domingo, 3 de fevereiro de 2019

#208 SALINGER, J.D., À Espera no Centeio

Sinopse: A voz do seu protagonista, o anti-herói Holden Caulfield, encontrou eco nos anseios e angústias das camadas mais jovens, tornando-o numa figura icónica do inconformismo. Da mesma forma, os temas da identidade, da sexualidade, da alienação, e do medo de existir, tratados numa linguagem desassombrada e profundamente original, fizeram de The Catcher in the Rye um símbolo da contracultura dos anos 50 e 60. Mas, passados sessenta anos sobre a sua primeira publicação, vendidos mais de 65 milhões de exemplares em quase todas as línguas, e instituído marco incontornável da literatura mundial, À Espera no Centeio mantém toda a actualidade e a frescura da rebelião.

Opinião: 
"Ponho-me a imaginar uma data de miuditos a brincar a um jogo qualquer num grande campo de centeio e tal. Milhares de miuditos, e ninguém por perto, ninguém crescido, quero eu dizer, a não ser eu. E eu fico ali na borda de um abismo lixado. E o que eu tenho de fazer é ficar à espera no centeio e apanhar todos os que desatarem a correr para o abismo..."


À Espera no Centeio foi publicado em 1951, e é ambientado nos anos 40 na escola fictícia de Pencey, e em Nova Iorque. Segue os pensamentos de Holden Caulfield, de 16 anos, ao longo dos dias que antecedem o seu internamento num sanatório.

Quando terminei este romance, em relação ao qual não fazia ideia do que esperar, pus a tocar uma versão em piano de Smoke gets in your eyes, e de repente fui inundada por uma ternura inesperada para com este adolescente desajustado. De algum modo, Salinger conseguiu levar-me de volta à minha própria adolescência e à época em que podia dar-me ao luxo de despender energias a tentar perceber o mundo e a tentar mudar as pessoas.

Holden surge-nos cheio de bazófia no início, mas vai-se tornando mais apático à medida que se vai deixando de tretas e entrando nos assuntos cruciais que se debatem na sua consciência, e que o têm lançado para a beira do precipício em que se encontra. As suas reflexões chegam-nos plenas da gíria juvenil com que o autor decidiu tecer aquilo que julgo ser a sua obra-prima, e creio que essa foi uma das grandes críticas literárias a esta obra. No entanto, não consigo imaginar esta história a ser credível de outro modo. Na minha percepção, o jovem norte-americano, que acaba de ser expulso para aí da terceira escola preparatória, está de luto e está à beira de um esgotamento emocional. Holden sente-se alienado de tudo e de todos, entende o que os pais esperam dele, não tem qualquer desejo de lhes causar desgostos, é louco pela sua irmãzinha, que, aliás, parece ser a única criatura no mundo capaz de ter uma conversa decente com ele, e fazer com que se abra. Também guarda as lembranças do falecido irmão com carinho mas, fora isso, parece não conseguir dar-se a ninguém, nem chegar a ninguém. Vive na permanente frustração de uma comunicação insatisfatória e forçada, da qual se vale para fazer valer o seu ponto de vista de que são todos uns peneirentos ao seu redor. Perante todas a outras personagens com o que jovem se vai cruzando ao longo daquele fim-de-semana em que procura esconder dos pais a sua expulsão de Pencey, Holden é céptico, provocador, desdenhoso. Mas também é obstinadamente idealista e generoso. Se, por um lado, é evidente que é ávido por conhecimento, um leitor assíduo e um miúdo inteligente, por outro é demasiado sensível para as exigências da sociedade, e está fragilizado pelos dois acontecimentos traumáticos da sua curta vida. Holden tem dificuldade em assistir impassível a vidas que lhe parecem vazias de conteúdo, num mundo que lhe parece estéril de encantos. Para ele, nada tem importância e nada tem valor, à excepção do quão bestial era o seu irmão, e do quão esperta é a sua irmã.

Penso que a rota de auto-destruição em que Salinger lança Holden, por caminhadas de quarteirões na Big Apple, e passeios em redor do lago gelado do Central Park, cimentados a álcool e tabaco, recria bem o que é a queda em depressão, ou em apatia. Isolado, o jovem Holden não consegue valer-se a si mesmo. O que lhe vale é o amor da irmã e a paciência de alguns (cada vez menos) conhecidos, que procuram repescá-lo do campo de centeio e para longe do abismo.

Alienação seria a palavra-chave deste romance. O jovem Caulfield não consegue impedir-se de se misturar com os outros, inclusive de os procurar, de lhes pedir que fiquem e que o mantenham acompanhado, mas nada é capaz de mitigar as sensações de solidão e de desgaste que o acompanham para todo o lado. Em instante algum se identifica com as pessoas que o rodeiam, ou se sente compreendido por aqueles com quem priva ao longo daqueles dias. Está constantemente à parte e a observar os outros, enquanto estes lhe recordam, sem melindres, como ele é estranho e desadaptado.

O que me parece ser a riqueza deste clássico americano é o retrato psicológico do jovem Holden, o modo como se esforça para analisar os outros à luz da sua própria juventude, e não dos rótulos sociais. Salinger faz-nos percorrer as ruas gélidas de Nova Iorque nas semanas que antecedem o Natal, na companhia de um miúdo cheio de potencial, mas que se vê enredado nas contradições de um mundo algo hipócrita, onde as pessoas vivem de fachada e se preocupam demasiado com aquilo que ele considera futilidades. 
Apenas não atribuo as cinco estrelas porque, apesar de lhe reconhecer grande beleza, e de me ter emocionado no final, ao som de Smoke gets in your eyes, não creio que seja um dos livros da minha vida. Considero também que, sem a página e meia que o encerra em jeito de epílogo, estaria ainda mais próximo das cinco estrelas. Ali era o momento certo para Salinger terminar a deambulação alucinada do jovem Holden.

Classificação : 4,5****/*

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