Sinopse: Um homem muito velho está num leito de hospital.
Membro de uma tradicional família brasileira, ele desfia, num monólogo dirigido
à filha, às enfermeiras e a quem quiser ouvir, a história da sua linhagem,
desde os ancestrais portugueses, passando por um barão do Império, um senador
da Primeira República, até ao tetraneto, um jovem do Rio de Janeiro actual. Uma
saga familiar caracterizada pela decadência social e económica, tendo como pano
de fundo a história do Brasil dos últimos dois séculos.
«A força maior da narrativa é, neste quarto romance de Chico Buarque, a simplicidade aparente. Lê-se e é como se cada um dos leitores pudesse ocupar um lugar na borda da cama do enfermo Assumpção e o estivesse escutando e segurando-lhe a mão, à espera do seu derradeiro suspiro.»
Jorge Marmelo, Ipsilon
Opinião: Eu tinha posto na cabeça que
Chico Buarque era só um "cara sensível" da Bossa Nova e que só escrevia baseado na fama que obteve como
músico. Mas outra das minhas ideias pré-concebidas foi deitada por terra (e
tanto é que estou louca para ler o Budapeste,
que vai directo para a wishlist).
Estou até mais perto de adoptar o acordo ortográfico (brincadeirinha), só
porque também se pode fazer poesia sem C em correCto. Enfim, estou até falando português do Brasil.
Leite Derramado é a história de
Eulálio d'Assumpção, por amor de Deus, não se esqueçam do P em AssumPção, ele
faz questão disso. É um centenário estendido numa cama de hospital a tagarelar
as reviravoltas do seu século de vida com uma beleza muito particular - porque
ora é sensível ora é grosso. Adorei conhecer parte da História do Brasil, e da
decadência da própria sociedade globalizada e actual, ao longo do séc. XX.
Fiquei também deliciada com os pontos em que a mesma se entrecruza com o meu
país. Esta é a história de um quase moribundo que receia se esquecer da sua
vida, que começa o romance com uma frase inesquecível «Quando eu sair
daqui...». Daqui, donde? E está a minha curiosidade aguçada. E há a Matilde,
que amei tanto quanto o Eulálio, e a Maria Eulália, filha do Eulálio, e uns
quantos Eulalinhos, isto apenas para ressalvar que a estória se repete. Tanta atenção aos pormenores, tanta
humanidade... o Eulálio centenário é-me tão familiar quanto os meus avôs,
apaixonei-me pela leveza, o optimismo, os acessos de fúria e os caprichos a que
cede na vida.
Hesitei entre um 4,5 e um 5, mas a
minha percepção do romance ganha na atribuição deste último valor entre o 4 e o
5. O livro pode não ser genial, mas eu queria voltar para dentro dele a cada
vez que o pousava. Houve umas deixas geniais e houve momentos de pura
literatura, aquela que dá vontade de citar. E assim fiquei a saber que "A curva é o gesto do rio".
Classificação: 5****
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