terça-feira, 10 de dezembro de 2019

#236 AMY HARMON, O Que Sabe o Vento

Opinião: Mais uma das minhas desilusões literárias. A Irlanda convulsa dos anos 20 prometia um enredo intenso, com a complexidade quase indecifrável que a cultura (música, cinema) tanto tem tentado simplificar. A somar a essa expectativa, há uma desvantagem: eu acompanhei duas temporadas de Outlander, cuja publicação original é de 1991, por isso dei por mim a ter déjà-vus da história da Claire, a enfermeira de guerra do século XX, de caracóis negros, e do Jamie, o guerreiro escocês do século XVIII.
Destaco, como pontos positivos, a viagem do tempo. Aconteceu de modo subtil, com alguma inteligência. Pareceu-me credível (para quem tem a mente minimamente aberta ao surrealismo), que houvesse um portal do tempo no centro de um lago Irlandês, que afinal é a terra da magia e das fadas. Também a pesquisa me parece exaustiva e bem conseguida, embora depois falhe no encaixe no enredo.
O problema principal, em contra-partida, é a superficialidade das personagens e a ligeireza com que encaram situações inimagináveis. À excepção, talvez, do Dr. Thomas Smith, que tem ideais, uma história sólida, várias dimensões.
Várias coisas me causaram estranheza durante a leitura, e me impediram de vivê-la. Em primeiro lugar, estive na Irlanda por três vezes, e da primeira visitei o condado de Leitrim e de Sligo, entre os quais se estende o Lago Lough Gill, tantas vezes mencionado no romance. Também visitei Parke’s Castle, que se situa no lago e que surge mencionado por alto na narrativa. Conheço um pouco da história irlandesa, e gosto de pensar que compreendo a alma do Éire, por muito complexa que seja (e é).
O que dizer da Irlanda de 2019? É vasta, com povoações isoladas, com uma humildade próxima da terra e da lareira, simpática, acolhedora, tradicional. O que sei da Irlanda do século XX? Sofria de carência, de opressão, de miséria generalizada, de convulsões políticas. A Irlanda rural de 1916 e 1921, em que a autora se foca, tem casas de banho modernas, pronto-a-vestir, e ninguém passa fome. Vivem de idealismos, de honra, e falhou no retrato da opressão, do tratamento desumano que o Império Britânico lhes impôs. As informações estão lá, mas não se sentem. Pelo menos achei que não se sentiam. Os acontecimentos são desfiados quase como eventos alinhados numa cronologia, e o impacto direto nas personagens é amenizado pelo eixo central romântico da história.
Para mim tudo falhou logo de início, quando a vida da Anne se apresentou como unidimensional. Nada existia para esta mulher de 30 anos além do avô, o que começa por ser pouco credível. Segue-se a partida abrupta para a Irlanda, uma vez mais sem que se evidenciem laços à sua vida em Nova Iorque, quase como se não tivesse qualquer amarra (à exceção da agente literária). Na Irlanda as coincidências sucedem-se. Tudo muito conveniente.
O pior é a reação à viagem no tempo. Pânico? Intriga? Busca de respostas? Tentativa de regressar imediatamente a casa, como creio que seria humano fazer assim que se recuperasse do tiro? Nah, vai comprar um guarda-roupa novo na loja de pronto-a-vestir (cerca de 30 anos antes da invenção do pronto-a-vestir). Pareceu-me de uma futilidade atroz tendo em conta tudo o que se estava a passar, e páginas desperdiçadas com coisas sem importância.
O amor surge do nada, tipo wow?. Não se entende. Nada mais a acrescentar aqui.
A dada altura, o fio condutor do romance, que é o amor do Thomas e da nossa protagonista, perde-se no meio dos acontecimentos. E os acontecimentos, como mencionei antes, são difíceis de acompanhar. Significa que na última parte me desliguei tanto do casalinho quanto dos eventos políticos, e tudo se precipitou com muita rapidez.
Duas coisas de grande significância acontecem a velocidade de foguetão, o que mais contribuiu para que revirasse os olhos. A naturalidade da reação das personagens a esses revezes é exasperante. Não há consistência, lógica. As acções e decisões acabam por cimentar o caminho (mal pavimentado) para o fim almejado pela autora, tudo muito bam! In your face.
Não gostei, só a Irlanda me impediu de desistir.

Sinopse: Numa Irlanda dividida, uma história de amor épica quebra as barreiras do tempo.
«Só o vento sabe o que verdadeiramente vem primeiro.»
Anne Gallagher cresceu encantada pelas histórias do avô acerca da Irlanda. Destroçada pela morte dele, viaja até à sua casa de infância para espalhar as cinzas do avô no lago Lough Gill. Aí, invadida pelas lembranças do homem que adorava e consumida pela história que nunca conheceu, vê-se levada para uma outra época.
A Irlanda de 1921, à beira de uma guerra civil, é um sítio turbulento e instável… Mas é lá que Anne inesperadamente desperta, desorientada, ferida e ao cuidado do Dr. Thomas Smith, o homem que a resgatou do invulgar acidente que sofreu e que é tutor de um rapazinho que lhe é estranhamente familiar. Confundida por todos como a mãe perdida do rapaz, Anne adota a sua identidade, convencida de que o desaparecimento dessa mulher está ligado ao seu.
Com a tensão a escalar no país, levando Thomas a juntar-se à luta pela independência da Irlanda, Anne vê-se arrastada para o conflito e percebe que vai ter de decidir se estará disposta a desistir da vida que conhecia por um amor que nunca pensou vir a encontrar. Mas será mesmo dela a escolha?
Numa inesquecível história de amor, a viagem impossível de uma mulher através de décadas pode mudar tudo…

Classificação: 2**/5*****

segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

Planeamento de Leituras 2020


#1 História, Política e Personalidades
O Abismo de Fogo, Mark Molesky
A Direita e as Direitas, Jaime Nogueira Pinto
Maria Antonieta, Stefan Zweig

#2 Sátira, Distopias
A Quinta dos Animais, George Orwell
Farenheit 451, Ray Bradbury

#3 Ficção Científica
A Mão Esquerda das Trevas, Ursula Le Guin

#4 Clássicos Russos
Guerra e Paz, Leo Tolstoi
Os Irmãos Karamazov, Fiódor Dostoievski
A Morte de Ivan Iliitch, Leo Tolstoi

#5 Europa Central/Germânicos
A Marcha de Radetzky, Joseph Roth
A Oeste Nada de Novo, Enrich Maria Remarque
Morrer na Primavera, Ralf Rothmann

#6 Clássicos
Grandes Esperanças, Charles Dickens
Mansfield Park, Jane Austen

#7 Lusófonos
Memória de Elefante, António Lobo Antunes
Húmus, Raul Brandão

#8 Escandinavos
Paraíso e Inferno, Jón Kalman Stefánsson
Os Frutos da Terra, Knut Hamsun

#9 Autores favoritos
A Leste do Paraíso, John Steinbeck
Palmeiras Brancas, William Faulkner
As Paixões de Júlia, W. Somerset Maugham

#10 Grande desafio
A Morte do Comendador I, Haruki Murakami

domingo, 1 de dezembro de 2019

Leituras 2019 - Balanço

Este ano superei-me em termos de leituras. Desde 2015 que não lia tantos livros num ano (33 de momento, mas creio que consiga pelo menos acabar mais 2), e com certeza que não lia livros tão desafiantes.

O meu interesse por clássicos tem vindo a sobrepor-se aos livros contemporâneos, e sobretudo aquilo que chamo "os livros do momento". Best-sellers que surgem na lista do New York Times e que venderam aos milhões, mas que depois leio e meh. Não me inquietam. E eu, como tenho assumido várias vezes, leio para me inquietar.

Em resumo, olhando por sobre cada título a que me dediquei este ano, decidi escolher 5 que me apeteça comentar por algum motivo específico, e atribuir-lhes uma palavra que represente o que tirei da leitura.

#1 - SENTIDO
Em "O Estrangeiro", de Camus, nada faz sentido. Ou melhor, o sentido da narrativa com certeza transparece o caos da época em que foi escrito. Tendo sido publicado em 1942, é com certeza fruto da insegurança dos seus tempos, da guerra a nível global e do valor das vidas, diminuído pelos interesses das nações. Camus criou um homem indiferente, Mersault, que se deixa ir com as ondas. Um alheado da vida ao seu redor, a quem nada afecta, nada chega. Mersault é o homem inalcançável, um observador neutro do certo e do errado, sem vontade ou alento, que passa pela vida sem grande entusiasmo, mas sem se dizer, ao mesmo tempo, deprimido. O livro levou a que me questionasse se não será a nossa capacidade de reflectirmos, de nos iludirmos, de querermos, sonharmos, aquilo que nos torna humanos, espirituais. Ainda assim, não foi um livro que me tenha ficado. Não me apaixonei, e até já o vendi.




#2 CRU

Da primeira vez que tentei lê-lo, fiquei-me pela segunda página. Mas 2019 era o ano para me estrear com o nosso eterno candidato a Nobel. Fiquei surpreendida não pela narrativa do que foi o Ultramar, não pela escrita elaborada (que muito dificulta a leitura), mas pela crueza de tudo. Lobo Antunes leva-nos para um mundo frio e cruel, desprovido de calor humano, de compreensão, de abraços. Em Os Cus de Judas, é-nos apresentado um homem incapaz de esquecer África, ou de tirar a guerra da pele. Lobo Antunes lembrou-me que o Ultramar foi um desperdíciotremendo e embaraçoso para o regime português dos anos 60 e 70, e que também por isso o sofrimento dos envolvidos foi esmagado, obliterado pela ilusão colectiva de que podíamos vencer, ou de que valia a pena lutar. Apenas lamento que algumas frases levantassem voo de modo promissor, belas, pungentes, plenas de sentido, e que depois o autor as prolongasse por mais um, dois, vários raciocínios ou metáforas que despedaçavam a beleza simples da premissa inicial.


#3 MÁGICO
Creio que quando tinha uns 20 anos tentei ler Cem Anos de Solidão, sem sucesso. Não era a hora certa. Desta vez, tornou-se naquele prazer que levamos para toda a parte, que acarinhamos quando estamos distraídos e o temos no colo. Gabriel García Márquez, que recebeu o Nobel em 1982 pelo seu contributo para as letras, tem aqui a obra-prima do realismo mágico. É um Dali em versão romance, profundo, delicado, angustiante, maravilhoso. Daqueles que ficam para sempre, fruto da imaginação mais fértil com que me cruzei até hoje por estes caminhos. E pensar que as suas personagens, apesar de completamente loucas, originais, me são tão familiares!

#4 RÚSSIA
Este ano estive por duas vezes na Rússia. Primeiro em Fumo, de Ivan Turguénev, e depois nas páginas do famoso Crime e Castigo. Parece-me que a escola é à mesma, à qual também pertencia Tolstoi. O romance permitiu-me compreender melhor a natureza dos russos, os seus desafios, as suas dores, a sua melancolia. Os russos são loucos, de uma maneira maravilhosa e trágica, ou eram-no pelos olhos de Dostoievski. Um autêntico ensaio da natureza humana e da cultura de uma Rússia imensa; com rasgos de desespero, de humor negro, de esperança cega, de cobardia e de bravura, com lealdade, amizade, amor e sacrifício em boa medida. Não é um livro fácil, mas teve passagens inesquecíveis, como o banquete funerário do funcionário público, em que Katerina praticamente ofende cada um dos seus convidados com gargalhadas nervosas. Só tenho pena de não conseguir dizer (nem escrever!) o nome da personagem principal. Mas começa por R!


#5 TRANSCENDENTE

Há muito que não passava um Sábado na cama a ler (pelo menos sem me dar sono ao fim de dois parágrafos), mas foi o que aconteceu com O Fio da Navalha. Somerset Maugham é um dos meus escritores favoritos, e cada um dos seus livros que li guardei num cantinho especial da memória. Até ler este volume, julguei que Servidão Humana seria o meu livro favorito de sua autoria para sempre, mas mudei de ideias. Larry, o piloto da I Guerra Mundial em busca pelo sentido da vida - e pela resposta sobre a existência de Deus - que percorre o globo e abandona mesquinhices e materialismos conquistou-me. Esse espírito livre, ansioso por aprender, por conhecer, por descobrir, recordou-me das coisas essenciais à vida. Recordou-me o que é ser, em vez de simplesmente estar. Conduziu-me a dois momentos transcendentes, dois Nirvanas através da simples leitura dos êxtases das personagens. A compreensão da vida, a absorção da beleza da natureza pelos olhos de duas personagens, roubou-me o fôlego, encheu-me de paz. Larry é um aro de luz no centro de uma sociedade cinzenta, fútil, agarrada às tradições e encandeada pelo progresso na América e na Europa do entre guerras. Amei a passagem do tempo pelo seu punho, a evolução das personagens (oh, Elliott!), a subtileza de sentimentos, de acções, que o britânico sempre imprime nas pessoas que lhe saíram do punho... Admiro imenso o intelecto e a sensibilidade do autor, e guardo cada livrinho seu por ler como a um tesouro.