quinta-feira, 13 de junho de 2019

#222 NÚNCIO, Maria José da Silveira, Brincadeiras de Irmãs

Sinopse: «E, por vezes, dava-me ideia de que tu, que és a minha irmã, sabias. Que, apesar do meu silêncio e das palavras que não se desprendiam, estranguladas na garganta, tu sabias.»


Partindo da morte de um antigo primeiro-ministro, figura prestigiada e reconhecida na sociedade, desvendam-se os segredos familiares que, em noites longas e corredores escuros, engendraram a complexa relação entre duas irmãs, presas numa teia de silêncios e entreditos, em que se confundem amor e raiva, medo e culpa, vingança e perdão.

Opinião: Já anteriormente havia lido parte de Calor, da mesma autora, e verifico que o tipo de narrativa é semelhante em "Brincadeiras de Irmãs".


Creio tratar-se de mais um caso de fluxo de consciência, em que as personagens estão cativas de uma espiral vertiginosa de acontecimentos, geralmente pouco relevantes, e em que o leitor vai extraindo o sumo dos factos que importam e que contribuíram para o trauma, a dor, a omissão em que as personagens que nos oferecem este discurso incorrem. Julgo não proferir um disparate se disser que, nestes casos, estamos sempre perante discurso direto, com um narrador presente e emocionalmente instável, incapaz de se libertar dos seus fantasmas, enleado em pensamentos circulares e claustrobóficos. Gostei do tema, da visão a partir da qual a história nos é oferecida - uma irmã, a outra - a autora parece-me prolífera em escolher assuntos pertinentes, dolorosos, do tipo que retalha famílias e corrompe pessoas que, de outro modo, seriam perfeitamente comuns e bem inseridas na sociedade. Penso que será o caso do seu O que se cala é como se não existisse, que aproveito para elogiar, mesmo sem ter lido, por saber que tem como figura central uma mulher magoada e vítima de circunstâncias difíceis. Ainda bem que, por fim, a mulher quebrada é tema na literatura nacional.

É um livro pequeno, numa edição equivalente a um livro de bolso que me parece muito prática, com uma revisão cuidada e apenas 158 páginas de discurso escorreito. O leitor é facilmente apanhado nesta torrente de acontecimentos, e iniciado ao núcleo disfuncional e enlouquecedor desta família de um ex-primeiro ministro nacional, onde nada é o que parece, porque tudo é feito ao serviço das aparências.

Um bom retrato da nossa sociedade, das nossas elites, dos nossos silêncios por vergonha e embaraço. Dos nossos muito portugueses e fatais Chius.

Também disponível em e-book.
Classificação: 4/5*****

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