quinta-feira, 7 de junho de 2018

#196 STEINBECK, John, As Vinhas da Ira

"The Grapes of Wrath became the best-selling book of 1939, selling almost half a million copies (at $2.75 a copy) in the first year of publication alone. In 1940, the novel also won the Pulitzer prize for fiction, and would subsequently be taught in schools and colleges across the United States."

As Vinhas da Ira é a obra-prima de John Steinbeck, publicada em Abril de 1939. É, também, um livro controverso, e o romance americano mais lido e comentado do séc. XX. A controvérsia é facilmente explicada: onde se fala de oprimidos, traça-se, com naturalidade, o perfil do opressor. E os opressores neste livro de monumental coragem e pertinência, eram a Associated Farmers of California, bem como os bancos e os grandes proprietários capitalistas. 

As palavras chave que acompanham a narrativa, ou qualquer artigo que se aceda a propósito deste vencedor de um Pulitzer em 1940, com meio milhão de cópias vendidas só no ano do seu lançamento, são dignidade, perseverança, pobreza. Algures, numa sinopse, li algo como “Um romance sobre gente decente em condições intoleráveis”. Pensemos que é a época da Grande Depressão e um pré-II Guerra Mundial, o mundo está tenso e a economia quebrada. Há teorias académicas sobre superioridade da raça, sobre eugenia. Em 1932, Erskine Caldwell publicara A Estrada do Tabaco que, a meu ver, é a sua perspectiva sobre a indignidade da população pobre, ignorante, suja. Como se não bastasse, dá-se ainda o fenómeno ecológico Dust Bowls, são os Dirty Thirties e formam-se tempestades de poeira sobre o centro dos Estados Unidos, afectando as colheitas dos estados do Oaklahoma, Kansas, Texas e Arizona. Estima-se que, na década de trinta e até 1939, 116 mil famílias (cada uma possivelmente numerosa), se tenha deslocado das Grandes Planícies para a Califórnia, para escapar à seca, às tempestades de poeira e à pneumonia e outros males causados por essa circunstância. Fugiam também à fome, porque os bancos e grandes proprietários vieram cobrar hipotecas de gente endividada após uma década de dificuldades, e arrasaram-lhes as casas com tractores.
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"Se me não dissessem que devia ir-me embora, era provável que eu, a estas horas, estivesse na Califórnia, a papar uvas e a descascar uma laranja quando me apetecesse. Mas, mandarem-me embora estes filhos da mãe, isso não, por Jesus. Um homem como eu não se submete assim."


As Vinhas da Ira conta a saga da família Joad que, após alguns meses na estrada, se mescla por completo com os outros Okies (o modo desdenhoso como os Californianos vão recebendo cada vez mais e mais destituídos). Acompanhamos a família dos seus vários prismas. Primeiro, do ponto de vista individual, o foco principal incide sobre o jovem Tom Joad. Os contornos de cada membro da família Joad são muito nítidos, muito consistentes, e Tom é um tipo tranquilo, malgrado ter acabado de cumprir pena por homicídio. Regressa a casa sem fazer ideia de como a situação se agravou para toda a família (todo o Estado) durante a sua ausência. Steinbeck dá-nos assim a oportunidade de analisar a devastação do seu mundo pelos seus olhos de retornado. À poeira junta-se o oportunismo, e a comunidade está de cabeça para baixo, dividida entre executores de dívidas e executados. O crédito sufoca-os também. À passagem do tractor, nada fica de pé. A família carrega então a sua velha camioneta com os pertences que consideram necessários, e partem de Sallisaw, como todas as outras, rumo a Oeste.
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Não demora muito para que os Joads se dêem conta de que percorrem a Estrada 66 à semelhança de centenas de outros veículos vergados sob o peso da carga de uma vida inteira, e que vão tolhidos pela mesma necessidade de água, comida e trabalho. 

"A 66 é o caminho de um povo em fuga."


O que é de louvar é o modo como os Joad nem por um instante perdem a dignidade. Ou mesmo a generosidade, o companheirismo. Damo-nos conta do papel de amparo de um país, das suas leis. Do modo como a economia se isola de tudo isso, de como o capitalismo, por vezes tão associado à verdadeira essência da América, também causou gravíssimos danos colaterais nalguns momentos da História. Num país já adverso ao comunismo, torna-se evidente, nas linhas de Steinbeck, a necessidade da greve, da união e da subversão para a conquista de direitos básicos e inalienáveis. A etiqueta de vermelhos recai sobre os homens que exigem nada mais do que trabalho digno, respeito. Homens que, apesar de se cavar sob eles o fosso da fome, das epidemias e do desconforto físico, resistem a entregar-se à pilhagem e ao crime. Homens que, enquanto podem, recusam a mendicidade.

Os alicerces da família, cujas intempéries parecem empenhadas em desmantelar, são sem dúvida Tom – o seu espírito vivaço, a sua tranquilidade e o seu crescente sentido de dever, e a Mãe. A Mãe é ela própria uma entidade. Um elo, a alma pulsante da família. Não consigo deixar de comparar esta mulher admirável às marionetes de Hemingway, e fica desde logo claro porque Steinbeck, na minha opinião, lhe é tão superior.
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O romance tem um senso épico, civilizacional. Não admira que se escrevam canções sobre ele (a melancólica/energética The Ghost of Tom Joad, em tantas versões distintas. Que se discuta na escola. Que tenha enfurecido os opressores e granjeado o apoio de Eleonor Roosevelt. Que tenha, de facto, impresso a etiqueta de vergonha nos tornozelos dos fazendeiros impiedosos da Califórnia que, perante a situação da quantidade de a oferta de mão-de-obra ser muito superior à oferta de lavoura, contribuíram para o colapso daqueles miseráveis que, como único pecado, tinham o facto de não ser proprietários nem ter o apoio do estado nem d’o Auxílio. É um Êxodo, de facto. Não pude deixar de compará-los ao povo Judeu, em marcha para fugir à escravidão e à brutalidade dos egípcios. Aqui é o povo das Grandes Planícies, pessoas que, de repente, se dão conta de que são um todo marchante, à beira de um abismo que não cessa de se aprofundar. E vão suportando, suportando, e a ira cresce. 


"Ele disse uma vez que tinha ido para o mato, à procura da própria alma, e que, por fim, descobrira que não tinha uma alma que fosse só dele. Disse que tinha unicamente uma pequena parte de uma alma enorme. E ele achava que não valia de nada andar por sítios desertos, porque aí, a tal pequena alma que ele tinha não servia para nada. Só tinha utilidade quando estava junto das outras com quem formava um todo. (...) Mas agora sei que um indivíduo solitário não tem préstimo nenhum."

Saliento ainda a prosa acessível de Steinbeck, embora, por vezes, o seu discurso, os seus diálogos, tenham contornos Bíblicos, místicos. Quando li A Um Deus Desconhecido, reconheci traços de Jesus na personagem principal. Aqui, com facilidade, podemos reconhecer um outro Jesus em êxodo, e uma Maria sofrida mas de pé, a segurar a família ao seu redor e contra o seio.



E o discurso transcendente, que nos deixa com a garganta apertada e a sensação de estarmos perante algo maior:


"Estarei em toda a parte, em qualquer sítio para onde a senhora se puser a olhar. Onde quer que se lute para que a gente com fome possa comer... eu estarei presente. Onde quer que a polícia estar a bater num tipo, eu estarei presente. (...) Estarei onde quer que vejam criaturas a gritar de raiva... e estarei onde as crianças sorriam porque têm fome, mas saibam que a ceia não tarda. E quando a nossa gente comer aquilo que plantar e morar nas casas que construir... então também estarei presente."

É-me evidente que um dia voltarei a lê-lo.
Classificação: 5*****

#195 KLEYPAS, Lisa, Cold-Hearted Rake

Synopsys: A twist of fate . . .

Devon Ravenel, London's most wickedly charming rake, has just inherited an earldom. But his powerful new rank in society comes with unwanted responsibilities . . . and more than a few surprises. His estate is saddled with debt, and the late earl's three innocent sisters are still occupying the house . . . along with Kathleen, Lady Trenear, a beautiful young widow whose sharp wit and determination are a match for Devon's own.

A clash of wills . . .

Kathleen knows better than to trust a ruthless scoundrel like Devon. But the fiery attraction between them is impossible to deny—and from the first moment Devon holds her in his arms, he vows to do whatever it takes to possess her. As Kathleen finds herself yielding to his skillfully erotic seduction, only one question remains:
Can she keep from surrendering her heart to the most dangerous man she's ever known?

Opinion: Sei perfeitamente que a quantidade não importa tanto quanto a qualidade, mas estou surpreendida comigo mesmo por me encontrar numa fase em que, em poucas horas, e em formato e-book, despacho uns quantos romances cor-de-rosa. Conforme avisei as minhas colegas, estes livros incitam à procriação. Por isso, mantenham-se longe deles se não querem ter filhos.

Lisa Kleypas tem sido a minha escritora favorita deste género tão em voga há uns 20 anos entre leitoras vorazes – histórico-romântico-erótico. Elevou por completo o standard do género no maravilhoso "The Devil in Winter” (não menciono a tradução para português, primeiro porque não me lembro, depois porque é embaraçoso, mas é isto: Paixão Sublime). Há outros, de outras autoras, que por ventura gosto tanto quanto desse. Mas os enredos acabam por se esbater na minha ideia. Fica sempre esse. Porque gostei tanto desse livro? Não é o livro em si. Não a viagem das personagens nem os altos e baixos do seu relacionamento. É, somente, o modo como a autora conseguiu que duas pessoas tão opostas fossem de maneira tão óbvia feitas uma para a outra, e se moldassem à outra, às suas necessidades, aos seus medos, aos seus anseios. St. Vincent e Evie jamais saíram do meu imaginário romântico (o nobre inútil que arregaça as mangas, de moral mais do que duvidosa, e a ruivinha gaga, desprovida de qualquer coragem ou determinação até o conhecer).

Cold-Hearted Rake compactua com a tradição dos livros com títulos embaraçosamente maus, mas talvez seja uma espécie de código que permite aos leitores saberem ao que vão sempre que há um livro com títulos nobiliárquicos envolvidos. Também nunca é bem verdade, porque o protagonista conhece a sua alma-gémea e muda por completo de atitude. No caso de Devon, a fórmula não funciona mal. Ele não possuía nenhum título, nem nenhuma ambição ou desejo de nobreza ou propriedade. Bastava-lhe a sua vida sem responsabilidades. Quando herda o condado do primo, que acaba de falecer, traça um plano simples para voltar à sua vida confortável: desmantelar tudo, vender o que for possível desvincular do título, pôr a viúva e as irmãs do falecido a andar e voltar a Londres no próximo comboio. Só que, apesar da sua determinação, a viúva do primo, jovem e sem perspectivas de futuro, consegue desafia-lo a inverter a situação do condado, assistir os arrendatários e devolver o esplendor a Eversby Prior.

Gostei muito da época retratada, em que o mundo rural começa a colidir com a industrialização em massa. Linhas férreas ligam toda a Inglaterra, os homens de negócios e os de título são forçados a conviver e, daí, nasce uma certa admiração (por vezes desprezo) mútuos. É um mundo em mudança e foge à Regência, que parece ser a altura favorita destas escritoras de época.

Resumindo: óptima química entre a viúva irlandesa (Kathleen) e o jovem e despreocupado Devon, que acaba por se importar com o funcionamento da propriedade, os arrendatários, a torturada Kathleen e as desamparadas três irmãs do falecido conde. A parte em que trocam galhardetes via carta foi interessante, porque uma relação também pode evoluir por escrito, sem a picada da atracção física, o que cimentou melhor o afecto que nascia entre os dois.

Agora vou continuar para o volume #2 desta família, Marrying Winterborne, em torno do amigo de Devon, um comerciante sem título, e a sua sobrinha, a delicada Helen, que tem vivido uma vida de reclusão em torno das suas preciosas orquídeas. Já se sabe que, neste tipo de livros, nunca ninguém tem muito bom feitio, ou não haveria tanto conflito (drama) e tanta redenção (entrega).
Só espero conseguir começar a lê-lo mais cedo, porque terminei o outro às 3h da madrugada, o que não é nada aconselhável a meio da semana. 

Classificação: 4*****/*


Note: E-book read in English

#194 JAMES, Eloisa, Tudo Vale No Amor

Sinopse: Ela nunca imaginou que um escândalo podia ser delicioso...
Theodora Saxby é a última mulher que alguém espera que case com o belo James Ryburn, herdeiro do ducado de Ashbrook. Mas depois de uma proposta romântica diante do próprio príncipe, até a prática Theo fica convencida da paixão do seu futuro duque. Ainda assim, os tabloides dão ao casamento apenas seis meses. Theo ter-lhe-ia dado uma vida inteira... até que descobre que James deseja não o seu coração, e certamente não o seu corpo, mas o seu dote.
A sociedade ficou chocada com o casamento, mas está escandalizada com a separação. James vai para o mar, onde se torna um famoso pirata, e Theo transforma a sua propriedade num negócio florescente. Regressado dos mares, com a tatuagem escandalosa de uma papoila debaixo um olho, James enfrenta agora a batalha da sua vida: convencer Theo de que amava o patinho que desabrochou num cisne. Theo irá descobrir rapidamente que para um homem com a alma de um pirata, tudo vale no amor - ou na guerra.

Opinião: Quem o feio ama, bonito lhe parece 

Alturas há em que, debruçada sobre Steinbeck, me pergunto porque vou lendo este género de literatura. E depois há o meu lado romântico, light, que busca mero entretenimento. No fundo, estes romances são quase os enredos da Jane Austen (certo, ela era mestre em retratar a sociedade e em fazer grandes intrigas sociais), mas com um toque... spicy.

Eloisa James tem uma série dedicada aos contos de fadas, e esta será a recriação de "O Patinho Feio". Descobri que, há anos, li Milagre de Amor, e lembro-me de também ter gostado bastante na altura. Agora que penso nesse livro, concluo que a autora tem uma fixação qualquer por seios. Será um homem a escrever sob pseudónimo? É que, há pouco tempo, saiu uma qualquer notícia a dizer que há uma fixação pelos seios das personagens femininas por parte dos escritores nacionais. Achei aquilo uma idiotice. Há fixação de toda a literatura por seios femininos. 

Li-o em poucas horas. De fácil leitura e convincente. Sobretudo porque não há falsos mal-entendidos. Achei os protagonistas honestos e palpáveis. No afecto e na atracção física. Uma verdadeira ode ao dito popular. Causou-me certa melancolia.

James é coagido pelo pai a casar-se com a jovem de quem o pai foi tutor, durante anos. Sucede que sempre a vira como uma irmã, pelo que é imune à fama de feia de que a rapariga é vítima na sociedade inglesa. Theodora é acusada de ser feia como um homem, e, ao longo do livro, são vários os momentos em que é humilhada por causa dessa sua falta de viçosidade. A relação dos dois é de grande companheirismo, daí que ela se sinta tão traída ao descobrir os verdadeiros motivos por detrás da proposta de James. Claro que, com a proximidade e já munido do carinho que sempre nutriu pela sua companheira de brincadeiras, James encontra inúmeros detalhes dignos de admiração em Theo, só não lhe agrada a imposição do pai. Mas o enredo é também sobre a dignidade de Theodora e o seu orgulho ferido, sendo que tudo fará para ser admirada no meio a que pertence, ultrapassando as próprias inseguranças e receios.

Bastante satisfatório, dentro do género. Divertido, com apontamentos históricos interessantes (como os cortes de cabelo à Titus e à Brutus). A autora trabalhou bem na química entre as duas personagens. Porém, houve alguns momentos tolos e algum drama exagerado, e isso rouba o fio à meada. O tempo contrai-se, e os ódios passam rapidamente a paixão, a zanga a perdão e o perdão não tarda em dar azo à capitulação. Tudo demasiado rápido para esta leitora que, com a idade, começou a dar mais valor ao compasso do tempo entre a acção.

Ainda assim, aconselho. Trouxe-me de volta as noites em que lia dois livros de seguida, até de madrugada, enquanto queimava as pestanas na luminosidade do ecrã, fascinada com este mundo de folhos e homens que montam a cavalo e são absurdamente masculinos e inteligentes. Ai, Jesus. Perdoa-me por ser tão básica...

Está em promoção no Pingo Doce (-50% sobre o PVP, salvo erro), embora eu teha lido em e-book, a 01/06/18.

Classificação: 3,5***/**