segunda-feira, 28 de maio de 2018

#193 GREENE, Graham, O Fim da Aventura


Sinopse: A relação amorosa do romancista Maurice Bendrix com Sarah Miles inicia-se nos tempos turbulentos do Blitz, em Londres. Mas, um dia, sem explicação, Sarah termina abruptamente a ligação entre ambos. Parecia impossível que pudesse existir um rival no coração de Sarah, mas mesmo assim, dois anos depois, levado por um ciúme e uma dor obsessivos, Bendrix contrata um detetive privado, Parkis, para a seguir e descobrir a verdade. Esta absorvente e misteriosa história de uma aventura amorosa e do seu místico fim, contada de forma magistral por Graham Greene, foi adaptada ao cinema por Neil Jordan, com Ralph Fiennes, Julianne Moore e Stephen Rea nos principais papéis.


Opinião: O Fim da Aventura foi publicado em 1951, da autoria de Graham Greene, “um eterno candidato ao Nobel”.

O romance permanece contemporâneo no conteúdo, se não na forma. Perguntei-me – sem conhecer o suficiente de literatura – em que categoria enquadrá-lo, e o mais perto que julgo ter chegado é no algures entre o ultrarromantismo do fim do séc. XIX, e o realismo da época em que floresceu. Se, por um lado, as personagens têm todas as nuances de complexidade desejáveis, por outro os sentimentos, o amor – a obsessão – são exacerbados para além do plausível. Depois questiono-me se não será a vida, ela mesma, uma série de acontecimentos extraordinários, que escapam à chapa preta e branca dos outros que acabam por se ver esquecidos. E, nesse caso, não terá Graham Greene contado esta história de acontecimento extraordinário em acontecimento extraordinário, ocultando o nada que faria deles plausíveis? Ou, mais precisamente, de emoção avassaladora em emoção avassaladora, até que todas as emoções já nos parecem banais e iguais em intensidade, e a personagem principal, que narra os acontecimentos, torna-se um histérico desequilibrado, conquanto não difira muito de todos nós?

O livro é sobre Sarah Miles. De início, julguei que fosse sobre Maurice Bendrix, o escritor que se compromete, às primeiras linhas, a alinhavar um “diário do ódio”. Depois, a cada vez que evoca Sarah nas suas memórias, damo-nos conta de que a verdadeira dinâmica é ela, a personagem mais vívida, com contornos mais realistas – e em simultâneo mais etéreos – é ela. Sarah vista a várias luzes. Aos olhos do apaixonado e ciumento Bendrix, à luz do marido que a estima, mas que é incapaz de sentir paixão, pela perspectiva do Padre a quem se confessa, quando sente que mais ninguém lhe pode valer, etc. Sarah sob várias perspectivas, para uns uma santa, para outros, e para ela mesma, uma prostituta e uma impostora.

O livro é também sobre pessoas imperfeitas, tão intrincadamente envolvidas uma nas outras que se gera uma corrente de energia, em que amar uma é amar todas, e odiar uma é odiar todas, e o amor é a outra face desse ódio, e acaba-se por se amar o que se considera patético, e por se odiar o que nos é essencial à vida.

O retrato psicológico de Bendrix é o de um homem reservado, metódico, nada leva a crer que seja dado a grandes aventuras. E, no entanto, é um homem cuja obsessão pela Sra. Miles torna instável. Porquê “obsessão”, assim tantas vezes repetida? 

“Tinha de tocar-te com as minhas mãos, de saborear-te com a minha língua; não se pode amar e não fazer nada."

Porque, para Bendrix, o importante é possuir Sarah, em todas as possíveis interpretações da palavra. Tê-la para si. Ocupar-se da sua mente e corpo. Garantir que ela não é e jamais será de outro. Chega a dizer que um amante, por vezes, gostaria também de ter sido pai e irmão, para assim se ver na posse de todos os momentos, de todas as lembranças, relativas ao objecto cobiçado.

Sem dúvida um contributo para a compreensão da frágil condição de amantes (=pessoa que ama), e de humanos. Graham Greene conseguiu que os bombardeamentos em Londres ficassem para segundo plano, porque aquelas pessoas estão tão centradas em si próprias que nada mais lhes interessa. Um romance de simplicidade desarmante, que acaba por primar pelo detalhe com que explora a natureza humana. Recordou-me o meu adorado Somerset Maugham, e o seu O Véu Pintado.

Classificação: 4/5*****

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