Título oficial: La Grande Bellezza @ 2013
Realizador: Paolo Sorrentino
Actores principais: Toni Servillo, Carlo Verdone, Sabrina Ferilli
Classificação IMDb: 7,8
Minha classificação: 9,0
Prémiações: Óscar de Melhor Filme Estrangeiro, Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro
Prémiações: Óscar de Melhor Filme Estrangeiro, Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro
A Grande Beleza é um filme
arrojado, desconcertante, que nos obriga a olhar para nós próprios e para a
nossa posição face à sociedade. É também uma análise dura a essa mesma
sociedade, num tom ora indulgente ora acusatório. Sendo Gep Gambardella (Toni
Servillo) o espectador, somos simultaneamente a sua consciência e o seu juiz.
Isto porque Gep tem visão, tem consciência, tem uma voz que vai narrando a sua
percepção do que o rodeia ao longo do filme.
“Se mesmo Flaubert falhou ao
escrever um livro sobre o nada…” Sendo esta, sem dúvida, a frase mais
significativa do filme. Gep está rodeado de um nada absoluto – um nada de
espírito e de beleza que o impede de criar um novo livro.
Gep, jornalista, escreveu um
livro “O Aparelho Humano” há quarenta anos, o que lhe valeu um lugar na sociedade entre uma
classe alta em decadência e uma nobreza falida. Desde então é um frequentador
de festas, um amante de álcool, um praticante de sexo casual. As pessoas
circulam pela sua vida sem deixar marca, tudo numa superficialidade que, por
vezes, roça a hostilidade. Ninguém está limpo e todos conhecem os podres uns
dos outros. Pessoas que teriam tudo para ser felizes – dinheiro, estatuto -,
mas a quem falta nobreza de alma e força de espírito. Ainda assim, os diálogos
são ilustrativos da falência dos valores e, em geral, cativantes e
espirituosos. Cada linha do guião é algo de maior, susceptível a interpretação.
Gep está perdido, tem estado
perdido há quarenta anos. Um assumido misantropo que pertence à classe que tanto o repugna. Não há nada de sagrado na sua vida excepto, talvez, o
grande amor que perdeu na juventude. Ele próprio tem noção da mediocridade da
sua “obra”, da nulidade da sua pessoa como escritor e jornalista. Nunca se sabe
porque Elisa o deixou; a vida é mesmo assim, um grande e incómodo ponto de
interrogação. Mas consta que o amou a vida inteira, e essa descoberta causa
incredibilidade e lança-o numa reflexão pessoal. Caminha então, só e
nostálgico, pelas ruas da Cidade Eterna. Terá Elisa amado o homem que se deita
quando os outros se levantam? Ou terá amado a camada interior dele, a que
encarcerou ao lançar-se numa vida de excessos na capital?
Roma surge fotogénica, melancólica,
também ela as ruínas graciosas de um Império caído. No interior dos seus
palácios arruinados consomem-se drogas, engatam-se pessoas cujos sonhos foram
destruídos ou se projectam prenhes de frivolidade, dão-se festas, convive-se com
anões, esquizofrénicos, adúlteros, viciados na noite, toxicodependentes, strippers,
noviças, até surge uma “Santa” mais para o final da trama. Um apontamento
comovente, por entre tanta loucura, o momento de nos reencontrarmos com a
firmeza das crenças e da vontade de se fazer a diferença e de se honrar a obra
que é o mundo. É a peça-chave do filme; alguém que vive de convicções por entre
pessoas que são nada e que se arrastam vazias, sobre os tacões, de divertimento
em divertimento.
Um filme de grande beleza que
lida com o feio, com o absurdo. Uma voz que tem consciência do ar que respira e
que, ainda assim, escolhe cirandar por esse meio, julgando-se, quem sabe,
superior. Um homem que não tem nada; nem filhos, nem um grande amor, nem amigos
sinceros, nem inspiração para retomar o sucesso literário, nem tempo. Dando-se
conta do que perdeu, do que lhe escorreu por entre os dedos, Gep continua a
sorrir, continua a ser quem sabe ser; dança e bebe no seu palazzo com vista para o Coliseu.
O absurdo da sociedade moderna,
assim exposto, causa um certo incómodo. Um homem que vê, que sente – ele próprio
garante ter escolhido o caminho da sensibilidade – e que nunca praticou a sua
própria escolha, é decerto um homem desencontrado do seu destino.
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