(acherontia atropos)
Classificação: 4,5****/*
Sinopse: «No dia seguinte ninguém morreu.» Assim começa este romance de José Saramago. Colocada a hipótese, o autor desenvolve-a em todas as suas consequências, e o leitor é conduzido com mão de mestre numa ampla divagação sobre a vida, a morte, o amor, e o sentido, ou a falta dele, da nossa existência.
Opinião: O
que se espera desta obra é, além da escrita signatária do nosso Nobel da
Literatura (1998), um retrato duma sociedade a quem a morte (ela exige que não
se use maiúscula) virou as costas. Um ensaio sobre o fim magistralmente conduzido...
Saramago expõem-nos um conto
(posso dirigir-me a esta obra nestes termos?) reflexivo, do interesse de
qualquer ser vivo temente à morte - mais do que a deus.

Além de desesperar, faria os
possíveis para aceder a esse outro lado, sugere Saramago. Pagaria para morrer, sugere Saramago. A Igreja veria a base dos seus alicerces deitada por terra, a sua utilidade real desfeita. O Governo debater-se-ia com a moral, uma crise económica e demográfica, de braço estendido a quem se
oferecesse para resolver os problemas - clandestinamente - por eles. Os funerários,
trabalhadores de morgues, floristas, carpideiros, etc., lamentariam a falta de
matéria-prima para a prática do seu ofício. As famílias, hospitais, lares,
lutariam, embaraçados, por livrar os seus espaços e as suas camas dos moribundos.
Filósofos sair-se-iam com teorias sobre diferentes tipos de morte, o herdeiro nesta
Monarquia Constitucional receia ainda que a mãe nunca lhe dê lugar, visto recusar-se
a passar para o outro lado.
Fatalidade incontornável, fim da viagem, última etapa, inquietação constante, a morte afigura-se, neste livro, com uma voz, um rosto (descarnado) e curiosidade para com os mortais. Afigura-se também como alívio supremo, a seu tempo tão desejado.
Fatalidade incontornável, fim da viagem, última etapa, inquietação constante, a morte afigura-se, neste livro, com uma voz, um rosto (descarnado) e curiosidade para com os mortais. Afigura-se também como alívio supremo, a seu tempo tão desejado.

Parece, contudo, que demos duas partes muito distintas no livro, com um estilo narrativo e ritmos diferentes. Primeiro a perspectiva das vítimas da ausência da morte, num ritmo que pula de prisma em prisma, que corre rápido, prático, por vezes um pouco moroso mas sem se perder em detalhes. Tudo é política, religião, máphia, estratégia. Depois a perspectiva da morte, num ritmo bem mais rápido (a narrativa acompanha-se com mais facilidade, mas as acções não se atropelam), mais emotivo, mais intimista, mais musical, literalmente.
O discurso de José Saramago,
quando nos embrenhamos na sua escrita, é assertivo, emblemático, sarcástico e
perspicaz. É um gosto sentir que o acompanho. Fiquei muito surpreendida pelo
facto de que esta obra de inegável lucidez ter sido publicada em 2005, quando o
autor tinha já 83 anos. Aqui está a prova irrevogável de que Saramago é,
realmente, uma mente de excelência no panorama da literatura mundial.
Que magnífica perspectiva sobre a vida e a (sua necessidade da) morte!
«No dia seguinte ninguém morreu»
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