sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

#143 CRUZ, Afonso, Flores


Sinopse: Um homem sofre desmesuradamente com as notícias que lê nos jornais, com todas as tragédias humanas a que assiste. Um dia depara-se com o facto de não se lembrar do seu primeiro beijo, dos jogos de bola nas ruas da aldeia ou de ver uma mulher nua. Outro homem, seu vizinho, passa bem com as desgraças do mundo, mas perde a cabeça quando vê um chapéu pousado no lugar errado. Contudo, talvez por se lembrar bem da magia do primeiro beijo – e constatar o quanto a sua vida se afastou dela – decide ajudar o vizinho a recuperar todas as memórias perdidas. Uma história inquietante sobre
a memória e o que resta de nós quando a perdemos. Um romance comovente sobre o amor e o que este precisa de ser para merecer esse nome.

Opinião: Fiquei confusa. Não que a história não seja clara, que a narração não seja coesa… Mas é o estilo, se é que lhe posso chamar assim. Um desfile tão incongruente de personagens estranhas que atira o livro para o limbo entre o misticismo de um autor sul-americano e a contemporaneidade de um José Luís Peixoto. A insistência do autor em que todos sejam esquisitos, em que abram a boca por três páginas de monólogo. Isto é: cada personagem que surge, vem com o propósito de contar episódios mirabolantes da sua vida (pisar lagartixas, ter vocação para palhaço, prometer que só volta a chorar quando Constantinopla voltar para mãos gregas, etc.). Resumindo, não encontrei grande originalidade no quadro geral: casamento em ruínas, criança pequena e afectada por essa mudança, velhote solitário e vítima da degeneração das suas capacidades mentais, neste caso a memória. E então a personagem principal, cujo nome não julgo ter apanhado ao longo das 275 páginas, interessa-se pelo passado que o seu vizinho, o senhor Ulme, esqueceu devido a um aneurisma. Compromete-se a recuperar-lho, e é assim que começa o desfile dos monólogos das inúmeras personagens, todas com alcunhas, passados esquisitos, cada uma com um ângulo diferente a respeito do senhor Ulme. Esta é a parte que apreciei: que uns o pintem como tirano, outros como um deus benevolente. Lamento apenas o facto de não ter considerado o enredo muito original, li rápido porque os capítulos são pequenos, a linguagem muito acessível (com aquela repetição em que todos os nossos “grandes” recaem, como se por repetir a mesma frase até à exaustão desse um selo de qualidade ao texto). Gosto do egoísmo, narcisismo e ego evidentes em cada personagem, é nesse sentido que é um livro humano. De resto, parece-me um lirismo um tanto forçado. Não desisto de Afonso Cruz à primeira, mas confesso que esperava bem melhor de um autor publicado na Bulgária.

Classificação: 3***/**

terça-feira, 15 de dezembro de 2015

#142 HARDY, Thomas, Longe da Multidão

Sinopse: Longe da Multidão é um dos romances mais conhecidos de Thomas Hardy. Narra a história de Gabriel Oak e da sua grande paixão pela bela, independente e enigmática Bathsheba Everdene, que chegou a Weatherbury como herdeira de uma vasta propriedade rural. Mas a jovem é também pretendida pelo sedutor sargento Troy e pelo respeitável agricultor de meia-idade Boldwood. Ao mesmo tempo que os destinos destes três homens dependem da escolha de Bathsheba, ela descobre as terríveis consequências do seu coração inconstante. O jogo das personagens, com as sumptuosas paisagens rurais como pano de fundo, contribuiu para fazer deste romance notável um dos grandes clássicos da literatura inglesa.

Opinião: Thomas Hardy, romancista do século XIX, publica "Far From the Madding Crowd" em 1874. Pensando em literatura vitoriana, temos por exemplo, daquilo que li, O Monte dos Vendavais e Jane Eyre (tardo-gótico/naturalista). Em todos é explorada a psique da mulher, o peso de cenários fortes que influcenciam o desenrolar da acção e a fragilidade da mente humana, que tende a ceder sob pressão...
Considerado por alguns "o último dos vitorianos", Hardy, claramente céptico e pessimista, explora as oportunidades, as incertezas e o carácter volátil dos sentimentos. Isto de um modo que introduz já um racionalismo metódico exaustivo. Certo que ele reveu o livro duas vezes em vida exaustivamente - em 1894 e em 1901, se não estou em erro - e decerto introduziu algumas mudanças subtis.
Alguém dizia, no início da sua review a este livro, para esquecermos a ideia de um triângulo amoroso. Em “Longe da Multidão”, Thomas Hardy, este arquitecto que escolhe o mundo rural como cenário da sua obra-prima, apresenta-nos Barthsheba Everdene, Gabriel Oak, Francis Troy e William Boldwood. Não acredito que o acaso represente um papel neste romance, pois apesar da tragicidade de algumas passagens, predomina um racionalismo frio, cru, metódico. Tudo acontece sem dar grande espaço a sentimentalismos, e a narração, na terceira pessoa e alternando, por vezes no mesmo capítulo, da perspectiva de uma personagem para as outras, vem sempre revestida de uma tentativa de aligeirar as emoções sob o verniz da razão.
Barthsheba é uma personagem palpável, de tão humana. Observamos o modo como o autor desenvolve a sua personalidade, de uma jovem que respira liberdade, sem bens nem perspectivas, e depois esmagada pela responsabilidade da herança do tio, oprimida pela miríade de possibilidades que a sua nova condição lhe permite. A inovação aqui consiste em termos um autor masculino de uma erudição invejável – e por vezes constrangedora – a escolher um furacão feminino, com as suas convicções e fragilidades, para eixo central do seu romance. Gabriel Oak parece-me o coprotagonista, no sentido em que acaba por ter um parecer ou uma mão quase omnipresente em quase todos os momentos cruciais do enredo.
Apreciei o modo como a jovem Barthsheba apregoa aos quatro ventos que far-se-á respeitar como uma grande proprietária rural, sem ter de se transformar na sombra de um marido inconveniente. Mais tarde, por obrigação, quase se promete em casamento ao vizinho, Mr. Boldwood, depois segue o coração e recusa-se-lhe, apenas para ir recair numa armadilha do mesmo órgão um pouco mais adiante na estrada, ao deixar-se impressionar pela beleza e os modos do sargento Troy. Gabriel assiste a tudo isto, vivenciando-o na condição de primeiro seu pastor e depois seu maioral. É a figura que elimina todos os rumores a respeito da sua senhora, e que nela deposita uma fé apostólica.
Trata-se de uma narrativa prenhe de humanidade, de calculismo e de ingenuidade, num contraste harmonioso entre expectativa e realidade, bater de asas e consequência. Demorei quatro longos meses a lê-lo, por cada citação bíblica, mitológica ou literária que surgia a enriquecer o texto, pelas descrições extensivas e por vezes extenuantes, e pela complexidade das personagens e das suas circunstâncias.
Atribuo 4,5, os 0,5 que faltam para a perfeição devem-se ao facto de o livro não ter despertado em mim uma paixão fulminante. Entendi a Barthsheba e o Oak, bem como as outras duas personagens principais, mas faltou-me a chama que me traz lágrimas aos olhos sempre que me recordo de "E Tudo o Vento Levou" ou de um "O Monte dos Vendavais", tão grotesco quanto magnífico.
Não lhe falta, porém, elevada qualidade literária. Aconselho a quem aprecia histórias de amor e de terra atribuladas. E há sempre aquele sentimento de realização pessoal quando terminamos um livro desafiante... este foi bastante Hard (tinha a piada em mangas desde que li a segunda linha do dito cujo).

Classificação: 4,5****/*

terça-feira, 8 de dezembro de 2015

2016 em Livros

Prestes a terminar o desafio de ler 25 livros em 2015 (eu sei, é absurdamente pouco), acalento a esperança de que 2016 seja um ano melhor em leituras.

Por isso quero prometer-me o seguinte:

Por mês, ler:

1 livro de autor lusófono
1 chamado "clássico"
1 livro adicional sem critérios de escolha

Não é nada de muito complicado, julgo!

Agora o plano do primeiro trimestre:

Janeiro
1) Flores, Afonso Cruz
2) A Um Deus Desconhecido, John Steinbeck
3) O Homem do Castelo Alto

Fevereiro
1) Mar Humano, Raquel Ochoa
2) Quando Nietzsche Chorou, Irvin D. Yalom
3) A Rapariga do Comboio

Março
1) Viagem ao Coração dos Pássaros, Possidónio Cachapa
2) As Paixões de Julia, Somerset Maughan
3) Não Digas Nada, Mary Kubica

Para Dezembro, a ver se ainda...

Termino o Longe da Multidão, Thomas Hardy


segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

#141 PINTO, Margarida Rebelo, Mariana, meu Amor

Sinopse: No século XVII, durante a Guerra da Restauração da independência de Portugal, soror Mariana Alcoforado apaixounou-se por um oficial francês. As cartas de amor que lhe escreveu transformaram-se num símbolo da literatura romântica universal. Trezentos anos depois, Alice, uma jornalista, revisita esta história e aprende com Mariana a vencer a tristeza de um amor perdido. Mariana, meu amor é um romance dentro de um romance, uma narrativa a duas vozes de duas mulheres corajosas que, através de vivências quase opostas, conseguiram desafiar o seu destino e alcançar a paz, sem negar os seus sentimentos mais profundos.

Opinião: Vou tentar ser concisa nesta review, e portanto vou separar as águas por pontos.

Motivação: Voltei a pegar num livro da Margarida Rebelo Pinto, após o trauma anterior, sem sombra de dúvida por causa do chamariz da história da Mariana Alcoforado. Para quem não sabe (e que pelo livro dificilmente entenderá, pelo que aconselho antes a leitura de “Mariana”, da Katherine Vaz), trata-se de uma fidalga encarcerada pelo pai no Convento da Conceição de Beja, na segunda metade do século XVII. Mariana escreveu cinco cartas inflamadas ao seu apaixonado, o Marquês de Chamilly, que andava por cá a combater os castelhanos. O sucesso de vendas foi imediato e duradouro em França, e acabou por ser traduzido noutras línguas. “Cartas de uma Religiosa Portuguesa”. Como já previa, o engodo saiu gorado. A acção nem sequer decorre nessa época, mas sim na actualidade. Uma jornalista anda a registar a história da Soror Mariana. A história de amor disfuncional da jornalista Alice, bem ao estilo de todas as que a Margarida conta desde que aprendeu a escrever, é o fio condutor da história.

Revisão: O livro parece carecer de uma revisão séria. Surgem frases como “O coração, a quem…”, estrangeirismos metidos pelo meio do livro e sem itálico, tipo “out of the blue”, etc., etc. Por várias vezes tive de reler uma frase na tentativa de entender o seu sentido, posto que as vírgulas andavam desencontradas.

Romance contemporâneo: Como escritora, antiga estudante de literatura, não entendo como a Margarida pode ter adoptado este estilo. Não é “leve”, é “pena”. Profundidade nem vê-la. A escrita é acessível à minha irmã de 9 anos, com algumas deixas a respeito de tecnologias que me deixaram de sobrancelha erguida. “O Pedro mandou-me um Whatsapp”. Eu pensava que o Whatsapp era uma aplicação, e que se diria algo como “O Pedro mandou-me uma mensagem no Whatsapp”. Afinal, parece que podemos mandar a aplicação uns aos outros e com texto incorporado. O Pedro é o “vilão” deste livro. Com a Guida há sempre um tipo que lixou a vida da principal, que a ama mas é um cobarde, que a deixou e não responde às mensagens. E há a miríade de frases que começam com a filosofia barata "Os homens isto", "As mulheres aquilo". Nesta “obra” não é excepção. A Alice meteu-se com um homem casado, que não deixa a mulher e os filhos por ela. Surpreendeu-me ter gostado q.b. deste enredo até à página cem. Foi a descrição do Rio de Janeiro e dos brasileiros, e também das pessoas com quem a Alice se ia cruzando, as águas de coco, o paredão e algum conhecimento evidente da cidade sobre a qual se escrevia e dos hábitos culturais dos cariocas. Havia a certeza da Alice de que o Pedro gostava dela, mas era demasiado cobarde para arriscar mudar de vida. Pronto, até à página cem funciona. Depois torna-se maçador, é sempre mais do mesmo. Todos lhe dizem que é linda e deveria seguir em frente. Basicamente, o romance contemporâneo são duzentas e cinquenta páginas de uma Alice a lamuriar-se, enquanto se diz forte e independente, e enquanto os outros lhe elogiam a liberdade. São duzentas páginas de “ele não me liga nenhuma”, e de “não consigo esquecê-lo”, e da história da Mariana enfiada pelo meio, a ultrapassar o Nöel à força, à laia de lição de vida amorosa. Incongruências? Os pais da Alice são toxicodependentes, mas nunca bateram à porta dos pais a pedir dinheiro, nunca procuraram a filha com esse fim. Quando o pai morre, deixa mil e setecentos euros e o hospital pago em antecipado. Que rico drogado este, que em três décadas manteve sempre o controlo sobre o vício e ainda morre num hospital privado, ainda que sozinho, com quase dois mil euros no bolso. Minha gente… Uma pessoa agarrada ao “cavalo”, como a Margarida se refere à heroína, anda sempre no limiar da miséria. Garanto que não teria um euro no bolso. Enfim, um livro com este enredo, em 120 páginas, até seria minimamente tolerável. De 300 é impensável, repetitivo, aborrecido. Também não gosto da maneira como ela conduz a narrativa. “Acordei às dez, tomei um duche, comi uma maçã e fui às compras. Bebi um café, voltei para casa e escrevi dez páginas do livro novo”. E da futilidade das relações, dos melhores amigos que se fazem após uma conversa, das mil e uma personagens cuja história é resumida em dois parágrafos, do homem que amamos por causa do cheiro, da elegância e do desprezo a que nos vota, do tipo com quem dormimos porque está na hora de seguir em frente e ele estava ali, naquele bar, naquela noite, e nos disse que éramos bonitas. Mas o pior está para vir… Ah, e já vos disse que a alcunha da personagem principal é Açúcar? "Oh Açúcar, tens de o esquecer!".

Mariana Alcoforado: Completamente assassinada. Para quem leu e releu as cartas, como eu, a Mariana não é nada daquilo que a Margarida descreve. E há visões que terei de apagar da memória, para poder preservar a ideia daquela que é, para mim, a mais notável história de amor do nosso país. Maior do que a de Pedro e Inês, que julgo baseada sobretudo em luxúria, e na traição da pobre Constança. A felicidade desses dois constrói-se sobre a desgraça da princesa e a possível perda de independência do reino. No caso da Mariana, falamos da vida pessoal de uma jovem de boas famílias, cuja contrariedade por ter sido fechada num convento transparece a cada palavra das suas cartas. Uma mulher confinada cujas palavras escapam às paredes do convento e chegam aos confins da Europa para confidenciar a sua solidão e o seu amor desmesurado pelo Marquês de Chamilly. É evidente que ele a conspurcou, que ela se deixou ir por acreditar nas suas promessas de amor eterno e de que voltaria para a resgatar do Convento. Porém, e sem me alongar, a abordagem da Margarida é a seguinte: sempre na primeira pessoa, a Mariana narra, ao longo de 4 dias, a sua história de amor a uma noviça muda. Teria então 75 anos e analisa tudo em retrospectiva. Porém, a falta de sensibilidade da Margarida neste ponto do romance é constrangedora. A voz que empresta a Mariana jamais pode pertencer-lhe: esta mulher conformada, entregue à vida religiosa e que se queixa do amor da sua vida, a quem chama “crápula” e outras coisas que agora não me recordo e que me soavam igualmente abrasileiradas. A linguagem está desfasada da época, parece-me. “Devo cuidar da higiene do convento”, ou algo semelhante. Higiene? Este conceito não me parece muito seiscentista. Enfim, o pior mesmo foi o modo como, quase no fim do livro, ela continua a repetir “Benedita, vou contar-te a história deste amor, regista tudo o que digo”. E depois divaga sobre o amor e o sexo – muito entendida, esta freira que só teve um amante, e que foi enclausurada num convento aos dezasseis anos. Mas pior é mesmo o modo como há sempre descrições de sexo nas lições desta Abadessa à sua pupila, de modo vulgar e incomodativo. Toda eu me encolhia ao ler a minha “suposta” Mariana a dizer que o Marquês de Chamilly “a penetrava” assim, a “possuía” assado, mas pior ainda… Que tinha um “membro muito grande”, e que ela lho dizia, ou que uma mulher deve dar prazer ao homem de todos os modos que souber, por exemplo “montando-o”, e que o faziam todas as noites, despachando depois os lençóis para uma noviça lavar. O que me matou (fechei o livro, apaguei a luz e enrolei-me em posição fetal de olhos muito abertos no escuro), foi ler que
o Marquês se vinha no ventre ou na boca dela. Lamento assombrar-vos com o mesmo espectro, mas isto revolveu-me o estômago. Morte ao amor, viva às lições sexuais da freira enclausurada. Não acredito que uma velha abadessa de 75 anos tenha necessidade de contar tais coisas, pensei que falariam do amor, das conversas, dos detalhes do enamoramento, mas não. Aqui fala-se do modo como fornicavam, e basta. Também adorei ler a Mariana a avisar a freirinha dos homens maus, do modo como abandonam as mulheres, como “se não nos respondem às cartas é porque já não têm nada a dizer”, e como há por aí “violadores”. Espantoso o acesso à informação que uma freira enclausurada tinha, e sobretudo o quão progressistas eram estes termos e visões da sociedade. Ah e a HISTÓRIA? Enxurradas de números e datas sobre guerras, e está feito. É mentira, a Mariana é só um engodo para fingir que a MRP é capaz de escrever um romance histórico (nem de época, quanto mais histórico!!!). Se é pela Mariana que vêm, fujam!

Apreciação geral: Tirando partes do romance da tal Alice, a que até achei alguma graça, a mulher não sai do mesmo. A criatura arrasta-se, queixa-se a todos, todos lhe perguntam se está bem, se já o esqueceu… Bem, dá a ideia de que o amor é isto: na gaveta, à espera que ele precise de nós como que a um par de cuecas limpas. E já me estou a repetir, pareço ela.

Duas estrelas: 1 pelo Brasil, 1 porque reservo o 1* somente para livros que nem podem ser apelidados de tal.

Classificação: 2**/***