terça-feira, 24 de setembro de 2019

#232 HARRIS, Joanne, A Menina que Roubava Morangos

Sinopse: O coração de Vianne Rocher, a encantadora e inquieta maga do chocolate, parece ter finalmente serenado. A vila de Lansquenet-sous-Tannes, que em tempos a rejeitou, é agora o seu lar. Com a filha mais velha, Anouk, a viver em Paris, Vianne dedica-se por inteiro à chocolaterie e a Rosette, a filha mais nova, a sua menina "especial". A acompanhá-las estão os seus amigos do rio, os extravagantes vizinhos, e o circunspecto padre Reynaud. Mas o vento, quando sopra, traz sempre mudanças… E estas começam com a morte de Narcisse, o temperamental florista. A vila fica em alvoroço pois Narcisse deixa não só uma surpreendente herança a Rosette, mas também uma inesperada confissão.

Nada voltará a ser como dantes. E quando uma loja nova abre onde antes se dispunham as magníficas flores de Narcisse, tudo parece um prenúncio de algo: um confronto, alguma turbulência, ou talvez até… um crime? Conseguirá Vianne impedir que o vento leve tudo o que lhe é mais querido?


Há magia no ar. Há luz e sombra. Vingança e amor. Vinte anos depois da publicação de Chocolate, Joanne Harris regressa à pitoresca vila francesa num romance sobre a força do passado, o poder da memória e a aceitação das marcas que a vida deixa em nós.


Opinião: Joanne Harris foi das primeiras autoras que li e adorei, ainda em tenra idade. Comecei pelo Chocolate, segui por todos os seus outros clássicos. Mais tarde adorei reencontrar essas personagens em Sapatos de Rebuçado e O Aroma das Especiarias. Julgo ter entendido que este volume encerra o mundo de Vianne Rocher, com certeza a chocolateira mais famosa do universo literário.

Senti o a narrativa mais fraca, a entrar um bocadinho por aquele campo do espremer uma fórmula ao máximo. Como se a autora não estivesse tão inspirada como nos restantes volumes, apesar de se ler bem, porque me é território confortável. Vianne Rocher cede o protagonismo à sua filha de 16 anos, Rosette, e a M. le Curé, o Père Reynaud. Sem dúvida que as complexidades deste homem de Deus, atormentado pela própria natureza falível, dão substância à melhor personagem (pelo menos à minha favorita) criada pela autora neste universo de uma aldeia francesa à beira-rio, na qual aportam os barcos dos ciganos, onde há uma comunidade muçulmana (Les Marauds) e onde colidem o mundo tradicional das beatas e dos hipócritas com as minorias que despertam a mesquinhez nessas almas cristãs.

Adoro a temática dos livros da autora, que giram sempre em torno da diferença; do ser-se diferente e do aceitar-se o diferente. Neste volume, Rosette é a personagem diferente. Tem um discurso próprio (Bam!) pontilhado dos seus limites de discurso (terá uma doença que a arrasta para tiques nervosos?). Traz alguma pureza à narrativa. É a sua voz, mas também a de Vianne, a de Reynaud e os relatos na primeira pessoa de Narcisse, o antigo florista que morre e que deixa o seu bosque de carvalhos e morangos silvestres à curiosa Rosette que instiga a ação deste último tomo da série. É que os habitantes de Lansquenet-sous-Tannes não compreendem o porquê de um homem inescrutável ter deixado um bosque de valor precioso a uma criança com limitações, e a justificação que oferece ao executor do seu testamento, bem como a nova ocupante da sua loja de flores desocupada, diante da porta da Chocolaterie vão desenterrar os segredos de outro habitante da pequena povoação.

O interessante é a premissa de que ninguém é o que parece, combinada com a mestria da autora em criar universos mágicos, místicos, plenos de superstição e de maravilha, em que o chocolate, os desenhos, a arte em geral, o fogo nas fogueiras dos ciganos, os amuletos islâmicos, as tradições maias, se tornam formas de praticar feitiçaria e de pôr o vento a nosso favor, ou contra os nossos inimigos.

Ocorre-me uma questão interessante sobre a obra da autora: os homens costumam ser personagens voláteis, pouco confiáveis, que vêm e vão com o vento, egoístas. As mulheres têm-nos como adereços temporários. O amor nunca se sobrepõe à razão e, quando o faz, é para desgraça da mulher (recordo-me de algumas das suas mulheres, desgraçadas por homens ignóbeis). Que significa isto? Gostaria de perguntar à autora se é de algum modo feminista, e se conhece homens de integridade inabalável.

Despeço-me com saudade, e um dia regresso com o Hurakan a Lansquenet-sous-Tannes, para reencontrar todos estes amigos de longa data.

Classificação: 4/5*****

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