Eu
gostava de poder ignorar as histerias colectivas, mesmo porque não me é muito
habitual fazer parte delas, mas adiante… É difícil.
Desconfio
sempre do filme muito aclamado, do músico muito premiado, do livro muito
vendido. Isto porque, e perdoem-me o snobismo, tudo o que é consumido à
escala de fast food é porque tem
características pouco complexas, estandardizadas, que vão ao encontro das
massas e que, portanto, cumprem requisitos “mínimos”. As massas, na minha
opinião, são ignorantes. Encaixo-me nelas em muitos estádios de ignorância,
cada um tem aquilo onde fica às aranhas e aquilo que é a sua praia. A minha
praia são as artes. A literatura, sobretudo. Não significa que não me perca se se
falar de steampunk. Vamos lá ver a
espécie de coisas que andou nas bocas do mundo ultimamente:
As
Cinquenta Sombras de Grey (já aqui escrevi que até a minha avó, que sabe que
adoro ler, me veio perguntar se tinha ficado para trás das suas amigas
reformadas que andavam a ler “As Cinquenta Cores”).
A
Piradinha.
Avatar.
O
Show das Poderosas.
Hannah
Montanah.
O
Código da Vinci.
As
Cinquenta Sombras de Grey.
Crepúsculo.
O
Segredo, da Rhonda Byrne.
Casa dos Segredos.
Harlem
Shake.
One Direction.
As
Cinquenta Sombras de Grey.
Frozen.
Lady
Gaga.
Pulseirinhas
de elásticos.
Violetta.
As
Cinquenta Sombras de Grey, já mencionei?
Em
que consiste tudo isto? Além da palavra óbvia que ocorre? Diria que consiste
numa linguagem universal, básica, simplista, que unifica todos sem excluir
ninguém e que é acessível, pelo seu baixo grau de complexidade, a todos. Trata-se de levar as massas no bico e enriquecer com a falta de selectividade e refinamento e fraco nível de exigência do público.
Gangnan
Style nunca ninguém entendeu que raio é que o homem dizia, Harlem shake idem.
Avatar? Uma espécie de Atlântida da Disney mas com recurso à nova tecnologia e
a óculos 3D, vamos lá pôr-nos na vanguarda da tecnologia. Crepúsculo? Ai, que
inovador, transformar o mau no galã da fita. Dá comichões na passarinha das teenagers, mas o pior é que muitas
adultas também se deixaram abalar.
Por que
venho eu com este discurso arrogante e pretensioso, afinal? Quem sou eu para achar
que os gostos se discutem? Passando adiante da certeza de que gostos são
gostos, na minha modesta opinião, os gostos sempre se discutiram, e isto
preocupa-me.
Preocupa-me
porque a literatura foi inundada por livros eróticos, livros não mais elaborados
do que os da Harlequin da caixinha de sapatos da minha avó, que eu ia quando
era pequena apenas porque tinha curiosidades que não podia discutir (o Google não
existia, arrisco-me a dizer!).
Assusta-me
que as pessoas gastem rios de dinheiro para levar os filhos ao concerto de
Tokyo Hotel e que acampem à porta do Pavilhão Atlântico (agora Meo Arena, para
quem veio há umas semanas do concerto da Violetta). Assusta-me que o franchising do Frozen não cesse de
render dinheiro à Disney, quando se trata de um filme perfeitamente vazio. “Ah
e tal sou muito moderna e independente e o filme não fala sobre um casal, é
inovador e fala do amor entre irmãos”. Uma coisa cheia de lacunas, apressada,
em que os grandes protagonistas são as paisagens de neve, um boneco de neve e o
vestido da “rainha da neve”. Um filme sem diálogos, sem profundida, caído em
clichés e lugares-comuns, mas com uma música que fica no ouvido e que é
repetida até à exaustão.
E
agora As Cinquenta Cores (prefiro a versão da minha avó), essa bosta
de livro. Uma coisinha insonsa em que a autora (sou só eu que acho a
protagonista do filme, a Dakota Johnson, uma versão mais jovem da E. L. James?)
celebra a sua inovação por ter aberto as portas a mais uma cultura de
histerismo? Ah, de repente as pessoas recordaram-se que há uma coisa chamada
chicote e algemas. Antes também havia, mas era coisa de malucos que passam
demasiado tempo a jogar videojogos e que têm pancada e deviam ir ao médico. De
repente a senhora estava aborrecida, pega no Crepúsculo e distorce-o, removendo
os dentes ao vampiro e inserindo atilhos e tampões anais no enredo, e a coisa
vira um fenómeno viral. De repente, pessoas que nunca liam livros inscreveram-se
na rede social para bookaholics (Goodreads,
não sei se há mais), atribuíam-lhe a pontuação máxima e diziam que nunca tinham
lido um livro melhor. Envolviam-se em discussões intermináveis sobre o quanto
os outros eram conservadores e quadrados por não entenderem o quanto a autora é
arrojada (e sensual, nossa, que sensualidade!) ao colocar o senhor Grey a
remover o tampão à mocinha antes de a *****. De repente, as mamãs compravam
baby-grows para os bebés a dizer “Há nove meses atrás a minha mãe leu As
Cinquenta Sombras de Grey”, o que até é irónico, tendo em conta a triste
qualidade da informação lá passada acerca de contracepção, que poderia levar a
uma gravidez indesejada. Tenho pena dos maridos, porque parece que algemas,
tampões para orifícios até aí negligenciados, chicotes (e até corda e
fita-cola!) começaram a voar das prateleiras. Há alturas em que me ponho no
lugar dos homens e tenho compaixão deles. Imagino a cara dos chatos dos
conservadores que queriam tratar a mulher com respeito e tal, e ela lhes mete a
chibata na mão e pede que lhes aplique umas chicotadas.
A
graça maior é que as mulheres são um público – lamento dizer – fácil de
convencer. Um bocado como as crianças: os produtos que lhes são direccionados
só têm de brilhar um bocadinho que elas correm a comprar.
Acredito
que as mulheres ainda tenham muitas fantasias reprimidas, mas não acredito que
tenha sido um livro miserável (do ponto vista literário ao do BDSM de acordo
com as comunidades de entendidos) a tirá-las do armário. O que o livro abriu, e
é pena que tenha sido ele a abrir, foi a porta para o diálogo. Se calhar fez as
mulheres sentirem-se mais arrojadas, tomarem a iniciativa. O que até deveria
ser contraditório, posto que, segundo consta, a mocinha é completamente abusada
física e psicologicamente pelo homem de sonho das 46 mil mulheres que compraram
o bilhete para a estreia no cinema (isso é o número de bilhetes, vamos
considerar que pelo menos 6 mil são namorados forçados a ir ver o filme, sob a
fachada do “mente aberta”, que são eles próprios vítimas de violência
psicológica por parte das mulheres). Este Dia dos Namorados de 2015 é outra
chaga que os homens terão de carregar…
PS –
Li 33 páginas do livro: tão mau, mas tão mau, que fui incapaz de forçar-me a
mais. E olhem que gosto de romances picantes (desde que haja alguma
complexidade nas personagens ou algum esforço da autora perante a história que
constrói). Não vou ao cinema ver o filme, não darei dinheiro para tal causa e
recuso-me a fazer parte da histeria colectiva que ficou com a patareca aos
saltos para estar lá no dia da estreia.
Mas
vou vê-lo, ah se vou! Os meus dedinhos tremem só de imaginar as atrocidades que
terei a dizer depois. Muahahahahahah!
também ainda não li (e se calhar nem lerei) porque o tema violencia, mesmo que "consentida" não me seduz.
ResponderEliminarO que fui ouvindo ou lendo acerca do livro chegou-me para não o ter na minha lista de "a ler". E na minha lista de "a ver" ainda muito menos.
Não podia concordar mais! Disse tudo.
ResponderEliminarLi 20 páginas do livro e não consegui ler, nem mais uma...
O filme, também está fora de questão.