Classificação: 5*****
Sinopse: Quando Pi tem dezasseis anos,
a família decide emigrar para a América do Norte num navio cargueiro juntamente
com os habitantes do zoo. Porém, o navio afunda-se logo nos primeiros dias de
viagem. Pi vê-se na imensidão do Pacífico a bordo de um salva-vidas acompanhado
de uma hiena, um orangotango, uma zebra ferida e um tigre de Bengala. Em breve
restarão apenas Pi e o tigre.
Opinião: Este livro – e o respectivo filme – estão
envoltos em muito falatório. Primeiro os elogios à tecnologia utilizada para
recriar, no filme, um tigre e o ambiente inóspito do pacífico. Ang Lee ganha,
felizmente, o Óscar pela direcção deste filme sublime. Uma obra gritante de
beleza, espiritualidade e talento. Não imagino um ocidental a consegui-lo. Mas
quanto ao filme já falei aqui. Entretanto também o livro havia sido
premiado com o Booker Prize. Yann Martel é acusado de plágio – Max e os
Felinos, de Moacyr Scliar seria a fonte original. É ainda criticado pela
arrogância com que reagiu a essa acusação. Eu lavei-me desse escândalo e isolei-o do conteúdo da obra.
Li, em resenhas de quem já tinha percorrido as suas páginas, que a obra
sofre um corte abrupto. Aproximadamente as cem primeiras páginas falam de uma
vida na Índia. Um nome, “Piscine”, uma cidade, “Pondicherry”, um jardim
zoológico com um rinoceronte que, por se sentir solitário, partilha o espaço
com um rebanho de cabras. A Índia… os cheiros, os rostos, as crenças. E um
rapaz simultaneamente hindu, cristão e muçulmano. Uma aventura – poderia
dizer-se -, visto que este rapaz lingrinhas e vegetariano sofre um naufrágio e
fica à deriva no Pacífico com um tigre, uma zebra, uma hiena e um orangotango.
Mas não é bem isso, é ainda mais do que isso. Uma aventura interior, contra a
nossa própria natureza, os nossos limites, o nosso corpo que cede mesmo quando
a mente se esforça por continuar, as nossas fraquezas e melindres. Um conto
solitário, angustiante, ainda assim enternecedor. Eu quase sentia a doçura
intrínseca entre Pi e o tigre. Tanto o Martel como o Ang Lee conseguiram tornar
essa relação sólida, palpável, subtil e credível. É um feito. Sorri com
diversas nuances da interacção entre este rapazinho indiano e o
tigre.
De facto há uma mudança abrupta da primeira parte do livro para a segunda.
Não necessariamente má, como fui levada a crer. A primeira parte é sobre
necessidades de ser enquanto a segunda é sobre as de sobreviver. Um livro que
nos obriga a rever quem somos e até onde iríamos se a fome, a sede, o medo da
morte, o definhar lento, nos instigassem.
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