Sinopse: Lisboa, 1898: António Maria, jovem médico e afamado playboy, descobre que o seu pai está a morrer de sífilis, a terrível praga que afeta todas as camadas da sociedade. Órfão de mãe desde criança, António não se conforma com a ideia de perder o pai tão cedo. Determinado a encontrar a cura, parte para Pequim, na esperança de que a medicina tradicional chinesa tenha a resposta que teima em escapar ao Ocidente. Sob a orientação do Dr. Xu, António inicia-se naquela prática ancestral. Contudo, esta não vai ser a sua única revelação a Oriente. Quando conhece a sedutora e independente Fumi, ele apaixona-se pela primeira vez. Mas à sua volta, a violência eclode. A Rebelião dos Boxers ameaça todos os estrangeiros a viver no país. António terá de decidir-se rapidamente entre a fuga e a permanência na China, a sua segurança pessoal e a possível cura para a doença. E há ainda Fumi, o amor a que ele não tenciona renunciar e que o leva a questionar tudo, alterando irreversivelmente o rumo da sua vida.
Opinião: Tirei
muitos apontamentos ao Português Inquieto enquanto o lia. Primeiro apercebi-me
que as páginas fluíam, ao início a justificação foi simples: era um escritor
Indiano a escrever sobre um médico português no século XIX, 1898. Era um livro
de época a falar de Santo António, sardinhas, noivas, manjericos e tradições
antigas, tão nossas. Como podia não
gostar?
Depois,
apesar do ritmo continuar parecido – porque ao interesse por Portugal neste
século, esmiuçado pelo tal Kunal Basu indiano, sobrepôs-se a vontade de
conhecer a China – dessa época ou de outra qualquer, e de facto é um relato
cuidado e interessante, que não soa forçado. Mas… conforme avançava, foi-se
tornando mais óbvio que havia algo em falta. Tive 428 páginas para desvendar o
quê, e aqui surgem os motivos pelos quais este livro me deixou um travo acre na
boca:
Há
um leque riquíssimo de personagens e um tema central riquíssimo, que vai da
medicina à cultura chinesa, à política, a tradições, costumes, gastronomia,
cheiros, flora, fauna… pareceu tudo novo e vívido, como uma viagem à China
oitocentista envolta em nuvens de vapores de ópio… Havia cônsules e personagens
de várias nacionalidades, divertidos, outros tempestivos, um padre glutão, um
mestre do Nei Ching (medicina
chinesa) divertido, e havia os dois eunucos (um carrancudo e outro ingenuamente
adorável), havia a Imperatriz Invisível a morar lado a lado com António no
palácio, sem se deixar ver, e havia um cigano negociante de artefactos e
objectos de valores chineses… Havia ainda a Arees em Lisboa, a suposta “noiva”
de António (o português inquieto), com ideais e uma língua que não hesitava em encosta-lo
à parede, de tal como que comecei por pensar que eles ficavam bem juntos – isto
no início do livro, antes de conhecer o António e de ele partir para a China.
Depois comecei a achar que ela era boa
demais para ele. E depois havia o António.
Sim, o português inquieto é um António
Maria que parte para a China obcecado com a cura da sífilis, a propósito da
qual adorei ler. Mas “obcecado” parece ser uma palavra demasiado adequada a
este protagonista. Infelizmente, o António é bidimensional. No início do livro
só quer saber de mulheres. A dois quartos só quer saber da sífilis, na última
metade do livro só quer saber da Fumi – e, por cada coisa em que se foca sem
ver mais nada, dá a vida, a segurança, as noites de sono, os pesadelos, tudo.
Além disso, este António é francamente estúpido e cego. De início perguntei-me
se seria uma característica da personagem – simplesmente era alheado e largava
conversas a meio. Depois apercebi-me que era o escritor a tentar prolongar os “mistérios”
do livro, as “conspirações”, porque chega um momento em que todo o enredo
descamba para uma teia de conspirações, diz
que disse e etc. O António, como inquieto que é, esmiúça todos a propósito
da sífilis, de início. O médico que o introduz na medicina chinesa, o Dr. Xu,
dá-lhe meias respostas. Muito engraçado de início, porque mantém-nos
interessados, mas a meio do livro será viável que o protagonista continue a
distrair-se com os grous e as peónias a meio de conversas em que todos parecem fazê-lo de tolo? Não há uma única conversa satisfatória neste livro. Nem uma.
Porque todas são interrompidas pelo “primeiro arroz” (pequeno-almoço), pela
chegada de alguém, pela morte de alguém, pelos boxers ou pelo cair da noite que seja. Deu-me a ideia que o próprio
protagonista não tinha prioridades, porque o autor não se deu ao trabalho de
estabelecê-las. É um burro teimoso que arrasta o leitor sem lhe oferecer
respostas, porque é um frouxo, demasiado fraco para arrancar respostas. E, pior
do que isso, quando a verdade está perante os seus olhos, e é péssima: continua
a querer fazer amor com a sua querida Fumi, isto no momento em que descobre a
que facção ela pertence, e que nem sabe se a sua vida está segura com ela –
tudo na mesma recta de pensamentos que se segue à descoberta. Despedida dela?
Não há. Depois de tanta parvoíce em seu nome, não lhe dedica um pensamento no
final. Deu-me a ideia que é uma história baseada na Madame Butterfly, um
marinheiro que vai ao porto e tem um affair.
Sim, um affair, porque onde é que
havia amor ali? O autor justificou-o com os cânones que outros inventaram.
Reflexões sobre saudade e inquietude sobre o seu paradeiro e enfrentar riscos
desnecessários para estar na sua companhia. Mas como é que tudo começou? Não
sei, ele estava doente e ela “aterrou”, literalmente, em cima dele. Num momento
ele não está certo se aconteceu alguma coisa – teria delirado? -, no parágrafo
seguinte são amantes furtivos. Dela o que é que se sabe? Só que tem olhos côr
de âmbar, quando a tonalidade, os odores da pele chinesa, o negro lustroso dos
cabelos chineses teriam tanta poesia para explicar o encantamento (ou palas nos
olhos) do António pela Fumi… Eu não simpatizei com ela, terá sido embirrância
minha ou ela dilui-se realmente no leque de personagens, tal como o próprio António
é sempre o interveniente menos interessante em cada conversa?
Nunca
vi um livro com tantos problemas de falhas de comunicação. Ninguém fala
abertamente, o que talvez seja compreensível se não se sabe em quem confiar.
Mas é tudo dito em meias palavras e conversas inacabadas (entretanto chega o
chá e muda-se de assunto), o que é um pouco frustrante quando se deseja compreender como eu. As viagens, no
início – Portugal-China -, são omissas, porque de repente ele já lá está. Seria
interessante conhecer alguns pormenores, não?
Como
justifico a estupidez gritante deste “melhor médico de Portugal” e “melhor
médico estrangeiro na China”? Bom, havia conversas em que ele perguntava “porquê?”,
numa perda de tempo absurda em situações de crise, quando ele devia saber, se eu sabia por conversas que ele tinha tido, os motivos. E ele
perguntava “Porquê?” na maior das inocências, sem um clarão de luz que fosse. E
mais, num momento crucial em que embarcar pode significar viver quando ficar em
terra pode equivaler à morte, é-lhe especificamente
dito que na cidade onde se encontra, nas circunstâncias em que se encontra,
os chineses são muito mal vistos, principalmente por estrangeiros que têm
relações próximas com eles – por isso, muito
cuidado no momento de tentar embarcar o seu criado, Tian, de quem é também
amigo. Ora bem… o que faz o António para o salvar? São abordados no momento
do embarque e a conversa desenrola-se do seguinte modo:
«- O melhor é dizerem ao vosso criado para se despachar a trazer as vossas coisas de onde quer que as tenham escondido.
[Ao que o brilhante António responde:]
- Ele não é nosso criado.
- Não? – O americano pareceu ficar surpreendido. – Então é o quê?
- Um amigo.»
Ao que terão de descobrir vocês aonde leva esta extraordinária sinceridade do António. Bom, compreende-se que não gosto dele, certo? Da história – muito boa, embora a acção só comece a 50 páginas do fim. Das personagens? Muito boas, excepto o protagonista. Ri com o livro, por causa de algumas personagens únicas. Com este António só exasperei. O final pareceu-me muito apressado, meio às três pancadas, e cheguei a perguntar-me se ele não teria contraído sífilis e se não estaria também ele louco. Parece uma marioneta desajeitadamente conduzida pelo autor…
Aconselho pelo valor da cultura chinesa e pelos pormenores históricos e, sobretudo, pelo choque de culturas. Se ele voltar a publicar, lerei. Preciso de descobrir se o tolo é o autor (incapaz de criar um protagonista com substância) ou o António, que era oco, coitado.
«- O melhor é dizerem ao vosso criado para se despachar a trazer as vossas coisas de onde quer que as tenham escondido.
[Ao que o brilhante António responde:]
- Ele não é nosso criado.
- Não? – O americano pareceu ficar surpreendido. – Então é o quê?
- Um amigo.»
Ao que terão de descobrir vocês aonde leva esta extraordinária sinceridade do António. Bom, compreende-se que não gosto dele, certo? Da história – muito boa, embora a acção só comece a 50 páginas do fim. Das personagens? Muito boas, excepto o protagonista. Ri com o livro, por causa de algumas personagens únicas. Com este António só exasperei. O final pareceu-me muito apressado, meio às três pancadas, e cheguei a perguntar-me se ele não teria contraído sífilis e se não estaria também ele louco. Parece uma marioneta desajeitadamente conduzida pelo autor…
Aconselho pelo valor da cultura chinesa e pelos pormenores históricos e, sobretudo, pelo choque de culturas. Se ele voltar a publicar, lerei. Preciso de descobrir se o tolo é o autor (incapaz de criar um protagonista com substância) ou o António, que era oco, coitado.
Classificação: 3***
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