Sinopse: Em meados do século XVI o rei D. João III oferece a seu primo, o arquiduque Maximiliano da Áustria, genro do imperador Carlos V, um elefante indiano que há dois anos se encontra em Belém, vindo da Índia. Do facto histórico que foi essa oferta não abundam os testemunhos. Mas há alguns. Com base nesses escassos elementos, e sobretudo com uma poderosa imaginação de ficcionista que já nos deu obras-primas como Memorial do Convento ou O Ano da Morte de Ricardo Reis, José Saramago coloca agora nas mãos dos leitores esta obra excepcional que é A Viagem do Elefante. Neste livro, escrito em condições de saúde muito precárias não sabemos o que mais admirar - o estilo pessoal do autor exercido ao nível das suas melhores obras; uma combinação de personagens reais e inventadas que nos faz viver simultaneamente na realidade e na ficção; um olhar sobre a humanidade em que a ironia e o sarcasmo, marcas da lucidez implacável do autor, se combinam com a compaixão solidária com que o autor observa as fraquezas humanas. Escrita dez anos após a atribuição do Prémio Nobel, A Viagem do Elefante mostra-nos um Saramago em todo o seu esplendor literário.
Opinião: O que esperar de uma obra de um escritor premiado com um Nobel? Já tive algumas experiências com vencedores/indiciados para Pulitzers, Nobels, Booker Prizes, e nem sempre foram agradáveis. Abomino o surrealismo de Murakami. Derrapei no caos de Gabriel García Marquez e ganhei asco à “A Valsa Esquecida” da Anne Enright - uma vez mais, porquê “A Valsa Esquecida” e não, como dizem os franceses do Jeunet, “Yupi-tralala”? Mas o Saramago é diferente, não por ser português, não por ser um velhinho de aspecto afectuoso, mas porque o considero um génio. Um génio com uma escrita tão complicada que eu, que gosto de pensar em mim como dispondo de alguma inteligência, dificilmente acompanho. Já analisaram o surrealismo das suas reflexões? Cegueira branca. A Península Ibérica à deriva da Europa. A Morte de férias. E depois temos esta Viagem do Elefante.
Do Saramago li as entrelinhas da Jangada de Pedra, desistindo a meio e admirando o génio que arquitectou as ideias. Li pouco mais de um terço do Ensaio Sobre a Cegueira e desisti, porque tanta excelência e tanto conteúdo cansam. Fiquei a 30 páginas do final do Memorial do Convento, porque foi como correr a meia-maratona chegar ali. E decidi pegar n’A Viagem do Elefante e fazer dele a primeira obra que leio, de fio a pavio, do Nobel português.
É preciso explicar que esta minha predilecção por esta obra, entre tantas que prometem qualidade, se deve ao delicioso documentário - José y Pilar. No documentário, Saramago corre o mundo a promover os seus livros, com a maravilhosa - e arguta - Pilar del Rio ao lado. E está a escrever A Viagem do Elefante. Sofre um enfarte (?) e é internado. Lamenta, receia, não ser capaz de terminar a Viagem do Elefante. Mas, como ele próprio escolheu para citação de partida, Sempre chegamos ao sítio aonde nos esperam. E o elefante Salomão ou, a dado momento, Solimão, lá vai atravessando a Europa com as suas quatro toneladas. O segundo motivo que me sintonizou para este livro foi a citação: o elefante caga, pois caga. E gravou-se-me de tal modo que a oiço sempre na voz hesitante de Saramago.
A leitura é difícil. É-me sempre difícil ler Saramago, como se o autor atirasse pedras para o caminho do leitor, a fim de aferir quanto queremos lê-lo, quanto estamos dispostos a dar de nós para fazer essa viagem que há, regra geral, num livro qualquer. Mas eu consegui ler os Maias à segunda investida, e o Saramago, desta, não me venceria.
Como ponto alto elejo a amizade cornaca-elefante. O elefante parece compreendê-lo conforme lhe sussurra ao ouvido por muito que Saramago nos recorde, aqui e ali, que o mesmo não passa de um animal. É ternurenta esta relação assim como a de simpatias e antipatias que o elefante vai revelando. Surgem padres e diálogo religioso, como já é habitual, e surge também a história de um Portugal grandioso, ainda a colher os frutos da Expansão Marítima. Estamos regidos por D. João III, veio a inquisição e na Europa prepara-se a contra-reforma em Trento. Tudo isto é mencionado pela voz de um padre Genovês que roga um milagre ao cornaca Subhro, apelando ao muito que a Igreja Católica beneficiaria dum. Por entre interesseiros, milagres de encomenda, insensibilidades para com o elefante e o tratador, discriminação para com um indiano que acredita em deuses-elefante, um jogo hierárquico complexo e uma fogueira de vaidades, Salomão agita as estradas passo a passo, ao caminhar, gravando a ferros a sua passagem pela literatura portuguesa. Inesquecível, daqui por diante, a existência de um elefante de nome Salomão.
A frase "O elefante caga, pois caga", nunca surge no livro.
Houve partes que me pareceram por demais familiares, como se esta obra de Saramago existisse em todas as coisas.
Classificação: 3***/*
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