quarta-feira, 20 de junho de 2012

»Bons e Maus Livros

Há bons livros e maus livros? Isto é, claro que há livros bons e livros maus, mas um livro é arte - e a arte é subjectiva, e um livro é também um pedacinho de alma, por isso é natural que fale mais a uns leitores do que a outros. Mas haverá uma mão infalível por detrás de todos os bons livros? De todos os bons clássicos consagrados com os musts da literatura internacional?
Ultimamente dediquei-me a colmatar as minhas falhas literárias no que diz respeito aos ditos "clássicos". Com isto ando a somar autores de renome como Emily Brontë, Alexandre Dumas, Mary Shelley e, recentemente, Agatha Christie. Também dediquei algumas horas à audição do Ana Karenina do Tolstoi, e a qualidade é inegável...

Como costumo andar de cabeça cheia, geralmente um romancezinho light caía sempre bem. Agora os romances desse tipo estão empilhados na minha mesa de cabeceira e os clássicos vagueiam no centro do meu entusiasmo. Ando a tentar ler um romance leve, mas fui obrigada a pô-lo de lado. Pensei que andava sem paciência para a leitura, mas eis que leio três linhas do Frankenstein e só paro no final...

Hoje voltei a tentar ler um romance desses levezinhos, fechei-o de imediato. Parece que o estômago se me dá voltas... e então peguei na Agatha Christie e pensei: se não tens forças para um cor-de-rosa, muito menos terás para um que requer que se puxe pela cabeça...

E quem diria? As palavras voam, o enredo desliza, a acção desenrola-se com naturalidade e prende o olhar e a atenção.

Daí que me pergunte... terei estragado (condicionado) toda a minha compreensão futura da literatura ao ter-me apaixonado por obras de qualidade reconhecida numa idade tão jovem? Todo o resto me parecerá, daqui por diante, sempre pior?

Bom não pode ser sempre assim... mas o que é que me aconteceu, em tempos amante do Nicholas Sparks, que agora prefiro Agatha Christie a um romance com arte, intriga de casal e sexo passado em Paris?

Haverá de facto algo intrínseco, abstracto e não palpável - mas facilmente perceptível, uma espécie de um gancho canalizador de interesse - nas grandes obras?

terça-feira, 19 de junho de 2012

#40 SHELLEY, Mary - Frankenstein

Sinopse: Frankenstein conta a história de Victor Frankenstein, um jovem estudante, que a partir de corpos de seres humanos que obtinha em cemitérios e hospitais consegue dar vida a um monstro que se revolta contra a sua triste condição e persegue o seu criador até à morte. Frankenstein foi adaptado inúmeras vezes ao cinema, mas a mais memorável imagem do monstro foi encarnada pelo actor Boris Karloff, em 1931, fazendo ainda hoje parte da cultura popular.


Opinião: Uma das coisas que mais estranhei durante a leitura deste livro foi o “desbastar” das ideias pré-concebidas que tinha desta obra. A minha ideia – e perdoem-me os fãs, aos quais agora me junto – era a de que a Mary Shelley era meio doente quando, podendo falar de tantas belezas no mundo, escolheu criar uma história sobre um monstro. E era isso que eu imaginava para o enredo desta obra: masmorras, vozes cadavéricas e a loucura de um médico que retirasse prazer da criação de vida grotesca. Mas quem poderia retirar prazer de brincar com a vida? Pensei que o Doutor Victor Frankenstein não tinha consciência – mas a escritora deu-lhe uma notável, que nos permitiu reflectir sobre toda a Criação e as responsabilidades que o Criador partilha com aquele a quem sopra vida, os deveres e direitos que tem para com ele, como quando menciona que, tendo-o tornado cordato, teria agora igual direito de suprimir o monstro, a fim de evitar mais males. Pensei igualmente que o monstro não teria consciência – mas o monstro tem, e apiedei-me dele mais ainda do que do seu Criador, porque o monstro não teve escolha, o monstro foi chamado à vida e nem de nome dispõe. Tem de conviver com a sua própria fealdade e, ao restante mundo, apenas acede através de esconderijos e observação. Frankenstein sofre por ter conferido razão a uma criatura horrenda, e por esta se valer dela para causar horrores e se vingar do seu Criador, visto que não tem hipótese alguma de ser feliz. Quanto à criatura, sofre porque o seu aspecto exterior, repugnante, repele toda a beleza que vê ao seu redor, os afectos de todos os que com ele cruzam o olhar, e que lhe estarão sempre negados. E juntamente com isto vem a própria piedade, que também lhe é constantemente negada. Ninguém se apieda do monstro, pelo contrário, horrorizam-se ao vê-lo, gritam, tentam defender-se atacando-o e fugindo, mesmo quando este esboça gestos de extrema bondade ou, inclusive, salva ou facilita as vidas àqueles a quem quer bem…
A vida do monstro é uma série de angústias (todas elas compreensíveis) e de desespero por nem o seu criador ser capaz de amá-lo ou de lhe fazer companhia. A solidão e a rejeição a que é votado – por ser uma aberração, uma criação abjecta – está presente no seu carácter e em todos os seus discursos. A vida de Frankenstein parece resvalar, por vezes, para a loucura perante a culpa que lhe aperta o peito em relação ao momento em que aplicou a ciência num campo com o qual não se deveria brincar…
Quase toda a obra é um debate moral, social, científico e filosófico em torno do Criador e da Criação, da beleza e da fealdade, dos preconceitos, da educação, da história da humanidade em si e da própria humanidade, os estigmas que a regem, as injustiças que comete, as maldades de que se vale quando se pode ter tanto –se não tudo -, e ainda assim lhe sabe a pouco enquanto o monstro, da sombra, ambicionada simplesmente qualquer coisa que não o nada absoluto de conforto humano e afecto que Frankenstein lhe renegou ao dar-lhe vida sob tais circunstâncias.
O livro também não me pareceu ter coisa alguma que ver com o sobrenatural ou terror, visto tratar-se de uma obra mais do que bem alinhavada e narrada por entre cenários reais - Suíça, Inglaterra, Escócia, Irlanda e Polo Norte - e porque tudo o que nele sucede parece de um humanismo intrínseco, até mesmo no caso do monstro, que simplesmente é maior, mais rápido e mais feio do que a maioria dos humanos, mas cujo intelecto e o interior são tão ou mais desenvolvidos do que o da maioria dos indivíduos.
Classificação: 5*****

quinta-feira, 14 de junho de 2012

viagens


Só para agradecer ao universo o feliz – o realizada – que tenho sido ultimamente. Estou a caminhar no chão que sempre quis calcorrear. Lancei um livro – a bem ou a mal, é qualquer coisa – sou lida e apreciada (mais por uns do que pelos outros), e basta-me um simples leitor que me queira ler para eu continuar a escrever. Minto – e não deveria mentir, porque me é óbvia a verdade – se ninguém me lesse, eu continuaria a escrever para mim.

Tenho corrido o Alentejo – campos de alfazema e Ribeira Grande, sombras de azinheiras libelinhas, passeei nas Tulherias e observei a Torre Eiffel a partir de la Défense, com O Funeral da Nossa Mãe (sai em Outubro, dia 20 em princípio). Fui até à aldeia da minha avó com o Demência, subi e desci formações graníticas, rodeei-me de ciprestes, acariciei as lápides dos meus antepassados, sorvi o odor da terra (que também sua, também chora), e desci até ao interior do Algarve num romance que escrevi em 2008 e que ainda não trabalhei melhor, mas que fala de abelhas e de borboletas, da Ribeira do Carvão e das Areias, de Vila Real de Santo António, de colmeias (o perfume do mel), de chapéus de palha, de beijos à chuva e de amarguras e religião. Agora, estou pelos vales do Douro, subi país acima de berlinda, sentei-me no Chafariz de São João e chorei as lágrimas da Mariana. Os franceses vêm aí – oh, Lisboa no século XIX! As vendedeiras de castanhas, de tripas, de rosários, de pão e de peixe… varinas a gritar no “Rocio”. Isto na escrita…


Nas leituras?

Estou ao largo da Ilha de Monte Cristo, perto da Toscana, com o Dumas. Vamos voltar a Marselha e, daí, rumar a Paris não tarda nada. Estou também nos lagos dos Alpes, mais acima no Polo Norte e, às vezes, em Genebra com a Mary Shelley e o Dr. Victor Frankenstein. Em breve darei um pulo à Transilvânia para conhecer o Conde Drácula, quem sabe ser sua hóspede. Vim há pouco da Terra de Neve, no Japão, deliciei-me nas termas e enregelei sob os cedros. Estou na Índia, no funeral de uma menina que foi atropelada, n’O Deus das Pequenas coisas. Fui até Capri com a Elissande da minha adorada Sherry Thomas há pouco (que, a propósito, me respondeu hoje com um e-mail suuuuper simpático onde confessou ter de escrever na casa de banho e num armário de vassouras porque os filhos a exigem a todo o instante) – vá lá rapazes, deixem a mãe continuar a fazer-nos felizes! Ah, desci há não muito do Monte dos Vendavais… Passei também pela Guerra Civil Americana e vi Atlanta devastada, uma civilização que o Vento Levou… Também emergi o fim-de-semana passado do vinte e cinco de Abril e, nesse mesmo fim-de-semana, fui a Viena e a Monte Carlo com a Srª C., enganada por um velhaco viciado em Jogo, foram Vinte e Quatro Horas na Vida dessa Mulher.

E há as caminhadas no campo, os nossos passeios – a Irlanda agendada para o 11 de Setembro, far-se-á História. A minha história.
Viajar é o meu destino, sempre foi. A vida tem mais é que sacudir quem ameaça afastar-se do seu destino.
Adeus, au revoir! Tenho um bilhete para o Expresso do Oriente. À demain, à bientôt, à jamais!
(Louvre, Fev. 2011)
Liberté, Marianne!

domingo, 10 de junho de 2012

#39 ZWEIG, Stefan - Vinte e Quatro Horas na Vida de Uma Mulher

Sinopse: «Não acha então desprezível ou repugnante que uma mulher deixe o seu marido e as suas crianças para ir atrás de um homem qualquer, a respeito do qual ainda não me é de modo algum possível saber se é digno do seu amor? É realmente capaz de perdoar a uma mulher um comportamento tão negligente e leviano, que todavia não é miúda nenhuma e que, tendo em atenção as suas próprias crianças, já deveria ter sido ensinada a respeitar-se a si própria?»
A rotina de um hotel na Riviera é abalada por uma notícia escandalosa. Uma mulher abandona o marido e as duas filhas, em nome de uma paixão por um jovem que havia acabado de conhecer. Este episódio despoleta uma acesa discussão entre os hóspedes do hotel e leva a Senhora C., uma aristocrata inglesa de sessenta e sete anos, a recordar um episódio secreto da sua vida que a tortura há mais de duas décadas.
Vinte e quatro horas na vida de uma mulher é um relato apaixonante e intimista sobre a vida de uma mulher que se liberta das correntes do pudor e do preconceito social em nome de uma paixão avassaladora.
O escritor austríaco Stefan Zweig leva-nos, com a sua habitual mestria, numa viagem ao mundo tortuoso dos sentimentos humanos e das suas incongruências.

Opinião: É a segunda obra que leio do Stefan Zweig, e eu sabia bem que um homem (um homem que escapou à Áustria sob ocupação nazi para se ir suicidar no Brasil devido "à má natureza da humanidade") que escreveu o  "Carta de Uma Desconhecida", não poderia ter feito pior trabalho com este pequeno livrinho de 98 páginas que é, na realidade, todo ele uma confissão. A confissão de uma senhora de quase setenta anos a propósito daquele episódio, de há três décadas atrás, no qual quase pôs toda a sua vida para trás, no qual arriscou tudo (e ia perdendo tudo) por um rapaz que acabara de conhecer e a quem quis, por todos os meios, salvar.

Tal como o "Carta de Uma Desconhecida", este romance do Zweig é perturbadoramente compreensível, comovente. Invade-nos, tinge-nos a pele e suga-nos o ar e deixa-nos na boca um sabor amargo; um travo de desalento, de desconcerto, de absurdo. Nem todos os autores conseguem mexer comigo desse modo - a prova disso é que, neste mesmo fim-de-semana, li outros dois livros, um de autor português e outro de autor japonês (o primeiro vencedor do prémio Leya 2011 e o segundo vencedor do Nobel da literatura de 1968) e nenhum dos dois (com a sua soma de 370 e tal páginas), me fez sentir metade do que a confissão da Srª C., nestas poucas folhas, fez.

Aconselho a homens que queiram reflectir sobre o talento deste autor e as camadas profundas do coração - e dos afectos - das mulheres que, quando dadas a cem por cento, apenas retrocedem perante uma traição imperdoável, uma velhacaria que risque o quadro por completo. Aconselho ainda a todas as mulheres que queiram rever-se nos ímpetos, nos impulsos, no sentir e na vergonha da Srª C., que julgou que a sua vida poderia recomeçar aos 40 anos, se ao menos ela fosse capaz de arriscar...
Classificação: 4****

#38 PEDRO, João Ricardo - O Teu Rosto Será o Último

Sinopse: [Prémio Leya 2011] Tudo começa com um homem saindo de casa, armado, numa madrugada fria. Mas do que o move só saberemos quase no fim, por uma carta escrita de outro continente. Ou talvez nem aí. Parece, afinal, mais importante a história do doutor Augusto Mendes, o médico que o tratou quarenta anos antes, quando lho levaram ao consultório muito ferido. Ou do seu filho António, que fez duas comissões em África e conheceu a madrinha de guerra numa livraria. Ou mesmo do neto, Duarte, que um dia andou de bicicleta todo nu.


Através de episódios aparentemente autónomos - e tendo como ponto de partida a Revolução de 1974 -, este romance constrói a história de uma família marcada pelos longos anos de ditadura, pela repressão política, pela guerra colonial.

Duarte, cuja infância se desenrola já sob os auspícios de Abril, cresce envolto nessas memórias alheias - muitas vezes traumáticas, muitas vezes obscuras - que formam uma espécie de trama onde um qualquer segredo se esconde. Dotado de enorme talento, pianista precoce e prodigioso, afigura-se como o elemento capaz de suscitar todas as esperanças. Mas terá a sua arte essa capacidade redentora, ou revelar-se-á, ela própria, lugar propício a novos e inesperados conflitos?

Opinião: Estou um bocado confusa. Serei eu que ando a perder capacidades de leitura? Concentração, talvez? Ou talvez seja o meu cérebro que começa a ficar exausto destas viagens a preto e branco pelas páginas de múltiplos livros.  Antes de mais, sem dúvida que o autor tem um talento inato para a escrita. Não me parece que o que ele articula - toda esta orquestra de palavrões ou associações espontâneas ao longo de uma mesma frase - seja menos do que isso; espontânea. Não é possível ensaiar tal desembaraçado na hora de criar uma ideia escrita, isto é-lhe certamente natural. Vi muita matemática, e até alguma engenharia, pelo meio do discurso - e isso agradou-me, porque os homens de números geralmente não são homens de letras, e o João Ricardo Pedro parece conseguir dividir-se por estes dois campos tão distintos do raciocínio humano.
A história em si é uma teia intrincada, um puzzle que se vai juntando aos poucos e, quando faz sentido, é de uma lógica deliciosa vê-lo formar imagens. Gostei da narrativa, apesar das asneiras e da crueldade. Acho que a vida é um pouco assim: uma série de desastres e culpas involuntárias que, a pouco e pouco, vão compondo quem os comete e quem deles é vítima. Ao contrário do que esperava de uma obra tão falada e tão aclamada e com tanto Marketing, não há sexo (ou praticamente não há sexo), e uma coisa assim seria em tudo compatível com a linguagem crua do autor e o tom irónico e um pouco fatalista do livro. Se é para expôr a natureza das pessoas, porque não expo-la na sua maior fraqueza? Gabo isso ao autor, manteve-se longe daquilo que é sabido vender tanto e atrair tanto o público português (basta pensar nos tele-filmes/cinema nacionais/nacional).
Acho que tanto as questões políticas quanto existenciais coexistem nesta obra na medida certa. Gostei das personagens; entendi as personagens, entendi, sobretudo, a falta de nexo da vida das personagens. E se, no final, esperam resposta a todas as dúvidas... desenganem-se! Na vida, muitas portas ficarão por fechar e muitos enigmas por solucionar.
Se ele voltar a escrever, eu lerei. Mas o livro é de um cariz muito português, muito mergulhado na minha própria natureza de portuguesa, no nosso passado de portugueses, e eu não sei se voltarei algum dia a estas páginas, se as recomendarei. É como lidar com o mal que é nosso diariamente, que é inatamente nosso. Custa a encarar que tanto do ser português esteja aqui.
Espero fazer-me entender e garanto que compreendo, na totalidade, o prémio com que foi galardoado. Uma vez mais, atribuo 3,5.
Classificação: 3,5***

sábado, 9 de junho de 2012

#37 KAWABATA, YASUNARI - Terra de Neve

Sinopse: Terra de Neve é a história de um amor de perdição passado no meio da edsolada beleza da costa oeste do Japão, uma das regiões mais nevosas do mundo. É aí, numas termas isoladas de montanha, que o sofisticado Shimamura conhece a geisha Komako, que se entrega a ele sem remorsos, sabendo de antemão que a sua paixão não pode perdurar.

Opinião: Dou-lhe esta classificação porque oscilo ainda entre o alienamento e a compreensão. Pode dar-se que seja uma daquelas obras tão belas, tão profundas e tão intimistas que não consegui mergulhar suficientemente nela para a compreender. Ou pode dar-se que a sensação que a narrativa passa - com muitos diálogos e frases curtas - de vazio, de quase supérfluo, me tenha impedido de ver as sub-camadas desta obra. 

A descrição dos cenários, desta "Terra de Neve", dos cedros e dos áceres, é muito detalhada, muito rica e muito ilustrativa daquilo que é esta região agreste do Japão. A cultura das gueixas e a moralidade duvidosa (para nós ocidentais) de alguns dos comportamentos das personagens é outro factor de enriquecimento na obra.
Depois temos aqui um triângulo muito complicado, e não estou certa de ter desvendado, na totalidade, o intrincado de afectos envolvidos. Por um lado temos Komako, por outro Shimamura e, por último, Yoko. Numa cena de profundidade tocante, Shimamura observa Yoko e desenvolve um quê de fascínio por aquela mulher. Ao mesmo tempo, e com a mesma intensidade, conhece Komako e envolve-se com ela. Yoko passa a ser uma figura evasiva, que vai tentando desvendar através de Komako, que partilha com ela uma pequena comunidade numa aldeia nesta terra de neve. Komako dá-se por completo a Shimamura - corpo e alma, guardando apenas para si as palavras que tantas vezes parecem prestes a sair, e tantas vezes são evidentemente as que traduzem o que sente. Shimamura admira-a, a sensualidade do romance - sem nada de explícito, contudo, tem rasgos tocantes, favorecidos pelo exotismo que é para mim, ocidental, ouvir falar de cabelos negros como ébano e de peles brancas e de quimonos vermelho-sangue sobre essa alvura de pele.
É um romance sobre uma viagem a uma aldeia recôndita, sobre o céu nocturno pintalgado de diamantes, sobre o dia-a-dia de uma gueixa num meio fechado - o que é esperado dela? quais são as suas ocupações? como é vista pela comunidade? - sobre encontros fortuitos e sobre a loucura que, em larga medida, costuma vir associada aos amores impossíveis ou proibidos.

Classificação: 3,5***

sexta-feira, 1 de junho de 2012

#36 GUHRKE, Laura Lee - O Casamento do Ano

Sinopse: Beatrix Danbury sempre teve a certeza de que iria casar com William Mallory. Amava-o desde sempre e nunca duvidou que ele a amasse também. Mas quando Beatrix o obriga a ter de escolher entre uma vida a dois ou o seu sonho de sempre, ele decide-se pela última hipótese... a duas semanas do casamento. O regresso do Duque... William estava certo de que Beatrix o receberia de braços abertos. Os seis anos que haviam passado desde que a deixara, não tinham feito desaparecer o seu amor por ela. O problema é que Beatrix estava prestes a casar-se com outro homem. Alguém previsível e em quem sentia que podia confiar... alguém que era o oposto do seu antigo noivo. Conseguirá William impedir o casamento do ano e ter Beatrix de volta, ou será tarde demais?


Opinião: O mais importante a reter é que, como na grande maioria dos romances, a sinopse dá-se ao trabalho de deturpar a história. Isto é, puxa a brasa no sentido de simplificá-la para questões simples do coração - “William estava certo de que Beatrix o receberia de braços abertos” - bom ele não se ilude, sabe que ela está magoada e ela deixa isso claro desde o primeiro encontro. E também ele não vem por ela - não teve nenhuma epifania no deserto que o trouxesse de volta a casa. Ele vem à procura de soluções para poder prosseguir com o seu sonho... Desenganem-se porque a história é bem mais complexa do que um rapaz egoísta a largar a noiva para ir atrás de algo imprudente... O Will é arqueólogo e está a ajudar Howard Carter a desvendar túmulos no Egipto, numa época em que a Inglaterra se dedicou a “pilhar” o espólio da civilização Egípcia e a despachá-lo para o Reino Unido. É obcecado com o túmulo do Tutankamon e está convencido que vai encontrá-lo. Tanto ele como a Beatrix tem motivos válidos para terem ficado afastados, e a validade inquestionável destes motivos fez-me ler o livro em num record de cinco horas (noite dentro). Ainda são 360 paginazitas, e este não estava planeado para este mês... mas eu sabia que ia amá-lo. Como pontos negativos destaco apenas a repetição constante dos motivos de cada um, quando já era demasiado óbvio para o leitor, já se antecipavam os argumentos e contra-argumentos. Alguns aspectos da revisão deixam a desejar, assim como alguma escolha de vocabulário, mas não é culpa da autora. «Por amor da Santa!», é muito corrente e muito português.
Enfim, em termos históricos está super interessante, uma vez mais o prémio RITA para romance histórico não foi atribuído a uma autora ao acaso. Adorei o facto de que a intimidade do casal não foi o pretexto máximo da obra, como tantas vezes o é neste género de livro. São os sonhos deles que importam, os seus medos, derrotas, impulsos e triunfos, assim como os seus anseios por aventuras, que me enterneceram e puseram desperta a noite toda a ler! E como adoro História - flutuei com as menções ao Expresso do Oriente e ao Vale dos Reis! Apaixonei-me pelos dois; pelo Will e pela Trix, e várias vezes me identifiquei com ambos. Ela quer saltar das rochas para o mar, mas tem medo. O Egipto é o sonho da vida dele e, se ela não está disposta a partilhá-lo com ele... quão grande será a afeição que lhe tem? Valerá a pena desistir de tudo por uma mulher que não está disposta a fazer sacrifícios para ficarem juntos? E ela, que só sonha com uma vida responsável e tradicional, e que sonhou em ser duquesa ao lado dele... porque é que tem que lhe provar que o quer mudando-se para o deserto? Porque é que não pode ser ele a fazer o sacrifício de ficar no local onde cresceram e onde se apaixonaram e onde sempre foram felizes? 
Agora... quem irá ceder?
Classificação: 5*****