quarta-feira, 20 de março de 2013

Rayuela - ii





«- A pintura é outra coisa, não é um produto visual – disse Etienne. – Eu pinto com todo o meu corpo, e nesse sentido não sou assim tão diferente do teu Cervantes ou do teu Tirso de não sei quantos. O que dá cabo de mim é a mania das explicações, o Logos entendido exclusivamente como verbo.
- Etcétera, disse Oliveira, mal-humorado. – Por falar em sentido, a vossa conversa parece um diálogo de surdos.
A Maga cingiu-se ainda mais contra ele. «Agora esta vai dizer alguma das suas asneiradas», pensou Oliveira. «Primeiro precisa de esfregar-se, de decidir-se epidermicamente.». Sentiu uma espécie de ternura rancorosa, algo tão contraditório que devia ser a pura verdade. «Seria necessário inventar-se a bofetada doce, o pontapé de abelhas. Mas neste mundo as últimas sínteses continuam por descobrir. Perico tem razão, o grande Logos vela. Que pena, fazia falta o amoricídio, por exemplo, a verdadeira luz negra, a antimatéria que tanto dá que pensar a Gregorovius.»

cap. 9

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