade de uma situação real.

Mariana nasceu em 1640, ingressou no Convento da Conceição aos 11 anos e lá morreu, em 1723. Não faço ideia se terá sido algum dia confrontada com algum leitor curioso a respeito das suas supostas cartas de amor.

Li também, há muitos anos, o Mariana da Katherine Vaz, que me deu a conhecer este episódio delicioso da nossa história.

#93 CARDOSO, Dulce Maria, O Retorno


Sinopse:1975 Luanda. A descolonização instiga ódios e guerras. Os brancos debandam e em poucos meses chegam a Portugal mais de meio milhão de pessoas. O processo revolucionário está no seu auge e os retornados são recebidos com desconfiança e hostilidade. Muitos não têm para onde ir nem do que viver. Rui tem quinze anos e é um deles.
1975. Lisboa. Durante mais de um ano, Rui e a família vivem num quarto de um hotel de 5 estrelas a abarrotar de retornados — um improvável purgatório sem salvação garantida que se degrada de dia para dia. A adolescência torna­-se uma espera assustada pela idade adulta: aprender o desespero e a raiva, reaprender o amor, inventar a esperança. África sempre presente mas cada vez mais longe.


Opinião: Que sei eu de África, além de que o meu avô era Angolano (do lado dos pretos, não do lado dos brancos que viviam em Angola)? É uma questão delicada, esta. Sempre tive uma perspectiva limpa, moralmente correcta – a dita esperada das democracias modernas que reconhecem a supremacia de cada Estado. Depois de ler este livro fiquei um bocado abalada nestas minhas convicções. Não acredito que a autora se tenha proposto a mudar a ideia de um qualquer português que nasceu no continente pós-guerra colonial e que enche o peito para dizer: quem nos mandou explorar os africanos? O continente é deles, o país era deles. Só fomos para lá fazer figura de ursos, perder pernas e braços para nada. O país, concluo agora, esqueceu-os a todos. Aos que perderam a terra – ditos Retornados – e aos que perderam os braços, os militares que trilharam as selvas e enterraram os companheiros de batalhão num qualquer recanto impensado da imensidão do desconhecido.
Neste livro da Dulce Maria Cardoso, tudo se resume a esta citação:
«Estou de luto, hoje morreu-me a minha terra, hoje tornei-me um desterrado, vivemos na certeza de que as terras não morrem, vivemos na certeza de que a terra onde enterramos os nossos mortos será nossa para sempre e que também nunca faltará aos nossos filhos a terra onde os fizemos nascer, vivemos nessa certeza porque nunca pensamos que a terra pode morrer-nos, mas hoje morreu-me a minha terra, hoje morreram os meus mortos.»
E aqui vêem o estilo narrativo da autora e sentem o desamparo que estas pessoas sentiram. Foram arrancados a uma vida que se esforçavam por construir, por querer melhor, e atirados para um país que os criticava e os não compreendia. 
Rui, Milucha, Glória são resgatados de Angola durante a ponte aérea e acolhidos num hotel de 5* na Linha do Estoril. Estão profundamente magoados; abandonaram a sua terra, a casa, as toalhas de bordados, a cadela, os amigos, o uísque favorito do pai, as palavras a que se haviam apegado – matabicho, em vez de pequeno-almoço, geleira em vez de frigorífico – o estatuto de “igualdade” face aos seus amigos da escola e das ruas. Mesmo o pai ficou para trás, levado pelos negros. E estas pessoas só conhecem uma realidade: uma África distante, à qual não poderão regressar.
Todo o livro é contado na primeira pessoa pelo rapazinho adolescente, Rui, que de repente se vê chefe de família. Através dos seus olhos vemos Angola, os seus produtos, a sua economia, a sua fertilidade, a desigualdade e mesmo a discriminação face aos negros, aos “paneleiros”, aos diferentes. Também Rui é assim, um decalque de toda uma mentalidade tão portuguesa e não tão ultrapassada quanto isso. A mãe é doente. A irmã é rapariga, não conta. Gostei da humanidade destas personagens, dos seus defeitos e imperfeições. A mãe, especialmente, é o género de pessoa que abomino. Dada a achaques, mentirosa, inventa histórias para que a creiam menos miserável, vulnerável, apegada a frigoríficos e rendas. Ainda assim, pelos olhos de Rui vemo-la e amamo-la. E o pai de dentes amarelos, brusco, incumpridor de promessas, que dá tareias de cinto e fuma demasiado é, ainda assim - sobretudo assim -, o nosso pai.
Aconselho a todos aqueles que queiram ter uma noção de família, de dificuldades, de recomeçar. O futuro, o passado, todos ali mesclados com a História do nosso país como manto de fundo a recordar-nos que um português que não baixa os braços é um português que aguenta tudo e vai longe. Uma importante mensagem nos tempos que correm.

Classificação: 5*****

sexta-feira, 12 de julho de 2013

#92 HOYT, Elizabeth, Vertigem de Paixão

Sinopse: Durante anos, Melisande Fleming amou Lorde Vale de longe... vendo-o seduzir uma sucessão de amantes e, uma vez, entrevendo a intensidade de sentimentos sob o seu exterior despreocupado. Quando ele é abandonado no dia do casamento, ela enche-se de coragem e oferece-se para ser sua mulher. Vale tem todo o gosto em desposar Melisande, nem que seja apenas para produzir um herdeiro. Porém, tem uma agradável surpresa: uma dama tímida e recatada durante o dia, ela é uma libertina durante a noite, entregando-lhe o seu corpo... mas não o seu coração. Decidido a descobrir os segredos de Melisande, Vale começa a cortejar a sua sedutora mulher - enquanto esconde os pesadelos dos seus dias de soldado nas Colónia que ainda o atormentam. No entanto, quando uma mortífera traição do passado ameaça separá-los, Lorde Vale tem de expor a sua alma à mulher com quem casou... ou arriscar-se a perdê-la para sempre.

Opinião: Diálogos fúteis, mas estranhamente adequados à época - vestidos, corte formal e pitoresca, esquilos, a comida, o vinho, o animalzinho de estimação. Quer dizer, estas pessoas não se conhecem quando se casam, parece-me lógico que não tenham nada de interessante a debater. Achei graça ao jeito do Jasper, porque disparava palavrinhas doces - e não sentidas - em cada frase. Acredito que na época fossem assim, namoriscadores. No entanto não consegui levar as personagens a sério. A história do tal "Jack", uma espécie de conto do soldado caminhante, não me suscitou nenhuma curiosidade. Passei quase tudo isso à frente. Li quase tudo na diagonal. Contudo entendi - porque também vivi algo parecido, a ânsia da Melisande relativamente ao Jasper. I mean... há seis anos que ela gostava dele - e queria estar com ele, conhecê-lo melhor, reconfortá-lo, desejava-o insanamente, etc. Esse desejo consumado é muito perceptível e traduz as ânsias dela, o seu acto de rebeldia ao pedi-lo em casamento. Essa parte foi-me fácil de entender. Mas não acrescenta nada ao género, não tem nada de invulgar. Os segredos de um e doutro são coisas previsíveis.
Não sei se vale a pena gastarem dinheiro nisto.

Classificação: 2,5**/*

domingo, 7 de julho de 2013

#91 TOLSTOI, LEO, A Sonata de Kreutzer

Um livrinho tão pequeno e com tanta intensidade! Foi a minha estreia com Tolstoi e maravilhou-me. É daqueles livros em que, de termos experienciado apenas a amargura de um lado da moeda, nunca saberemos o que sucedeu de resto. Este é um livro sobre um ciumento doentio, inseguro, cronicamente insatisfeito? Ou sobre um homem honesto que, na tentativa de se tornar num modelo de moralidade, casa como de si é esperado e é vítima duma vil traição? Haverá, de facto, traição?
O livro começa com uma viagem de comboio onde desconhecidos partilham a mesma carruagem. São russos numa Rússia do último quartel do século XIX. Pessoas que procuram acompanhar o progresso tecnológico, intelectual e, sobretudo, social da Europa, tantas vezes evocada como termo de comparação. Em seguida a história esvoaça para um caso que sucedeu há pouco: um marido que matou friamente a sua mulher, por suspeita de traição. Um dos passageiros é esse marido assassino, que se dispõe a contar ao nosso narrador o que aconteceu para o levar a esse extremo.
Portanto viajamos com um assassino, um homem perturbado, um fumador compulsivo que se esforça por beber chá e que nos introduz ao esperado do jovem russo; que visite prostíbulos, que conheça mulheres, que se proteja toscamente da sífilis e que, depois de “adquirir experiência”, escolha para si a mais inocente das jovens russas para casar. A ironia, o tom de crítica de Tolstoi e os seus ideais transparecem nesta tão pequena obra. Um homem sujo que apenas se acha digno da mais pura das mulheres. O pai honesto que folga em causar a filha donzela com o porco promíscuo mais rico disponível. O casamento sem amor, infeliz, fonte de desacatos, ódios, conflitos constantes.
Tolstoi parece culpar a sociedade por todos os erros cometidos na existência deste homem perturbado. Primeiro empurraram-no para as mulheres, por ser o esperado de si. Depois empurram-no para um casamento com uma jovem casta de boas famílias, para que ele a conspurque. Depois são incapazes de tolerar-se mutuamente, mas uma separação é praticamente impensável. Tudo isto é estranhamente contemporâneo – não a obrigação de a moça se casar, mas a efectividade de todas estas “imundícies” que causam dissabores e infelicidade parecem-me ainda presentes na nossa sociedade.
Acaba abruptamente, deixando-me um tanto ou quanto desconcertada. Dividida, confusa. Virei a página e, de súbito, com o chegar de um comboio a uma estação, há um adeus e o drama pessoal/conjugal encerra-se.
O autor é humano, contemplativo, reflexivo, provocador, capaz de analisar eventos como algo de maior, crítico e sarcástico. Um génio não apenas da literatura, mas também do coração humano.

Classificação: 5*****

terça-feira, 2 de julho de 2013

#90 ROSA, Carina, O Intruso




Opinião: Foi a minha estreia com a Carina Rosa. Tal como muitos outros leitores, também tenho sempre um certo “pé atrás” com os livros portugueses. Isto porque já li alguns mesmo muito maus, como sejam o de um beta-reading que fiz há pouco e que me deitou por terra. Não me ocorria um único motivo lógico pelo qual alguém quereria escrever tal livro e, pior ainda, porque o consideraria digno de ser lido por outrem.

Mas isto não é sobre essa experiência infeliz, é sobre o livro da Carina Rosa. Eu não sou muito ligada ao sobrenatural, tem que ser muito credível para me convencer. Por exemplo, eu não duvido nada que a Terra Média e Westeros existam - já lá estive! Mas não achei o enredo muito credível. Achei as personagens demasiado fáceis a dar-se (não é a dar um primeiro beijo ou um primeiro gesto de afecto). É a “dar-se”. Puff e estão apaixonados. E não sei se as suposições acerca de onde se conheceriam foram muito convincentes. O assunto das vidas passadas ficou um pouco subexplorado. Houve ali algumas reminiscências de romances do Nicholas Sparks que podem bem agradar alguns leitores. A autora é terna e tem classe ao expressar desejo e afecto. Palmas para ela, porque tenho lido coisas medonhas nesse campo.

Eu acho que a autora tem grande margem para crescimento. Tem sentimento e é expressiva, sem ser lamechas. Basta-lhe limar algumas arestas, cortar algumas expressões (e algumas vírgulas a mais) e está bem encaminhada. É mais do que se pode esperar de muito bons nomes a publicar por aí.
Fico a aguardar o próximo, porque não tenho dúvida de que esta autora vai crescer de trabalho em trabalho.
Sinopse: Sara é uma mulher deprimida e atormentada por um passado trágico. A casa que outrora pensara ser um refúgio contra as lembranças de uma vida que desejava esquecer, é agora um antro de sombras que a perseguem.
O reencontro com Martim, um rosto que lhe é de alguma forma familiar, de um passado longínquo, provoca-lhe uma avalanche de sentimentos que poderão mudar a sua vida para sempre. Mas o passado nunca poderá ser apagado e Sara vê-se obrigada a tomar decisões que podem fazer a derradeira diferença ente a vida e a morte.
Poderá Martim salvá-la de uma realidade que foge ao seu alcance? Ou poderá afundá-la ainda mais naquele poço sem fundo, em que não há saída possível, senão a morte?

Classificação: 3/5***