segunda-feira, 16 de junho de 2014

#112 ZUSAK, Markus, A Rapariga que Roubava Livros


Sinopse: Molching, um pequeno subúrbio de Munique, durante a Segunda Guerra Mundial. Na Rua Himmel as pessoas vivem sob o peso da suástica e dos bombardeamentos cada vez mais frequentes, mas não deixaram de sonhar. A Morte é a narradora omnipresente e omnisciente e através do seu olhar intemporal, é-nos contada a história da pequena Liesel e dos seus pais adoptivos, Hans, o pintor acordeonista, e Rosa, a mulher com cara de cartão amarrotado, do pequeno Rudy, assim como de outros moradores da Rua Himmel, e também a história da existência ainda mais precária de Max, o pugilista judeu, que um dia veio esconder-se na cave da família Hubermann. Um livro sobre uma época em que as palavras eram desmedidamente importantes no seu poder de destruir ou de salvar. Um livro luminoso e leve como um poema, que se lê com deslumbramento e emoção.

Opinião: A Rapariga que Roubava Livros é uma história inesquecível. Cada personagem é mais memorável do que a outra, mas o ponto mais precioso de todos, onde o autor prima, é nas relações interpessoais.

A Morte é a narradora, o que causa arrepios ocasionais ao leitor, mas também nos transmite uma sensação de pequenez que vem a calhar em certas épocas da história. Quando nos consideramos maiores e super-poderosos, vem a morte dizer que nos observa de cima. Que nos acolhe no último momento, sem se impressionar com os homens e com as suas vilezas.

A Morte, que em 1943 diz ter estado em toda a parte, graças ao Fürer, narra-nos aqui a história de Liesel Meminger e das vezes em que as duas se cruzaram. A pequena órfã da rua Himmel (Céu), nos subúrbios de Munique, fora acolhida pelo acordeonista Hans Hubberman e a sua mulher com a estrutura de um roupeiro, Rosa Hubberman.

Tantas vezes lemos sobre a II Guerra Mundial, sempre da perspectiva dos aliados, das vítimas arrastadas para um conflito acicatado pela ambição doentia de Hitler, ou da perspectiva dos judeus estilhaçados pela sua loucura. Aqui temos um romance que nos mostra os alemães perante o Fürer, pálidos, trémulos, receosos, de boca amordaçada e membros agrilhoados. Nada de se rebelarem, nada de terem pena, nada de se permitirem ser humanos, nada de desobedecer. Liesel não entende bem o que se passa, só sabe que há fogueiras de livros proibidos, fome, pessoas a serem arrebatadas aos seus lares e aprisionadas na farda da Alemanha nazi. Fanáticos – também os há -, que só atendem os clientes se estes erguerem a mão e bramirem Heil Hitler.

Esta é uma história de corações humanos que são obrigados a silenciarem-se pela loucura geral. É uma visão única da guerra, pela perspectiva alemã, que nos mostra relances de caridade e gentileza. Cada interveniente na vida de Liesel é enternecedor, pessoas vibrantes e cheias de personalidade; o papá, de cigarro ao canto dos lábios e olhos cor de prata, a mamã a chamar nomes a toda a gente – especialmente aos que ama – o seu amigo Rudy, de cabelos cor de limão, a pedir-lhe um beijo. Max e os seus desenhos, a sua saudade e a sua angústia face à família judaica que lhe foi arrebatada. As noites no abrigo antiaéreo e uma menção ao dia de Julho em que a Operação Gomorrah arrasou 45 mil vidas em Hamburgo, onde eu própria estive. Tanta dor, tanta perda... e tão real. Eu diria até, tão recente. E a Morte, como testemunha-mor, a expor os eventos de forma inesquecível, arrebatadora, única. Um livro sem igual, que quebrou o meu jejum literário de 2014. Vejam também o filme, o casting é perfeito.

Classificação: 5*****

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