Realizador: John Wells
Actores principais: Meryl Streep, Julia Roberts, Chris Cooper, Benedict Cumberbatch
Classificação IMDb: 7,4
Minha classificação: 9,5
Que filme poderoso; a prova perfeita de que não é preciso falar-se de grandes questões, genocídios ou intriga e espionagem para se obter algo intenso. Conforme ia absorvendo a míriede de personalidades - todas tão fantásticas, todas tão bem caracterizadas e com um casting tão bem direccionado! - ia desejando que houvesse um livro. Disse à minha irmã que um filme com uma riqueza de enredo e um leque tão rico de personagens teria de ter, necessariamente, um grande livro por trás. Parece que não é livro, é uma peça de Tracy Letts que ganhou o Pulitzer. Se conseguir deitar-lhe a mão, será uma leitura para breve. E pensei também que era exactamente o género de livro que eu gosto de escrever.
Cada vulto da família Weston/Aiken tem uma personalidade muito vincada, muito própria, move-se num ritmo muito seu e vem acompanhado de algumas ligações muitíssimo bem exploradas.
Temos o casal Weston, Violet e Beverly, pais de Barbara, Ivy e Karen. Beverly desaparece de casa, não pela primeira vez, e Violet chama as filhas aquando da ocorrência. Ela própria tem cancro da boca e é viciada em narcóticos. Sobre a Meryl Streep como Violet, guardo a minha opinião para o fim.
Uma Julia Roberts mais velha (azar dos azares, revi o Pretty Woman @ 1990 há duas semanas), mas também mais madura, mais mulher maculada, dá a cara por Barbara. É a filha favorita de ambos os pais - e Violet faz estandarte disso -, mas é também a mais amargurada e a mais difícil. Despreza o cantinho do Oklahoma onde os pais continuam encerrados, tal fica subentendido nalgumas das suas observações. Acho que é um papel soberbo interpretado pela actriz certa, só a Júlia exibe um misto de força e vulnerabilidade capaz de tornar a Barbara num molde da mulher real, outrora um forte, agora uma torre em chamas. Apresenta-se em casa com Bill (Ewan McGreggor) e a filha de ambos, Jean (Abigail Breslin).
Juliette Lewis encarna Karen, a irmã mais nova, pelo que julgo ter compreendido. Também a mais desmiolada, embora seja uma romântica bem intencionada e egocêntrica, com laivos de compaixão nas entrelinhas. Reúne-se com a família trazendo o “noivo” (Dermot Mulroney) de arrastão. Ninguém parece muito convencido da durabilidade da nova relação de Karen, e essa descrença, esse deboche quanto ao modo como conduz a sua vida, contribui para a melhor cena do filme, que é também a melhor cena que vi num filme nos últimos tempos (desde A Vida de Pi @ 2012, que está pejado de cenas de beleza incontornável).
A irmã mais discreta, mas cuja história vai abrindo caminho por entre as participações mais efusivas das irmãs nos assuntos de família, é Ivy (Julianne Nicholson), que se vai revelando como a filha desprezada, sempre criticada pela dureza implacável da mãe, mas também a que sempre permaneceu a seu lado. O facto de estar a começar a ser feliz com um homem vai causar dissidências na família e trazer ao de cima um segredo nunca discutido.
Depois ainda temos a tia Mattie Fae (Margo Martindale), como uma irlandesa amargurada que é quase uma bully para com o próprio filho, Little Charles (Benedict Cumberbatch). É a irmã de Violet e a tia das raparigas, e está por dentro de todos os assuntos, alem de ser a pessoa que mais se assemelha ao carácter ríspido da irmã, que suplanta todos. O filho, Little Charles, soberbamente interpretado por Cumberbatch, que gagueja, se encolhe, baixa o rosto e arregala os olhos sempre que a mãe lhe dirige uma crítica, e que recebe com complacência as carícias de apoio do pai (Chris Cooper).
A melhor cena do filme é a que reúne a tensão de todos à mesa, para um jantar que se segue a um acontecimento infeliz, e em que Meryl Streep rouba a cena. Que ritmo, que energia, que capacidade de pular da louca viciada em narcóticos para a mulher inteligente e calculista que não deixa que nada ao seu redor lhe escape. Que vitalidade numa mulher que, apesar de cada vez mais velha, continua um vulto de carisma e de feminilidade, mais nítida quanto mais alto se ergue a sua voz, quanto mais bruscos são os seus gestos. Que admirável o modo como parece carregar em si todos os azedumes que a vida a fez experimentar, guardando a tradição sem ser retrógada, e sendo, em simultâneo, a pessoa menos convencional da casa. E que par à altura descobre na Julia Roberts, que lhe faz frente com tanta mestria!
O filme é uma lufada de ar, um vir à luz, dos segredos de uma família. Poderia chamar-se assim, “Segredos de Família”, mas chama-se antes, no título original, “August Osage County”, porque é como se o calor intenso que se faz sentir, recorrente em cada cena, condicionasse o caminho escolhido por todos, vulgo, “lhes torrasse os miolos”. e fosse o principal culpado pelos erros de todos. As planície do Oklahoma, de Osage County, como as causadoras da traição, da pobreza, da ascenção económica, da rebelião, da gritaria e, sobretudo, da aridez de quase todos os carácteres femininos.
Um ensaio sobre a natureza das relações, sobre a tomada de oportunidades, sobre escolher-se a si ou escolher os outros, sobre desviar-se do caminho, perder-se (a si, ao rumo). O filme deixou-me maravilhada. Nunca eu vira uma família tão brilhantemente retratada, cuja história foi moldada pelos os outros, pelas circunstâncias económicas, pelas aspirações, pelas infâncias e pelo calor de Osage County.
Classificação: 9,5/10