quarta-feira, 16 de outubro de 2013

#104 SHREVE, Anita, Testemunho

Sinopse: Uma pequena cassete de vídeo chega às mãos do director da conceituada Academia de Avery - uma catástrofe de proporções que ninguém será capaz de prever. Mais chocante do que os actos sexuais nela gravados é o facto de terem sido protagonizados por três rapazes com idades compreendidas entre os dezoito e os dezanove anos e uma rapariga de apenas catorze. Qual caixa de Pandora, a gravação desencadeia uma tempestade de vergonha e recriminação que se abate sobre a pequena comunidade, revelando uma intrincada teia de segredos e mentiras. Homens e mulheres, adolescentes e adultos envolvidos no escândalo tentam decifrar os acontecimentos daquela noite e os seus efeitos. Mike Bordwin, o director, quer a todo o custo conter o escândalo e salvaguardar a reputação da escola; Silas Quinney, um popular aluno, sofre as consequências dos seus actos, enquanto Anna, a mãe, enfrenta as suas próprias faltas; e Sienna, uma jovem enigmática e perturbada, não olha a meios para esconder o seu passado. As imagens reveladas suscitam mais perguntas do que respostas. Como foi possível tal comportamento no seio de um ambiente tão selecto? Quem é culpado e quem é inocente? Podem as consequências de um acto imprudente ser travadas ou o futuro de todos os envolvidos será irremediavelmente destruído? À medida que o coro de vozes se levanta, revela-se a surpreendente verdade sobre os acontecimentos daquela noite, e as vidas de todos os envolvidos serão transformadas para sempre.

Opinião: Um dos meus livros favoritos, lido em 2004 salvo erro, foi escrito pela mão de Anita Shreve. “A Praia do Destino” traduz uma visão única da condição humana e derruba barreiras quanto a questões regidas pela moral do senso comum. Um caso entre uma jovem de quinze anos e um médico de quarenta e um, ainda por cima casado, ainda por cima em 1899, é um desses casos de moral indiscutível. Mas a autora conseguiu promover um debate a fazer da humanidade e das circunstâncias, e foi isso que me comoveu e me rendeu nessa leitura. Um vídeo onde uma rapariga de catorze anos (por Deus, a minha irmã tem treze!), sexualmente experiente e madura, tem relações com três rapazes de dezoito e dezanove anos cai também na condenação moral do senso comum.
Uma cassete chega à posse do director da reputada Academia de Avery, no Vermont, onde a natureza dos actos registados constitui um crime. Acusados de abuso sexual, os três rapazes enfrentam a justiça, os pais e a própria consciência.
Trouxe este livro para Itália com esperança de fazer rendê-lo mas, apesar de ter dormido apenas três horas esta noite, o apelo durante o voo suplantou o cansaço e li as últimas cem páginas de enfiada. A abordagem da autora é única; cada um dos muitos envolvidos vai-se pronunciando a respeito do caso, e com estes recortes constitui um recorte alargado das consequências daquele “deslize” para toda a gente.
Cada personagem tem uma voz única, de início pode parecer que são muitas personagens, mas os capítulos são curtos e fui apontando os nomes dos envolvidos, dos pais, do director, do director que veio substituí-lo, da empregada do refeitório, do jornalista, da enfermeira, do xerife da cidade, etc. Cada relato é multidimensional, proferido em tom pessoal, e ajuda a compor os acontecimentos da noite de 21 de Janeiro em Avery, e também as consequências que daí advieram e os motivos que levaram a esse desfecho.
Afinal, falamos de dois casamentos afundados, um desgastado, uma morte, várias demissões, dois jovens com futuros promissores expulsos, um caso amoroso trágico e uma série de acasos inofensivos que, conjugados, culminam numa catástrofe. É precisamente isto que aprecio na Shreve; como o aparente “pouco” pesa tanto consoante as circunstâncias. Com esta aurora há sempre um cair das máscaras, um cavar mais fundo, um silenciar de coisas importantes, um deduzir, um calcular, um falhar. Adorei o modo como a autora conduziu o livro e as conclusões que dele tiramos; não há inocentes nem culpados, são todos vítimas das circunstâncias e, quase no fim, quis chorar. Ela faz-me sempre isto; chorei a ler “A Praia do Destino”, chorei a ler “A Casa na Praia”, chorei próximo do fim do “Casamento em Dezembro”, e choraria certamente neste não fosse o casal britânico a meu lado no avião.


Não consigo despregar-me da certeza de que estou perante um/a dos/as melhores escritores/as contemporâneos/as da actualidade. Não é um livro para estômagos fracos, porque a escritora não força o drama – nem floreia demasiado – mas é crua. E essa crueza revela o que de mais sujo e inquieto reside em cada um de nós. Perturbador, pertinente; um triunfo por entre a obra da autora, que assim se supera de novo.

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