Opinião: Classificado de romance “erótico”
pontuado de humor, obscenidade e até erudição, é referenciado como “uma
obra-prima”, por Pablo Picasso. De referir que Apollinaire e Picasso deveriam
ser grandes amigos, posto que juntos levaram a cabo o roubo da Mona Lisa, em
1911. Apollinaire foi preso pelo suposto roubo. Estes pormenores da vida do
autor são interessantes, mas nada nos prepara para o livro que intitulou de “As
onze mil vergas”.
Por
muito dúbio que o título seja, diria com grande segurança que estas “vergas”
não são as óbvias, mas sim as que aplicam “vergastadas”.
O
livro, de 1907, narra a história do príncipe romeno Mony Vibescu que, por
questões pessoais, deixa Bucareste e viaja para Paris. A carta de despedida que
dirige ao vice-cônsul com quem se encontrava amiúde ajuda a explicar esse
ensejo por sair da Roménia:
“Meu
caro Bandi:
Estou
farto de ser enrabado por ti. Estou farto das mulheres de Bucareste (…)”
Por
esta altura estamos na página 13 do livro e já nos deparámos com duas orgias. É
assim que se desenrola o livro, todos os acontecimentos entre uma orgia e outra
são meros preparativos para a próxima. Sexo em grupo é o que mais vemos no
livro. As personagens só servem para se enrolar e trazer um amigo para o
próximo encontro amoroso. Temos Cuculina e Alexina Come-Tudo, parisienses que
se hão-de cruzar com as personagens noutras paragens. As duas amantes admitem o
príncipe e o seu fiel escudeiro, Corno de Boi, na sua alcova. Há a prostituta
japonesa, a polaca esposa de um general, a pobre alemã que está a amamentar, o
cossaco, e tantos outros personagens que surgem em rol para se envolverem
sexualmente com Mony e Corno de Boi, alguns deles vendo-se assassinados no
final do interlúdio amoroso.
A
sinopse do livro avisa os mais púdicos e os de estômago sensível: há orgias,
masoquismo, sadismo, escatofilia (fui ver ao google o que era) e necrofilia. Esqueceram-se de mencionar
zoofilia e pedofilia, mas num livro destes, em que as chibatadas se seguem na
alvura das nádegas das francesas, e em que se continua a investir sobre o corpo
da mulher já expirada, não era necessário mencionar-se que todos os limites
seriam ultrapassados.
Duvido
que, em toda a minha vida, venha a ler algo mais nojento do que isto. Mas a verdade
é que, depois de tanta perversão e envolvimento doentio, por se tornar
repetitivo, o livro deixa de chocar. Nem quando um pai viola o filho, ou outro
pai viola a filha de quatro meses, nem quando a mãe amamenta o príncipe em vez
da filha… Já tudo esperamos e já nada nos contorce o estômago, após as
reviravoltas iniciais. Não fui ter com o livro, não é de todo o meu género. Caiu-me no colo e dei-lhe uma oportunidade, mesmo porque era pequeno e tão deslocado de tudo que tive de lê-lo.
Por
vezes me perguntei se o livro era uma obra humorística, porque tanto absurdo só
poderia resvalar para uma de duas coisas: humor ou tremenda incapacidade de
expressão. Sucede que, nas últimas trinta páginas, o autor me surpreendeu um
pouco. Não devido a mais cenas de promiscuidade, mas sim devido ao modo como a
história (atenção: só é "história" no contexto deste livro, tão estéril) se alinha. As onze mil vergas abatem-se sobre o lombo do príncipe, que
não cumpriu a promessa de fornicar vinte vezes seguidas. Depois de tanta
crueldade, é Vibescu a vítima do sadismo de outrem, e o exército Japonês, em
plena guerra com os Russos, põe assim fim a um livro que, de tão nojento e
agoniante, me soltou francas risadas.
Não
é para qualquer um, e não é livro em que jamais volte a pegar. Porém, nunca me
conseguirei esquecer deste pedaço de loucura literária.
Sinopse: Guillaume Apollinaire foi um dos maiores poetas
modernos de língua francesa, um homem erudito e culto, presente em todos os
movimentos de vanguarda até à morte, em Paris, no ano de 1918. O presente livro
circulou durante muitos anos em edições clandestinas, mas acabou por encontrar
um lugar, de corpo inteiro, na obra de Apollinaire. Ninguém deixará de
reconhecer o seu espírito num livro tão monstruoso como ternamente erótico.
As Onze Mil Vergas conta a história de um príncipe romeno, Mony Vibescu, no
seu périplo de depravação em busca de excitação e aventura que o leva de
Bucareste a Paris, passando por vários países da Europa e culminando na China.
As suas peregrinações são pontuadas por cenas notavelmente cruas, em que
Apollinaire explora, com um humor invulgar, as facetas mais obscenas da
sexualidade, do sadismo ao masoquismo, do vampirismo ao safismo, da
gerontofilia à pederastia, do onanismo à sexualidade em grupo. Leitor de Sade,
Restif de la Bretonne e Andrea de Nerciat, Apollinaire constrói com as suas
Onze Mil Vergas a resposta do modernismo aos velhos mestres do erotismo,
expandindo e detonando os limites da obscenidade muito para além do imaginável.
Classificação: 1,8/5
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