domingo, 23 de outubro de 2016

#176 HUNTER, Madeline, O Protector

Sinopse: Numa terra sem lei, devastada pela guerra e pelas pragas, Morvan Fitzwaryn, um cavaleiro errante, faz jus à sua honra e protege os mais fracos. 

Habituado a ser o melhor, o mais forte, o mais temido, não esperava vir a conhecer um guerreiro cujas qualidades de combate rivalizassem com as suas. Quando se encontram pela primeira vez, é Morvan quem precisa desesperadamente de ajuda. De espada na mão e porte altivo, o guerreiro a quem ficará a dever a vida é, surpresa das surpresas, uma mulher! 
Em pouco tempo, a imbatível Anna de Leon torna-se no único prémio digno de ser conquistado... e o único que Morvan não consegue arrebatar.


Opinião: Neste livro temos duas personagens de carácter marcado: Morvan e Anna de Léon. São ambos fortes e independentes, e quando a peste negra ameaça tomá-los durante a guerra, os dois ficam ligados por uma situação de quase morte. O que não gostei no livro foi o facto de o Morvan procurar constantemente cingir a liberdade da Anna, “para sua protecção”. Esse argumento enfurece qualquer mulher com cérebro. E, tantas vezes, ela acaba por ceder!
Talvez me esteja a focar demasiado no século XXI, mas se as personagens fossem tão mente-aberta quanto a autora nos tenta fazer crer, sobre tantos outros assuntos, porque não podiam comportar-se como duas pessoas apaixonadas, e não um “homem” e uma “mulher”, logo um homem que deve proteger a mulher e uma mulher que deve submeter-se ao homem? Entendo que estejamos a falar de um enredo medieval, mas não mo venda sob o rótulo de “grande amor”. Considero uma leitura fraca, e apenas o elemento histórico o salva de uma nota pior.

Classificação: 3***/**

LIDO (APROX.): 2011

#175 HUNTER, Madeline, Lições de Desejo

Sinopse: Se Phaedra Blair não possuísse tanta beleza e estilo, a alta sociedade achá-la-ia apenas estranha. Mas como a Mãe Natureza a dotou de ambas as coisas, consideram-na interessante e excêntrica. Ela é uma mulher à frente do seu tempo. Deseja liberdade e persegue um sonho. Apaixonar-se não está nos seus planos imediatos. Aliás, o seu primeiro encontro com Lorde Elliot não é auspicioso. Injustamente presa, será graças ao poder e charme do jovem que consegue escapar. Mas Phaedra depressa descobre que o preço da sua "liberdade" é ficar virtualmente ligada ao seu "herói". Pois Elliot Rothman não agiu apenas numa missão de boa vontade. O seu objectivo é garantir que Phaedra não publicará um manuscrito que ameaça destruir o bom nome da sua família, e para tal, ele está disposto a tudo. Não contava, porém, encontrar uma adversária à sua altura. Os dois jovens vão debater-se com as convenções de uma sociedade rígida e, acima de tudo, com sentimentos tão intensos quanto contraditórios.

Opinião: É de mim ou é da Madeline Hunter? É mais provável que seja dela. Já li uma série de livros escritos por ela e nem todos são bons. “Casamento de Conveniência”, por exemplo… fez-me estremcer às vezes. “Os Pecados de Lorde Easterbrook?” Fez-me bocejar o tempo todo. E quanto a este “Lições de Desejo?” Portanto, já conhecemos a Phaedra Blair dos livros anteriores em torno da família Rothwell. A Phaedra é uma feminista que acredita no amor livre – o que significa que não quer ligar-se e abomina o casamento. O Elliot não é bem um libertino – ao menos isso, os livros dela não são só sobre desavergonhados que precisam de se redimir. Ele é um homem adequado, bem-parecido e charmoso. Mas então, desde o início… Ele está muito mais interessado nela do que ela nele. O que acho é que o que a Madeline escreveu nestas 300 páginas teria sido facilmente comprimido em 100. As personagens são apresentadas e o enredo nunca sai do mesmo. Poucas surpresas, pouca emoção. Uns quantos clichés atirados para o final. Espero que o próximo romance saia melhor, ou vou considerar que ela despejou todo o talento que tinha em “As Regras da Sedução” e “Casamento de Conveniência” que são, de longe, bem melhores.

Classificação: 2**/*****

LIDO (APROX.): 2008

#174 HUNTER, Madeline, Os Pecados de Lorde Easterbrook

Sinopse: Christian é excêntrico, enigmático, o mais famoso recluso da aristocracia inglesa. Vive isolado, não tem amigos e o seu coração nunca foi tomado por ninguém... com excepção de Leona, uma mulher determinada, exótica, belíssima. Mas isso aconteceu em Macau, naquela que parece ter sido uma outra vida. As notícias da chegada de Leona a Londres deixam-no aturdido. Christian decide então que nada o impedirá de finalmente a possuir. Não podia saber que entre as famílias de ambos pulsam segredos impossíveis de ignorar... e que o grande amor da sua vida acalenta um mortal desejo de vingança! Uma viagem no tempo até uma era marcada por escândalos, intriga e desejos secretos, no novo e sensual romance de Madeline Hunter: a história de um homem capaz de arriscar tudo pela mulher que ama... até a revelação do seu mais secreto pecado.


Opinião: Detestei este livro... Depois de tantas expectativas, de tanto dar a entender que o Christian era tão misterioso... ficou muito aquém dos irmãos Hayden e Elliot. O Hayden será sempre o meu favorito - e o Elliot e a Phaedra andei a enrolar até mais não. Agora este Christian e a Leona? Não me senti nada apegada à história, a Madeline não conseguiu cumprir aquilo para o que se propôs com todas as expectativas que nos passou através dos volumes anteriores...

Classificação: 2**/*****
LIDO (APROX.): 2010

#173 HUNTER, Madeline, Casamento de Conveniência


Sinopse: Lady Christiana Fitzwaryn está apaixonada. Infelizmente, o seu futuro marido não é o homem dos seus sonhos mas sim um perfeito desconhecido, com quem o próprio rei Eduardo negociou o enlace. Sobre este homem, Christiana apenas sabe tratar-se de um mero mercador plebeu. Não estava, pois, preparada para o primeiro encontro: David de Abyndon revela ter um carisma extraordinário e nutre uma indiferença desconcertante em relação ao estatuto social dela. Para sua grande surpresa, é a aristocrata quem se sente perturbada na presença daquele homem de enigmáticos olhos azuis.

Opinião: A história da Christiana e do David de Abyndon é das minhas favoritas da Madeline. Tudo porque a personagem principal se julga loucamente apaixonada por outro homem que não o seu futuro marido e David, apesar de cumprir uma ordem do rei ao desposá-la, não tem tempo a perder com as parvoíces dos habituais galãs, que resistem e resistem ao casamento e ao amor e a todo o resto. Neste livro conta muito o sistema hierárquico da época, sendo que a Christiana ofende o David várias vezes por ele ser um mero (mas muito rico) mercador. Gostei da intriga relacionada com as constantes guerras e espiações Inglaterra/França.

Classificação: 4,5****/*

LIDO (APROX.): 2010

#172 HUNTER, Madeline, As Regras da Sedução


Sinopse: Hayden chega sem aviso e sem ser convidado - um estranho com motivações secretas e um forte carisma. Em poucas horas, Alexia Welbourne vê a sua vida mudar irremediavelmente. A relação entre ambos é tensa, agitada e incómoda. Para Alexia, Hayden é o culpado da sua desventura: sem dote, ela perdeu qualquer esperança de algum dia se casar. Mas tudo muda quando Hayden lhe rouba a inocência num acto impulsivo de paixão. As regras da sociedade obrigam-na a casar com o homem que arruinou a sua família. O que ela desconhece é que o seu autoritário e sensual marido é movido por uma intenção oculta e carrega consigo uma pesada dívida de honra. Para a poder pagar, ele arriscará tudo... excepto a mulher, que começa a jogar segundo as suas próprias regras…

Opinião: O rigor histórico é óptimo, os cenários encantadores; a escritora é muito boa*. A Alexia e o Hayden são deliciosos! Ele é um nobre honrado, tal como o seu irmão mais velho, o Marquês de Easterbrook. A Alexia recebia o apoio dos familiares após ter sido destituída de tudo o que tinha. Hayden, que descobre a fraude levada a cabo pelo primo da Alexia, decide tomar medidas, que incluem confiscar-lhe todos os bens. Enquanto a família dela é obrigada a deixar Londres, ele oferece-lhe uma posição de acompanhante da sua tia e prima. Claro que há um desejo imperioso entre ambos, mas bem explorado no modo como ela luta entre a virtude e a capitulação. A história por detrás do noivado da Alexia com um falecido companheiro do Hayden, na marinha, também está bem desenvolvida. Recomendo a quem aprecia um bom enredo, personagens marcantes e romance.


Classificação: 4,5****/*

*Pouco depois, apercebi-me de que não há muita reinvenção, a autora limita-se a reescrever o mesmo enredo, pelo que desisti da senhora Hunter.

LIDO (APROX.): 2008

domingo, 9 de outubro de 2016

#21 The Shining

Título oficial: The Shining @ 1980
Realizador: Stanley Kubrick
Actores principais: Jack Nicholson, Shelley Duvall
Classificação IMDb: 8,4
 Minha classificação: 4

Baseado no livro de Stephen King, “The Shining”, ou “O Iluminado”, em português, prometia ser um filme de terror de arrepiar os cabelos. Prometia ser um dos melhores filmes de todos os tempos, dentro do seu género e para além dele. Eu tenho medo de filmes de terror, não assisti a muitos por esse motivo. Mas acho que não devo deixar que os meus gostos ou limitações influenciem, a cem por centro, a minha cultura geral. Então achei que estava na hora de superar o desafio de ver este filme.
Porém, quando a este, senti sobretudo embaraço. Ao longo das duas horas e vinte minutos em que o filme roda, procurei constantemente um sentido para o enredo, um escalar para o prometido clímax, um fio condutor que me permitisse extrair alguma lógica a tudo isto. Nunca encontrei nada por onde pegar. A actuação da Shelley Duvall constrangiu-me. Não vale a pena contra-argumentar-se que o problema está no facto de o filme ter sido rodado há trinta e seis anos: o problema é ela ser má actriz. A Vivien Leigh, em 1939, era muito melhor. A Bette Davis, em 1942, era muito melhor. Portanto, é tão má actriz que o filme se estraga logo aos primeiros minutos, quando ela está a rir e a debitar frases como se as estivesse realmente a ler, a partir do guião. O próprio guião é mau – alguém deve ter recebido muito para o adaptar do livro, mas esqueceu-se de criar a ponte “literatura-cinema”, pelo que as falas galgam esse espaço e vêm estatelar-se no chão. Sobretudo as da Wendy (Duvall), e sobretudo no início, depois acabam por entrar no campo do “normal” para a época e para o género. Houve um momento em que entendi que tinha de parar de culpar a actriz pela disfuncionalidade do seu papel. O que lhe foi pedido também é parvo por si só. Não entendo como não venceu na categoria de Pior Actriz dos Razzies, para a qual foi nomeada.  
Ultrapassando esse problema, penso que a criança, Danny (Danny Loyd) teve uma óptima prestação no filme, contribuiu para nos puxar par ao ambiente lúgrube do Overlook Hotel - e na minha óptica o hotel é o vilão, e o ambiente do hotel é o elemento mórbido que acaba por ser o protagonista do filme -, ver aquele cenário pelos olhos dele é intimidante. E o Jack Nicholson, claro, parece ter sido feito para representar este papel. O rosto dele mexe mais com o espectador do que o chorrillho de disparates das falas. "Assinei um contrato" - *eye roll*, scary.
Se calhar o problema é que, tendo o filme nascido de um livro, procurei nervuras que explicassem o que sucede. Por muito que não haja explicação para tudo, e no mundo do horror e do sobrenatural menos ainda. Se me focasse apenas na banda sonora, nos pormenores que nos desconcertam e inquietam (como a cena em que a criança galga tapetes/soalho em sequência com o triciclo, e o ruído mexe com todos os nervos do nosso corpo), ficaria híper impressionada. 

De facto há uma admirável visão, inquietante, por detrás de todo o projecto. Alguém que soube captar os ângulos, plantar receios, criar ansiedade. Porém sinto que falta alma, um mal identificado, um mal localizado, um mal com cabeça tronco e membros. O hotel, por si só, é arrepiante. Mas fora isso… como se explica tanta coisa? Gosto de respostas. Inquietar só porque sim acaba por cair no esquecimento, para mim. Creio que este filme, assinado por um realizador menos mediático, estaria na lista dos maiores disparates de sempre. Fico feliz de ter visto o filme, mas não entrei para o seu clube de fãs nem creio que volte a vê-lo um dia.

Classificação: 4/10

segunda-feira, 26 de setembro de 2016

#171 HANNAH, Kristin, O Rouxinol


Sinopse: Na tranquila vila de Carriveau, Vianne despede-se do marido, Antoine, que parte para a frente da batalha. Ela não acredita que os nazis vão invadir a França… mas é isso mesmo que fazem, em batalhões de soldados em marcha, em caravanas de camiões e tanques, em aviões que enchem os  céus e largam as suas bombas por cima dos inocentes. Quando um capitão alemão reclama a casa de Vianne, ela e a filha passam a ter de viver com o inimigo, sob risco de virem a perder tudo o que têm. Sem comida, dinheiro ou esperança, e à medida que a escalada de perigo as cerca cada vez mais, é obrigada a tomar decisões impossíveis, uma atrás da outra, de forma a manter a família viva. Isabelle, a irmã de Vianne, é uma rebelde de dezoito anos, que procura um objetivo de vida com toda a paixão e ousadia da juventude. 
Enquanto milhares de parisienses marcham para os horrores desconhecidos da guerra, ela conhece Gäetan, um partisan convicto de que a França é capaz de derrotar os nazis a partir do interior. Isabelle apaixona-se como só acontece aos jovens… perdidamente. Mas quando ele a trai, ela junta-se à Resistência e nunca olha para trás, arriscando vezes sem conta a própria vida para salvar a dos outros. Com coragem, graça e uma grande humanidade, a autora bestseller Kristin Hannah capta na perfeição o panorama épico da Segunda Guerra Mundial e faz incidir o seu foco numa parte íntima da história que raramente é vista: a guerra das mulheres.  O Rouxinol narra a história de duas irmãs separadas pelos anos e pela experiência, pelos ideais, pela paixão e pelas circunstâncias, cada uma seguindo o seu próprio caminho arriscado em busca da sobrevivência, do amor e da liberdade numa França ocupada pelos alemães e arrasada pela guerra. Um romance muito belo e comovente que celebra a resistência do espírito humano e em particular no feminino. Um romance de uma vida, para todos.

Opinião: A minha primeira impressão quanto a “O Rouxinol” não foi muito abonatória. Não posso abstrair-me da ideia de que a autora ainda estava à procura da sua voz – e isso é bem mais difícil do que parece. Nesse processo, surgem frases tipo slogan como "O que era o amor quando confrontado com a guerra?". Achei que o primeiro terço do livro é fraco, superficial, demasiado leviano na sua apresentação das personagens. Eu sabia que haveria aqui um contraste locus amoenus (paisagem idealizada, luminosa, verdejante) e locus horrendus (cenário horrendo, desprovido de luz). O melhor exemplo de uma saga que explora as duas é O Senhor dos Anéis , em que o Shire é tudo de perfeito e Mordor é um inferno na Terra. Porém, considerei que até para entre-guerras, o cenário inicial era perfeito demais. Segundo me recordo, tanto a França como a Alemanha sofreram imenso durante a I Guerra, e depois dela estavam pejados de estropiados, mutilados, doentes crónicos por causa dos gases, da gripe Espanhola, da tuberculose, etc., além das dívidas. Não é à toa que os principais combates foram no Somme, os terrenos continuaram cheios de minas e granadas por explodir nos anos subsequentes. Quinze anos é muito pouco tempo para que alguém se exibisse tão feliz e tão optimista, e sobretudo tão descrente de que outra guerra viesse aí. Isto é a Vianne. Na página três já ela e o marido haviam dito umas cinco vezes “Eu amo-te”. Tudo bem, deve haver casais e casais. Mas ao final de dez anos de casados ainda sentirem essa necessidade a cada vez que tiram uma garrafa de vinho do cesto de piquenique? Os olhares cruzam-se e “Eu amo-te”. Gostava de ter sentido um maior realismo nessa parte, mas posso ser só eu a embirrar, porque as minhas expectativas eram altíssimas. Durante esse primeiro terço não consegui desligar-me do papel de escritora/revisora, e o potencial era tão grande que me via a rasurar imensa coisa. Sobretudo as listagens de produtos franceses (tinha cerâmica de Limoges, e do cesto tirava vinho daqui, Camembert, Roquefort, champagne de acolá, a baguete, só se esqueceu do croissant). Achei as personagens desprovidas de profundidade. A impulsividade da Isabelle era por vezes embaraçosa, depois ao longo da segunda parte e da terceira a autora cimentou melhor o seu carácter estouvado. Pô-lo a servir um bem maior e fez o leitor se preocupar com ela.

Divido o livro em três partes: 

I: A guerra aproxima-se, Paris é invadida, um general alemão vem instalar-se na casa da Vianne.
II: Os meses vão-se passando em provações, Vianne acomoda-se e Isabelle rebela-se, começam a ser perseguidos os membros da resistência, homossexuais, comunistas, judeus.
III: A Alemanha começa a perder a guerra e a sua crueldade extravasa todos os horrores que já haviam infligido até aí.
Gostei da parte do livro que acaba por unir as duas irmãs, e em que o amor de uma pela outra triunfa. Também gostei da dificuldade que ambas tinham em relacionar-se com um pai que fechava os olhos e ainda se via nas trincheiras, a combater na I Guerra. O que aprecei, acima de tudo, foi a pesquisa histórica, muito bem distribuída pelos anos do conflito. (Estando eu própria a escrever um livro sobre a mesma época, essa foi a primeira abordagem que ponderei: seguir a cronologia da Guerra, é o mais lógico). Também gostei do facto de haver uma premissa inicial, laivos de 1995, em que se entende que uma das irmãs morreu na guerra e a outra sobreviveu. Por esse motivo, prossegui a leitura com os meus sentimentos a oscilar ora para uma, ora para outra, e a tentar adivinhar qual delas teria mais chances de sobreviver e de percorrer o caminho que a levou à América, cinquenta anos depois.
Há também outra questão premente: houve uma infinidade de crianças a perder-se dos seus progenitores, a ficarem sem família de todo, a serem, por exemplo, acolhidos temporariamente em países como Portugal (recebemos Austríacos após a guerra), e houve muitas violações que terminaram em filhos que talvez, por vergonha das mães, tenham agora setenta anos e nunca venham a saber que foram criados por um pai que não era o deles, e que a biologia os liga à Alemanha e às criaturas que destruíram a dignidade da França durante essa guerra abominável.
Aconselho vivamente; este livro recordou-me de algo importante, porque ainda há poucos anos houve uma mãe finalmente reunida com o filho: a II Guerra ainda não acabou para toda a gente.

Classificação: 4****/* 

quarta-feira, 7 de setembro de 2016

#170 GASKELL, Elizabeth, Norte e Sul


Opinião: Elizabeth Gaskell, amiga íntima de Charlotte Brontë (bem como de John Ruskin e de Florence Nightingale), viveu entre 1810 e 1865, e era filha de um jornalista. Depois de casada, acompanhou o marido em causas sociais, prestando educação e apoio a crianças desfavorecidas. É um pouco desta mulher que encontramos em “Norte e Sul”.
A primeira edição em Portugal dá-se cento e sessenta e dois anos depois da sua publicação em Inglaterra, e é a de Abril de 2016, sob a alçada da Relógio d’Água.
“Norte e Sul” é um romance sobre os contrastes da Inglaterra de meados do século XIX, na qual, como à imagem de todos os países da Europa, o Norte começa por se aventurar primeiro na maquinaria, com as consequências que daí advém. Margaret é filha de presbítero e da beldade do condado, Mary Hale (née Beresford), e cresceu em Helstone, no sul. Os pais ocupavam uma posição de destaque na modesta hierarquia social do burgo, sendo o seu pai o líder espiritual da comunidade. A mãe tratava das questões sociais, ajudando os pobres e aliviando o sofrimento dos enfermos com pequenos confortos. Ainda que a aristocracia esteja em franca decadência, as relações determinam a posição de uma família na sociedade, e por isso os Hale “dão-se ares”. A tia de Margaret, com quem esta passa o período que sucede a infância, fora esposa de um general e a filha, a irritante Edith, está prestes a desposar um capitão, irmão de um advogado. Vivem em Londres, e Margaret divide-se assim em três realidades: a simplicidade idílica de Helstone, a azáfama social de Londres, e mais tarde as convulsões grevistas de Milton. É no momento em que se mudam para Milton que a acção tem início, e louvo a autora pelo modo como conduziu a percepção das suas personagens a esta nova realidade.
O valor desta obra, publicada em 1854, é o de trazer à luz os primeiros confrontos sociais que se deram num país em mudança. Alguém aqui no GR descreveu “Norte e Sul” como “Orgulho e Preconceito para socialistas”, mas julgo que a autora não tomou uma posição tão vincada. Margaret fica profundamente tocada pelo novo retrato social que encontra. Enquanto em Helstone todos tinham o seu futuro definido, e ninguém se agitava ou ambicionava ser outra coisa, em Milton o ruído dos moinhos e dos teares anuncia prosperidade e riqueza, e todos desejam deitar a mão ao seu quinhão. A indústria não funciona sem operários, e Margaret cedo se torna próxima de alguns. Os Higgins exibem todas as marcas desse capitalismo pululante; a filha que trabalhou com algodão e que ficou de pulmões destruídos, o pai que pertence ao sindicato e que acredita que as suas exigências, por muito que também lhes causem dissabores, são a via para obter condições mais justas. Porém, aos operários falta a visão geral da realidade, a formação para compreender contratos, cálculos, e para gerir. Esse lado da moeda será exposto de modo soberbo por John Thornton, um dos industriais de Milton. Thornton cresceu por entre dificuldades, o seu orgulho não é tanto que o esconda, pelo contrário: regozija-se por ter chegado à posição prestigiada na qual se encontra. Isto choca os Hale, para quem o nascimento é tudo, e em simultâneo fascina-os, porque entendem a importância que homens como Thornton têm para as cidades do Norte. Como patrão, é visto como o anti-cristo pelos seus operários, e é no debate de circunstâncias que o livro ganha. Arrisco dizer que seria uma obra muito mais aclamada se tivesse sido escrita por um homem.
O discurso de Gaskell é humano, lúcido, ainda que as personagens, nos desaires da sua complexidade, sejam quase todas questionáveis. Margaret é altiva, resoluta, e retratada como uma vítima. Todos se apoiam nela, e ela suporta, como um bom cordeiro. A mãe é hipocondríaca e não faz um único comentário que se aproveite. Idem quanto à tia. Tanto pior quando chegamos à prima, Edith, ou à irmã de John Thornton, Fanny, que parecem um decalque uma da outra. Acredito que representem as jovens inglesas de 1850, que só conseguiam ocupar os pensamentos com o casamento, os vestidos e os bailes. Talvez a autora tenha captado de modo magistral a sua essência (exasperante). O pai de Margaret começa por ser um homem de princípios e fibra moral, capaz de tomar decisões, e vai-se tornando um mentecapto dependente do conselho de estranhos. Dixon, a criada da família, é outra criaturinha difícil de suportar. A sorte é que acabamos por ver as nossas impressões reflectidas no modo como estas pessoas afectam a protagonista.
A senhora Thornton, mãe do industrial, é um dos pilares do livro, ainda que seja uma mera personagem secundária. John Thornton é o eixo sólido, na minha opinião, porque todos os outros ao seu redor caem em incongruências e sofrem alterações de personalidade. É nele que reside a fibra e a firmeza de carácter que serve como espinha-dorsal a estas 450 páginas de dissabores.
Abundam lágrimas, contrariedades, perigos, eminência de morte, mortes em efectivo, amores desencontrados e mal-entendidos. Por isso não o considero um livro superior, fiquei com a impressão de que a autora poderia ter pegado nele e rasurado uma série de passagens. Mas o momento histórico está lá, os lados da trincheira também, e terminamos a leitura um conhecimento mais nivelado daquilo que é o percurso da nossa civilização. É também uma oportunidade para se entender as circunstâncias em que nasceu o socialismo, e testemunhar a inevitabilidade do seu florescer.
Esta é uma história de triunfos conquistados com enorme esforço, onde o pensamento racional é mais valorizado do que o preconceito, e o lado humano se sobrepõe ao respeito cego pela atividade económica.
Os leitores do século XXI irão sentir-se absorvidos, à medida que a trama deste romance vitoriano os transporta até às origens de problemas e possibilidades que ainda hoje, cento e cinquenta anos mais tarde, subsistem: a complexidade das relações, públicas ou privadas, entre homens e mulheres de diferentes classes sociais. 


Classificação: 4/5****

Sinopse: A ação de «Norte e Sul» decorre em meados do século XIX, narrando o percurso da protagonista desde o ambiente tranquilo mas decadente de uma Inglaterra sulista até um norte vigoroso mas turbulento. Neste romance, Elizabeth Gaskell fala-nos de um amor incomum, para mostrar o modo como a vida pessoal e pública se entrelaçavam numa sociedade recentemente industrializada. 

segunda-feira, 29 de agosto de 2016

#169 QUINN, Julia, Aquele Beijo

Sinopse: Gareth St.Clair vive momentos difíceis. Após a morte do irmão, passa a ser o único herdeiro da fortuna do pai. Infelizmente, o ódio deste por Gareth é tanto que prefere desbaratar o seu património a vê-lo nas mãos do filho. Resta-lhe como legado um velho diário, escrito pela avó paterna, que poderá conter os segredos do seu passado e a chave para o seu futuro. O único problema é que… o diário foi escrito em italiano, uma língua que o jovem não domina de todo.
Por um golpe de sorte, Gareth conhece Hyacinth Bridgerton, a mais jovem menina do conhecido clã, que nunca recusa um desafio, embora o seu italiano deixe muito a desejar. Além disso, Gareth intriga-a, pois parece estar sempre a rir-se dela.
Juntos, embrenham-se nas páginas do velho diário, mas aquilo que vão descobrir transcende as palavras escritas em papel, e manifesta-se sob a forma de um simples - mas inesquecível - beijo… 
Opinião: Hyacinth é hilariante, e a relação dela com o Gregory é preciosa. É o que me recordo dela - divertida e aventureira, fica bem emparelhada com Gareth. Uma vez mais, o nosso herói tem problemas com o pai e anda a tentar desvendar o passado. O livro passou-me quase ao lado, não me recordo de nenhum momento específico do mesmo. Sei que me ri, mas foi ameno. Outros da série são bem melhores.

Classificação: 3***/**

#168 QUINN, Julia, A Caminho do Altar

Sinopse: Gregory Bridgerton procura a sua alma gémea. Acredita fervorosamente no amor verdadeiro, por isso não tem dúvidas de que saberá reconhecer a mulher da sua vida com facilidade. E, de facto, ao conhecer Hermione Watson, o jovem fica rendido. Mas, oh... que tragédia!, a estonteante Hermione está apaixonada por outro. É aí que entra Lucy Abernathy, a melhor amiga dela, sempre disposta a ajudar. Mesmo quando percebe que ela própria sucumbiu ao incurável romantismo de Gregory. Infelizmente, existe um outro “mas”... Pois Lucy está noiva, e tenciona colocar a honra acima dos seus sentimentos. Quanto a Gregory, no momento em que finalmente compreende que os desígnios do coração são mais intrincados do que pensava, já a sua amada vai a caminho do altar. Será que é demasiado tarde? "A Caminho do Altar" é o oitavo volume da deliciosa série protagonizada pela família Bridgerton.

Opinião: É um 3,5, mas não creio que chegue a 4. Penso que seja o encerrar da série Bridgerton, que me entreteu durante longas horas, ao longo de 8 livros com pelo menos 350 páginas cada. Gostaria de ter tido um vislumbre de toda a família junta, mas a autora não nos brindou com esse bombom. Não faz mal, teria sido tudo demasiado perfeito. Não deve ser fácil criar oito personagens principais masculinos e oito personagens principais femininos numa série em que os cenários e as circunstâncias pouco se alteram. Gabo-lhe isso. Porém, quando chegamos a Gregory e Lucinda, só restam os pequenos detalhes, porque as personalidades fortes já tinham todas desfilado nos outros volumes. Gregory é o quarto irmão Bridgerton (Anthony, Bennedict e Colin já encontraram a felicidade) e, dado o historial da família, está convicto de que encontrará o verdadeiro amor. Mas isso do amor é uma estrada tortuosa, e tantas vezes uma pessoa se engana a si própria porque não é capaz de ver fundo o suficiente dentro de si próprio...

Não é o pior livro da série (não me recordo do da Eloise e do da Hyacinth, pelo que considero que foram mais fracos), mas está longe das emoções proporcionadas pela Daphne e o Simon, a Penelope e o Colin, ou mesmo a Sophie e o Bennedict. Ainda assim, a escritora foi competente ao criar a intriga principal, o enredo foi denso q.b. Claro que tudo evolui à velocidade da luz - estes amores-relâmpago... Mas aqui entende-se que há um esforço para se criar a ideia de "amor construído". Ainda que só tenham passado quatro ou cinco dias desde que se conhecem...
Vou sentir falta desta família. Estes livros trazem-me alguma paz, porque dão sempre a ilusão de que os nossos sonhos se vão cumprir e que o final feliz esta aí para todos.


Classificação: 3,5***/**

#167 HEMINGWAY, Ernest, O Velho e o Mar

Sinopse: Conta a história de um velho pescador que luta com um gigante espadarte em alto mar por entre a Corrente do Golfo. Apesar de ter sido alvo de apreciações muito divergentes por parte da crítica, é uma obra que permanece uma referência entre os livros de Hemingway, tendo reafirmado a importância do autor em tempo de o qualificar para o Prémio Nobel de Literatura de 1954.

Opinião: "O Velho e o Mar" é o segundo livro de Hemingway que li. Após a leitura, o tempo contribui para assentar a percepção de um livro. No caso de "Na Outra Margem, por Entre as Árvores", a cada dia que passa desprezo mais a narrativa. Sobretudo o absurdo dos diálogos. Mas este é diferente. É quase todo um monólogo (de Santiago, o pescador, para consigo próprio) mas também um diálogo de gerações. Santiago foi, em tempos, um grande pescador. Mas há oitenta e quatro dias que não tem sorte de pescar nenhum peixe. Não pescar significa não comer, e é na vergonha da pobreza que Mandolin, o rapaz, lhe estende a mão. Tem fé que o velho volte a conseguir uma grande pescaria, ao contrário do próprio Santiago, que sofre momentos de descrença. A teoria está toda viva na sua mente, mas as mãos e o restante corpo não respondem como antigamente. A fortuna também não traz os peixes para o seu esquife, e é na desolação de se achar acabado que, ao sentir que um espadarte de seis metros lhe morde o isco, Santiago decide segui-lo até encontrar o momento ideal para o abater. Grande parte do livro está centrado no esforço que este admirador de DiMaggio faz para manter tão pequena embarcação estável enquanto o peixe se debate pela vida. O respeito do pescador pelo seu sustento é, talvez, o que mais alto me falou no livro, e também a absoluta necessidade de pescar para repor a sua fé na sorte e comida na mesa.

Um livro é realista, não há grandes reviravoltas e é uma obra pequena, mas profunda. Sendo Hemingway, o diálogo está lá e desta vez faz sentido. Houve alturas em que julguei que o dito know-how do pescador era peta, pois nada funcionava dentro daquele esquife. Como não há mulheres no livro, uma só que seja, ou uma menção ao sagrado feminino, Hemingway não pôde ser machista desta vez. Ou talvez resida aí o seu machismo: em tornar as mulheres em seres dispensáveis.
Deste livro julgo que me vou lembrar com carinho conforme o tempo for passando.
Por isso, Hemingway chega às 4 estrelas comigo.


Classificação: 4****/*

sexta-feira, 22 de julho de 2016

#166 STEDMAN, M.L. A Luz Entre Oceanos

Sinopse: Tom Sherbourne é um homem que, regressado dos horrores da Primeira Guerra Mundial, aceita ocupar o posto de faroleiro numa remota ilha ao largo da costa oeste australiana. A ilha proporciona refúgio e consolo para os fantasmas do passado, e Tom e a mulher, Isabel, estão satisfeitos com a sua vida, exceto com o facto de não conseguirem ter filhos. Um dia, numa manhã de abril, um barco dá à costa. Nele encontram-se um homem sem vida e um bebé a chorar. Isolados como estão do mundo real, Tom e Isabel decidem quebrar as regras e seguir o que o coração lhes diz. Mas a sua decisão terá consequências devastadoras... 


A Luz Entre Oceanos é uma história sobre o bem e o mal, e de como por vezes se confundem.

Distinções:- Melhor Romance Histórico de 2012 pelo site Goodreads.
- Melhor Livro do Mês na Amazon.com.

- Melhor Livro do Mês na Apple IBookstore.
- Melhor Livro do Mês nas livrarias Indie dos EUA.
- National Blue Ribbon pelo Book of the Month Club.

Opinião: 

“Só tens de perdoar uma vez. Se preferires sentir rancor tens de fazê-lo todos os dias, a toda a hora.” 

“A Luz entre oceanos” é um livro que já devia constar da minha estante há pelo menos ano e meio. Foi vítima do meu interesse generalizado e negligência em particular. Tendo a ter alguma aversão a livros que estiveram durante muito tempo no top - agradar às massas costuma significar défice de complexidade. De facto não é um livro complexo, nem um livro difícil de acompanhar, mas sim uma obra bem articulada. Por uma vez o marketing foi certeiro (falhou na capa, apenas, posto que a original é bem mais apelativa), quando anunciou uma história em que o bem e o mal se esbatem e em que ninguém é a pior coisa que jamais fez. Pelo que entendi, não caiu nas boas graças da comunidade portuguesa no Goodreads, fora poucas excepções, todos pareceram considerá-lo algo ameno, ou houve quem o odiasse por o considerar “um chorrilho de lamechices”. Cada opinião é válida e é verdade que todo o livro transmite a sensação de angústia, de desgraça eminente; mas é esse o sentimento que corrói as personagens principais, e é por isso que me senti tão próxima dele: o medo, a culpa, o arrependimento. São coisas que devoram uma pessoa aos poucos, mas ainda assim houve momentos de doçura. 
Há um casal a viver sozinho numa ilha ao largo de Port Partageuse, Janus Rock (ambas as referências são invenções do autor, mas tão sólidas na sua descrição que fiquei um tanto desconcertada ao descobrir). Tom e Isabel anseiam por ser pais, e o sonho é-lhes arrancado uma e outra vez, com violência. (view spoiler). E há uma criança que chega num barco, anunciada por um choro desesperado que ecoa nos dois oceanos. A mãe que acaba de perder o seu bebé trá-la para junto de si e a escolhe pensar que a criaturinha está sozinha no mundo e precisa do seu leite e do seu afecto. Porém, do outro lado do estreito, uma mulher está dilacerada pelo desgosto de ter perdido a filha no mar…
Quando as duas realidades colidem, a voz de Tom Sherbourne, o faroleiro de Janus Rock, ergue-se acima do sofrimento de uma e de outra, e ainda da criança atirada para a disputa, como um pai vigilante e também como um homem íntegro, ainda que as duas coisas já não se possam conciliar.
Um livro onde todas as personagens têm um propósito, todas têm um passado e são multidimensionais . Em objectivo, é a dimensão das personagens que enriquece em muito este trabalho. Tom está particularmente bem caracterizado, emana uma essência muito masculina, pelo que fiquei surpreendida quando descobri que a escritora é uma mulher. Só posso concluir que tem um dom, porque não me recordo de um retrato tão nítido de um homem num livro, sobretudo quando intercalado com as vozes viscerais de duas mães a quem lhes é arrancada a cria. Também Isabel, uma mulher em ruínas, está bem caracterizada, e ainda Hannah, cuja educação e gentileza a tornam numa espécie de marioneta, a todo o instante submetida às opiniões alheias.
Estas páginas levaram-me a um sítio tão belo quanto fatal: a Austrália, e recordaram-me os Pássaros Feridos, no mesmo cenário, no qual a morte podia vir de qualquer canto (desabar do céu em tempestade e trovões, investir contra nós sob a forma das presas de um javali, personificar longos meses de seca ou jorrar do veneno da serpente). A esta beleza colossal junta-se a profundidade de dois oceanos, o Índico e o Antárctico, e é na junção dos dois que se ergue o farol de Janus Rock, e com ele a ilusão de estarmos sozinhos no mundo e de que os nossos actos não acarretam consequências.

Classificação: 5/5*****

segunda-feira, 11 de julho de 2016

#162, MÁRQUEZ, Gabriel García, Memória das Minhas Putas Tristes

Opinião: Memória das Minhas Putas Tristes é um livro que cobicei durante anos. Depois da minha primeira experiência com Gabriel García Márquez, em que não consegui levar o Cem Anos de Solidão a bom termo, queria dar uma segunda oportunidade ao tão-aclamado Nobel Colombiano. Este livro pareceu-me o ideal, pelo tamanho, o título e a sinopse. Agora fico aliviada por ter lido o sublime O Amor nos Tempos de Cólera e Crónica de Uma Morte Anunciada antes deste livro. Não posso considera-lo mau, por ter vindo ao mundo pelo punho de quem veio, mas falta-lhe a naturalidade poética e o embalo da narração dos outros. Li-o de enfiada, o que me permitiu seguir todos os acontecimentos numa tarde, e não me relacionei. Em parte o tema descrito é controverso, difícil de digerir – um velho de noventa anos determinado a dormir com uma adolescente virgem -, por outro lado, a ideia de um amor nascido da criança que dorme e do velho que a observa desnuda é-me demasiado repulsiva. Ainda assim, e reconhecendo no autor a valentia de ter abordado um tema tão desconfortável, tentei sentir. Passei o livro a tentar colocar a hipótese de um homem de noventa anos nutrir um sentimento de paixão e obsessão por uma criança de catorze. Depois tentei descortinar de onde lhe vinha tanta energia – e quem sabe fosse o fôlego desse amor a guiar-lhe os passos e a equilibrá-lo sobre a bicicleta. Depois tentei perceber se a velhice não lhe estaria a toldar a lucidez, ou se não estariam a aproveitar-se dele, em vez de ser ele a tentar aproveitar-se da jovem. Então ocorreu-me que o amor pode ser destrutivo em qualquer idade, sob qualquer circunstância, e que para este desconhecido (Márquez não o baptizou) a tragédia vem mais tarde, a fim de conferir algum ânimo a uma vida de emoções amenas. Por último julguei entender que o autor talvez reflectisse sobre aquilo a que a solidão nos leva – ao esvaziar dos bolsos, ao percorrer das ruas em busca de um rosto, à procura de contacto, de um tipo qualquer (o de um gato ou o de uma proprietária de uma casa de meninas). Existe ainda a possibilidade de o autor nem ter um motivo para ter escrito o livro, e o tenha apenas feito porque a história lhe exigia ser contada. E nesse ponto considero que o mesmo não me aqueceu nem arrefeceu, e não experimentei nenhum dos assomos que me perturbaram aquando da leitura de O Amor Nos Tempos de Cólera.

Classificação: 3***/**

Sinopse:
 "Memória das Minhas Putas Tristes" conta a história de um velho jornalista de noventa anos que deseja festejar a sua longa existência de prostitutas, livros e crónicas com uma noite de amor com uma jovem virgem. Inspirado no romance "A Casa das Belas Adormecidas" do Nobel japonês Yasunari Kawabata, o consagrado escritor colombiano submerge-nos, num texto pleno de metáforas, nos amores e desamores de um solitário e sonhador ancião que nunca se deitou com uma mulher sem lhe pagar e nunca imaginou que encontraria assim o verdadeiro amor. Rosa Cabarcas, a dona de um prostíbulo, conduzi-lo-á à adolescente com quem aprenderá que para o amor não há tempo nem idade e que um velho pode morrer de amor em vez de velhice. A escrita incomparável de Gabriel García Márquez num romance que é ao mesmo tempo uma reflexão sobre a velhice e a celebração das alegrias da paixão.

sexta-feira, 8 de julho de 2016

#161 NETO, Joel, Arquipélago

Sinopse: Açores, 1980. Quando um grande terramoto faz estremecer a ilha Terceira, o pequeno José Artur Drumonde dá-se conta de que não consegue sentir a terra tremer debaixo dos pés. Inexplicável, esse mistério há-de acompanhá-lo durante toda a vida. Usando a mestria narrativa e o apuro literário dos clássicos, bem como um dom especial para trazer à vida os lugares, as gentes e a História dos Açores, Joel Neto apresenta um romance de grande fôlego, em que a ilha é também protagonista de uma epopeia corajosa e emocionante como há muito não se via na literatura portuguesa. 

Opinião: “Arquipélago” foi tantas coisas, e nenhuma foi a que esperava. Imaginei um romance sobre um homem de meia-idade a redescobrir a sua terra – e Portugal é tão rico em “terras”, que um tratado assim sobre os Açores me faz brilhar os olhos de orgulho - quem sabe a revisitar o passado, talvez uma narrativa mais debruçada no ontem do que no agora. Porém, Joel Neto levou o que teria sido previsível muito mais além.

Ontem fechei a última página deste livro maior às 01:30. A sua riqueza assenta, sobretudo, na nitidez do retrato das ilhas, sobretudo da Terceira, que volvidas 450 páginas nos é agora familiar. O cheiro da terra, do oceano a atirar-se contra a ilha, dos jardins de hortênsias, ficam com o leitor para a posterioridade. Os nevoeiros adicionam-lhe o toque místico que, com tanta mestria, o autor veio aqui desvendar. É sempre um dom, ser-se bom a pintar retratos fictícios. É um instrumento poderosíssimo para projectar imagens na mente do leitor (e o que procura este livro é porque quer uma viagem aos Açores). Até hoje julgo que nenhum autor português (teria de revisitar Eça ou Camilo para o dizer em absoluto) teve este talento para descrever paisagens e as entranhar em nós.

Há um misticismo e um sentido de tragédia no romance, que é também o sentido de fatalidade do nosso povo, às vezes esquecido dos dois braços além-mar. A carranca, o vira-costas, a navalha para descascar fruta e o cajado para auxiliar o andar são nossos no Alentejo e na Terra Chã. O sotaque profundo, um português mais antigo, quiçá, também é nosso em Trás-os-Montes e na Terra Chã. E é-se tão português, neste livro! É-se o português intelectual e o português intelectualóide, é-se o português frustrado porque não consegue elevar a voz mais além e o português conformado que só quer sopas e descanso. É-se o português que leva tudo a peito e para quem a mínima ofensa vira a zanga de uma vida, e é-se o português que não sabe bem o que quer e que mete os pés pelas mãos e que salva o dia quase por casualidade.
As lendas, a gastronomia, os lugares, a fauna e a flora aqui tão naturalmente inseridas numa narração complexa são pedaços de um objectivo maior; a teia adensa-se e o livro culmina num climax que me manteve o coração em suspenso. Se tudo tivesse terminado aí, eu teria atribuído uma estrela suplementar – a última que lhe faltava, apesar de, fora isso, o meu único reparo ser o da primeira parte se arrastar um pouco, até quase perder o ritmo, e foi aí que parei a leitura durante uns meses. Depois, com um engasgue do tubo de escape do Boca de Sapo, voltei a levantar-me do chão e logo ao virar da esquina estava a nova bandeira, pelo que prossegui sem mais obstáculos e com entusiasmo até ao fim. Não me agradou o epílogo, e apenas isso, porque acho que sem ele o romance seria mais autêntico, ter-se-ia entranhado melhor, e salvar-se-ia a credibilidade das coisas impossíveis que por esses cerrados fora se foram sucedendo. Não é um livro menor por isso. 
Há muito que o país precisava de um autor assim, de um autor que agarrasse um livro como quem agarra a corda que da outra extremidade o touro rechaça. Portugal está mais rico na literatura hoje, e estarei sempre atenta às novas obras que este punho produza.

Classificação: 4****/*
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Uma nota para a minha personagem favorita, soberbamente criada, que foi Elias Mão-de-Ferro. Passei grande parte das férias da infância rodeada de velhos benigos, "com cheiro de velho limpo", e vê-los a fazer cestas, abrir feijão-verde, descascar frutas com a faquinha de bolso. Amei-os aí e agora, e só por isso Elias, para mim, foi todas essas pessoas que adoro e que já descansam debaixo de terra.
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A segunda nota diz respeito a Luísa, a viúva de cabelos negros e sardas que dá passeios ao cair da noite. Eu nada entendo do amor, e este é tão intrigante quanto os que tenho testemunhado... Quando uma pessoa nada diz, nada faz, nem nos olha, não há um motivo, uma racionalidade, que explique a atracção e muito menos a veneração, e o amor dá-se. Não a entendi e desconfio que era nessa incompreensão que se baseava este amor.

segunda-feira, 27 de junho de 2016

#160 BRAGA, Duarte Nuno, A Confissão do Navegador

Opinião: É raro o português que responde certo quando se pergunta quem foi o último rei de Portugal, mas todos sabem, na ponta da língua, que o Navegador que descobriu o Brasil foi Pedro Álvares Cabral. E Cabral há-de deter essa honra, oficialmente, para sempre. Porque assim decidiram os monarcas portugueses no final do século XV, num ambiente de intrigas e conspirações nas cortes europeias. A grande competição que se seguiria pelas riquezas do Novo Mundo obrigava a secretismo e a muita cautela. Segundo os documentos em que Duarte Nuno Braga se baseou para escrever “A Confissão do Navegador”, a descoberta do Brasil foi tudo menos acidental. Foi uma grande empresa da realeza Portuguesa, no seguimento da descoberta dos arquipélagos, do desbravamento da costa Africana e da busca incessante pela rota marítima para a Índia. O livro parece debruçar-se sobre dois momentos distintos em que Duarte Pacheco Pereira pôs a sua vida ao serviço do país: o primeiro determinaria as exigências de Portugal aquando das negociações para o Tratado de Tordesilhas (1494: o Mundo fica dividido em dois, cada metade a ser concedida aos Portugueses ou aos Espanhóis para exploração de novos territórios). O segundo solidifica o comércio entre o ocidente e o oriente, porque, como aliados do rajá de Cochim, houve necessidade de combater as pretensões dos mouros na Índia e de acabar com a sua sobranceria nessas paragens. De ambas as vezes, o autor narra as dificuldades, as estratégias, os receios de um homem que pôs a vida ao serviço do reino, e que com isso alcançou a glória e sofreu amargos desgostos e desconsiderações, em parte pelo absoluto sigilo em torno das suas missões.
O trabalho histórico está bem conseguido – sobretudo a nível de vocabulário, técnicas de navegação, conhecimentos marítimos, cartografia, etc. Surgem algumas pequenas falhas a limar por parte do autor em livros futuros (a menção a eucaliptos em Portugal no séc. XV, por exemplo, quando apenas chegaram ao nosso reino em 1860, aproximadamente).
Para uma estreia no romance, a narrativa é bem ritmada – um tanto apressada, por vezes, mas não é necessário enrolar. Os diálogos demonstram a formalidade da época, pelo que de início podem soar um pouco forçado mas depressa nos sintonizamos para as vozes dessa época.
Não é nenhuma epopeia que aqui se narra, mas sim uma missão secreta que o país, ainda hoje, ignora grosseiramente. Eu própria desconhecia esse facto até ler a sinopse deste romance. Da próxima vez que me perguntarem quem descobriu o Brasil, responderei “Duarte Pacheco Pereira, em 1493”. É sempre pertinente um livro que chega e muda a nossa perspectiva do que nos era sólido, e agrada-me saber que a História de Portugal continua prenhe de eventos como este.
Classificação: 3,5***/**

Sinopse: Corre o ano de 1493. D. João II convida o navegador Duarte Pacheco Pereira a conhecer Cristóvão Colombo. Joga-se o destino de Portugal e do próprio Duarte Pacheco Pereira, incumbido de uma missão secreta que o leva aos confins do Atlântico. Neste empolgante romance histórico desvenda-se a figura pouco conhecida do navegador descrito por Camões como o «Aquiles lusitano». Do perigo dos mares ao calor da Índia e da batalha, somos levados para uma época envolta em segredos, conspirações e relações proibidas. A ambição de um reino muda a vida de um homem dividido numa busca espiritual entre a lealdade e o amor.

domingo, 24 de abril de 2016

#159 CHASE, Loretta, Sedução de Seda

Sinopse: O apelo do vestido perfeito consiste em duas partes: as senhoras devem desejar vesti-lo, e os senhores devem desejar despi-lo 
A ambiciosa e talentosa modista Marcelline Noirot é uma estrela em ascensão na chique cidade de Londres. E quem melhor beneficiaria do seu talento, se não a dama mais mal vestida de Londres, a noiva do duque de Clevedon? Conseguir o mecenato da futura duquesa significaria mais prestígio e fortuna para Marcelline e para a sua família. Para chegar até ela precisaria, contudo, de atrair as atenções do duque, um cavalheiro cujos padrões de estética são elevados, mas os padrões morais... já não.
Parece valer a pena. No entanto, quando Marcelline se encontra com ele, Clevedon projeta uma sedução tão irresistível como os vestidos que ela costura e cria, e o que começa por ser apenas uma faísca de desejo, depressa se torna num delicioso inferno... e um ardente escândalo. Será suficiente os seus destinos estarem apenas suspensos por um fio de seda?

Opinião: Comprei este livro em Setembro do ano passado. Foi um mês em que trabalhei 30 dias, todos os dias, e não só 8 horas por dia. Fui guia e agente de viagens, fiz transfers às três e às cinco da manhã para o aeroporto e deitei-me às tantas para dar o jantar aos meninos e conviver com eles. Sem falar que desci as escadas do Bom Jesus e, perto disso, as tremuras nas pernas depois da descida do castelo de Beja não foram nada. Isto para dizer que não tinha tempo, nem interesse em lê-lo. Ainda bem... Vim pegar-lhe numa fase em que não me apetecia ler nada, em que os livros "bons" são demasiado difíceis para o meu estado de espírito, e os livros de chacha (romances cor-de-rosa) já me parecem todos iguais. 
Este livro surpreendeu-me. Faz parte de uma série de quatro livros em que as personagens principais são três irmãs costureiras. Aqui começa a desconstrução dos romances do género. Marcelline não é nobre, não é desfavorecida, não é virgem. Gervase Clevedon nunca é mencionado como sendo "libertino". Finalmente! A história é diferente, tem humor, e as personagens estão muito bem construídas...
Marcelline é determinada, competente, trabalhadora árdua, ambiciosa e engenhosa. Não temos como não torcer para que os seus esforços dêem frutos. Não há aquela história do mal entendido que depois se resolve. Cada personagem é adulta e tem os seus dilemas.
Clevedon é cativante, protector, teimoso e tão determinado quanto Marcelline, mas pareceu-me a personagem mais fraca. Enquanto ela tinha garra e paixão, ele vê-a a todas as horas e parece incapaz de existir para além disso. Mas o amor é tantas vezes assim... A pessoa deixa de ver o que a rodeia e o que lhe está debaixo do nariz...
Não gostei de algumas (muitas) repetições - fizeram-me a papinha toda, não deram espaço a deduções. Não gostei de tantas menções ao diabo e a Belzebu e ao demónio e etc. É básico e old fashioned associar pessoas que jogam ou que têm vidas de moral duvidosa a coisas demoníacas, no sentido expressivo. "Eram aparentadas com o diabo, de tão traiçoeiras" - algo do género. São forças de expressão, mas houve ocasiões muito rebuscadas. Não sei se o mal é da tradução ou do original. 
No geral diverti-me, sempre soube onde isto ia, e adorei ler os detalhes todos da época com que a autora enriqueceu o livro. Localizações, a sociedade inglesa e a parisiense, os hábitos, os trajes, os jogos hierárquicos. Houve momentos de grande articulação. Adorei, mas penso que não vou ler o seguinte. Não li boas críticas a seu respeito.

Classificação: 3,5***/**

sexta-feira, 8 de abril de 2016

#158 FACIOLINCE, Héctor Abad, Oculta


Sinopse: «Emergi muito devagar à superfície do lago, tentando não fazer barulho. A minha boca aberta começou a engolir ar uma e outra vez, a toda a velocidade. Duas, três, cinco, sete vezes. O coração ribombava-me no peito como o bombo mais imponente de uma banda de aldeia. Ouvi vozes e insultos provenientes da casa. Vários feixes de luz perscrutavam o lago. Voltei a mergulhar. […] Não via nada debaixo de água, nem que abrisse os olhos: era uma barreira viscosa, negra, fria, que com a pressa de fugir parecia uma sopa de óleo que me untava os braços e as pernas e me obrigava a avançar devagar, por mais que os agitasse com todas as minhas forças.»
Assim começa um dos episódios mais dramáticos deste romance que gira em torno de La Oculta, uma propriedade escondida nas montanhas da Colômbia. Pilar, Eva e Antonio são os últimos herdeiros desta terra, que passou por várias gerações da família. Aí viveram os momentos mais felizes das suas vidas, mas também tiveram de enfrentar a violência e o terror, o desassossego e a fuga. A partir das vozes dos três irmãos, do relato que fazem dos seus amores, medos, desejos e esperanças, com uma paisagem deslumbrante como pano de fundo, Héctor Abad Faciolince mostra as vicissitudes de uma família e de uma povoação, assim como o momento em que o paraíso está a ponto de se perder. 

Opinião: “Gosta-se de uma quinta como se gosta de um marido, de uma mulher, de um velho amor a que dedicámos muito tempo e quase todas as nossas energias. Aprendemos a gostar dela quando éramos crianças, por via de uma felicidade genuína, espontânea, à primeira vista, no sol da infância e nos dias azuis.” 
“Oculta” (Quetzal, 2016) é o mais recente romance de Hector Abad Faciolince. A perspectiva deste colunista que vive em Bogotá é a de uma Colômbia desde o seu baptismo como Nueva Granada, colonizada de negros, espanhóis, missionários, judeus, mercenários e cafezeiros, até se tornar num país que começa a abrir-se ao progresso.
Ainda que a espinha do romance seja a história da família Ángel, o apeadeiro é La Oculta, a propriedade que a família detém há séculos. O livro delineia-se a partir do paralelo casa/passado. Três irmãos – Eva, Pilar e António (Toño) exprimem os seus pareceres a três vozes muito distintas.
Toño é apaixonado pelo passado, pelo que está empenhado em reconstruir os passos da família desde a sua chegada às encostas de Jericó. Homossexual, teve de deixar o meio fechado da Antioquia (que qualifica de tosco, homófobo, racista) para poder viver sem preconceitos em Nova Iorque.
Eva narra, sobretudo, as suas aventuras amorosas e um episódio que macula as lembranças felizes de La Oculta: aquele em que paramilitares e a máfia local se juntam para tentar expropriá-los da sua terra.
Pilar é a irmã um tanto tacanha, que nunca saiu da Colômbia, porém plenamente resolvida no amor. Vive um casamento de várias décadas e valeu-se do seu pragmatismo e zelo para cuidar da família, personificando assim a tradição e o imaginário do povo colombiano.
O ritmo do romance é bem compassado, porém são as personagens que ficam um pouco aquém, por até meio do romance parecerem decalques já encontrados um pouco por toda a literatura. Toño, efeminado desde pequeno por ter sido cuidado pela mãe e pelas duas irmãs, que abomina o trabalho braçal e cuida das mãos, e que não gosta de brincadeiras de rapazes e que é casado com um gay artista (e sensível).
Eva, mulher sem defeitos, linda, inteligente, várias vezes casada e outras tantas divorciada, amante de desportos e um tanto leviana.
E Pilar, a “matrona” que dedicou a vida aos interesses da família.
Algumas asserções podem gerar controvérsia, como a de que “as mulheres não querem saber do passado”, por serem práticas e viverem para as tarefas do dia-a-dia e para os desafios conforme estes se lhes apresentam, enquanto o homem parece um passo à frente na racionalidade e busca nas entrelinhas do seu passado um sentido para o seu presente.
A História do país vem assim desvendada por intermédio da história destes judeus convertidos. Os jogos políticos e o estabelecimento de hierarquias locais enriquecem em muito a narrativa, assim como a formação do poder local, sob a forma de máfias e de força militar corrupta. Sem dúvida, um autor a acompanhar.
O despertar para a intimidade dos três irmãos surge de modo delicado e explícito, o que consagra a destreza do autor para ilustrar episódios épicos e outros do foro pessoal com a mesma intensidade. 
Um romance que prima pelo retrato meticuloso da Colômbia nos últimos séculos, e que é quase um ensaio romanceado sobre a formação de um país.

Classificação: 3***/**