Sinopse: O Terramoto de Lisboa de
1531 foi um duro golpe no coração do Império português. E decidiu a história de
Maria da Esperança e Rodrigo Montalvão, um amor intenso que desafiou as regras
da corte de D. João III. Numa manhã fria no início do século XVI, chega a
Portugal um carregamento de escravos vindos do Congo. Os melhores negros são
encaminhados para a corte de D. João III, para servir a rainha D. Catarina de
Áustria. Entre eles segue Imani, baptizada como Maria da Esperança pelos frades
portugueses. Pela sua inteligência e natural elegância, destaca-se entre os
escravos – é ensinada a ler e a aprender a religião católica. O seu mestre é o
gramático Rodrigo Montalvão, um nobre de alta condição, que por ela se
apaixona. Nasce, entre ambos, um amor intenso e proibido, que é posto à prova
no dia 26 de Janeiro, quando se dá o grande terramoto de 1531 que causou a
morte de mais de 30 mil pessoas e a fuga de milhares de lisboetas, tornando
irreconhecível aquela que era a grande capital do Império, no auge dos Descobrimentos.
É a história de uma paixão controversa,
vivida numa corte de riqueza e intriga, em que uma mulher e um homem testam o
valor do amor e da liberdade.
Opinião: Não sei bem o que diga a respeito desta primeira obra da Alexandra
Vidal. Aliás, tenho até demais a dizer. Por uma vez decidi ignorar os meus
instintos a respeito das obras portuguesas que retratam eventos históricos e
lê-lo sem ideias pré-concebidas. Começou bem, até, lá nas paisagens do Congo.
Mas isso durou três ou quatro páginas.
O livro prometia um amor daqueles entre uma escrava e um
nobre da corte, e ainda uma catástrofe natural a interpor-se entre eles. Quem
for lê-lo pelo terramoto – como esta tonta, desengane-se. Se procurarem um
documentário com alguns pós de ficção – ao nível de uma novela da TVI em que a
má desaparece da acção convenientemente no final por ter enlouquecido depois de
muito atentar contra a felicidade os principais, e em que estes dois
principais nunca têm uma conversa de jeito nem nunca chegam a explicar coisa
alguma ao outro – então este é o livro indicado para vocês.
O livro também prometia uma grande história de amor. Não sei a que se
referia, já que não é apresentado motivo algum para o amor entre a escrava e o
gramático excepto, talvez, que ele gosta delas morenas (embora não o saiba de
início – e por início entenda-se a discussão épica em que ele se recusa a
ensiná-la, para daí a três páginas já estar orgulhoso dos progressos dela) e
que ela se embeiça por ele porque é o único branco próximo e livre a dedicar-lhe
duas palavras. Algo como “podes pousar ali o livro e sai”.
O livro prometia ainda o inédito de uma escrava a aprender a ler – mas tal
não sucede devido à inteligência dela. Aliás, esta personagem principal
funde-se nas pedras das paredes, de tão insípida. Nem isso é apresentado com
paixão alguma…
O terramoto apresenta-se assim:
«- Não quero esta coifa de pano de linho, quero a outra de seda (…) De
repente, as portadas de madeira que protegiam as enormes janelas do aposento da
guarda-roupa começaram a bater, quebrando os ferrolhos e partindo os vidros das
janelas»
E então segue-se uma listagem bem tirada de um livro de História sobre o
que caiu e o que ficou de pé na cidade. Não há um diálogo com naturalidade: ou
estão a passar “sabedoria” e “filosofias” ou estão a debitar factos históricos. De
repente o tempo voa. Os filhos de D. Catarina (rainha) são crianças
acabadas de nascer e, meia dúzia de páginas depois (quando começa tudo a voar
para o fim) já têm filhos – já o D. Sebastião está apostado em ir para África
guerrear com os infiéis. A ideia que me deu é que a escritora quis fazer
tudo em grande e pensou: que se lixe, já agora faço disto um romance épico. Em
dez páginas pulo trinta anos e faço disto aqueles amores que nunca chegam bem a
concretizar-se. Já agora meto cá o D. Sebastião, que até foi
importante. Espanta-me que não tenha falado do D. João IV, afinal o homem
recupera o país… era só pular mais oitenta ou noventa aninhos. E da Catarina
casada com o Carlos II, sempre foi rainha de Inglaterra, não? Calma, daqui a
nada estamos no Sócrates a mudar-se para Paris. A mal ou a bem também teve a
sua importância na História. Bom, estou a exagerar, como é evidente.
O terramoto ocupa, no máximo, vinte páginas do romance em que a informação
é toda debitada. De repente temos mil olhos – já somos o guarda dos escravos, o
nobre a quem os escravos fogem, somos os escravos, somos as vozes da corte e o
não sei quantos que toma conta dos gatos da rainha. Somos tudo e, no instante a
seguir ao terramoto já temos o relato completo dos danos e do número de mortos.
A propósito… a sério que foram 30 000 pessoas enterradas com orações?! Não
admira que, em 1755, o Marquês de Pombal tenha apressado os enterros!
Em termos históricos não encontrei grande coisa a apontar – excepto,
talvez, a utilização do termo “gótico” relativamente à escrita por parte do
gramático. A minha ideia é que o termo “gótico” só tem realmente adesão no
século XIX, com os revivalismos, e que antes disso surgiu no século XVI mas
como algo pejorativo. Isto é, à luz do renascimento qualquer arte anterior
seria vista como arcaica - excepto a clássica em que se inspirou - não? A minha questão é: falava-se em caracteres
góticos tal como agora se fala associados sobretudo à Idade Média?
O rei nem chega a ser apresentado ao leitor, parece-me que só surge uma vez
a dar as mãos à rainha numa sucessão de situações sem grande importância
aparente. Sucedem-se listas intermináveis de tipos de tecidos e diálogos meio
afectados, muito pouco naturais.
As personagens são unidimensionais, até a escrava principal lamenta duas
vezes “nunca ter explicado os seus motivos” para uma dada fuga que enceta. Mas
que motivos? Na altura ela simplesmente se junta a quem foge, sabemos lá nós ao
certo o que vai na cabeça dela! E que motivo maior precisa um escravo para
fugir? Parece que um longo diálogo sobre o valor da liberdade tinha de ser ali
pespegado para que o idiota do seu grande amado – que conhece-a tão bem como o
leitor, ou seja: nada – a compreendesse.
Não percebi nada do que a autora quis passar com o romance, excepto que a
escravatura é feia – asserção defendida sem grandes acrescentos àquilo que é do
saber comum- , e que o terramoto – que se perde ali no meio – foi uma desgraça.
Ah, e que o amor vence (?) preconceitos. Bom este não venceu coisa alguma.
Para mim valeu pena lição de História. Como romance...
Classificação: 2,5**/*
Não sei se ajuda quanto ao Gótico, uma vez que não sei bem a que te referes, mas há dois:
ResponderEliminar1. o estético (Estilo Gótico), da época medieval, estendendo-se até mais ou menos ao séc XVI, cujas construções apontadas ao céu, mesmo com os seus monstros, não eram vistas de forma pejorativa (o pejoratico sobrou mais para o Barroco)
2. o literário, que começou no século XVIII (aponta-se The Castle of Otranto, 1764), esse sim revivalista do medievalismo, e mal visto por muitos na época como uma lit de horror, tentação, pecado e castigo destinada a impressionar as mulheres e os mais emotivos. O do sec XIX, principalmente da segunda metade, já é um pouco diferente, começa a racionalizar (anne Radcliff) e até se 'inventa' a história de mistério (Poe e Conan Doyle, por exemplo).
Claro que os dois estão relacionados, há uma certa impressão de medo e elevação - o sublime no horror - que ambos ambicionam, mas não coincidem no tempo, nem se misturam.
Quanto aos caracteres góticos, a wiki diz: 'Foi usada na Europa ocidental desde 1150 até 1500. Este estilo caligráfico e tipográfico continuou a ser utilizado em países de lingua alemã até o século XX.' Não sei mais nada.
Eu sei que se usavam, o que não sei é se eram mesmo apelidados "góticos" por quem os escrevia :/
ResponderEliminarAhahahahahaha , coitada da autora.
ResponderEliminarSim, é uma boa pergunta. Será?
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