quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

#75 HEMINGWAY, Ernest, Na Outra Margem, entre as Árvores


Sinopse: Na outra Margem, entre as Árvores é uma das melhores obras de ficção de Ernest Hemingway, onde o famoso escritor recria alguns episódios da segunda guerra mundial, magistralmente narrados por uma personagem muito ao gosto de Hemingway, o coronel Cantwell, velho combatente que passa as últimas vinte e quatro horas da vida na estranha e bela cidade de Veneza. Retrato de um mundo violento e conturbado, obtido através da imagem de um homem, Na outra Margem, entre as Árvores é uma obra-prima do genial autor de O Velho e o Mar, onde Hemingway mais uma vez manifesta as qualidades que o impuseram como um dos maiores escritores do nosso tempo.

Opinião: Há aquela lista de escritores incontornável para qualquer pessoa que goste de ler. E o Hemingway encontra-se entre eles. Só lendo ficamos a conhecer os motivos pelos quais algum autor é elogiado, mas de vez em quando também se dá o caso de não compreender de todo o frufru em torno de determinada obra literária/criador literário. Li-o como se jamais alguém tivesse dito que ele é um dos maiores escritores do nosso tempo, o que por vezes pode confundir-se com procurar-lhe defeitos. De início isso aconteceu bastante, mas depois deixei-me envolver-me na história e a minha apreciação tornou-se mais apurada, com filtro anti-influências.

Eu gosto de avaliar as coisas pela minha cabeça, não com base no que dizem do livro, não com base no estatuto do autor no mundo literário, mas com base em todo o resto que li. Posto isto, já li melhor do que este livro. Isto basta para dizer que conheço o autor? Não, mas alguns traços dele são tão marcados que certamente hão de estar impressos noutras obras.

Um dos pontos altos do livro são os diálogos. Apesar de fazerem pouco sentido – porque parecem seguir ao ritmo dos pensamentos e das associações de ideias – tiveram alguns trejeitos mais importantes para a compreensão das personagens e do seu mundo interior do que o descritivo do conteúdo das suas cabeças. A escrita também é fácil, leve e fluída, embora por vezes se perca em pormenores demasiado técnicos ou francamente desnecessários. O autor é muito visual, o que ora beneficia a obra, ora a torna mais enfadonha.

Neste livro específico, Hemingway explora a vida de um coronel que combateu na II Guerra Mundial, tendo parte da sua missão decorrido em Itália. Estamos portanto em Veneza, onde Ricardo (penso que seja Richard no original, não entendendo se assim for o motivo desta tradução) vive aquilo que nos informa (uma dezena de vezes) ser o seu “último e único e verdadeiro amor”. Achei o coronel demasiado self centered, impondo autoridade de vez em quando, dando ordens a propósito de tudo. Agradou-me o seu trato rude, a aspereza com que se exprime e o modo cínico como vê o mundo, o poder, a guerra e as suas esferas e “heróis”. Algumas reflexões são interessantes. Uma delas ficou-me na ideia: o único, último e verdadeiro amor do coronel sugere-lhe que escreva as suas memórias de guerra. O coronel diz ao seu único, último e verdadeiro amor, que esse género de romance de guerra sai melhor de mãos que não lutaram, nem viveram realmente a guerra. Tive de concordar. O Hemingway está claramente muito – demasiado – relacionado com o conflito para escrever algo que não seja realista, técnico, melindroso e, desde modo, por vezes fastidioso, em relação à dita cuja.

A partir de certo momento o romance tornou-se um longo monólogo do coronel quanto aos episódios da guerra. Primeiro a personagem feminina (Renata) parece só existir para lhe implorar por explicações da guerra. Penso que entendo a ideia do autor: digamos assim que ela o ama realmente, mesmo com a mão estropiada, e que se interessa por aquilo que nele é maior; a profissão, a guerra. Na minha opinião, esta mulher não existe. Em segundo lugar, quando ela dorme, quando ele pensa, quando ele olha para o retrato dela, para o espelho, para o barqueiro, para o Gran Maestro, para o Conde Alvarito e todas as outras personagens, é sempre a guerra, sempre a mesma sombra a imiscuir-se em cada fio da narrativa. Como dizia, um longo monólogo com personagens secundárias como receptáculo destas palavras a respeito de um mesmo assunto.

O coronel, contudo, é uma personagem bastante realista. Compreendo as nuances do seu pensamento, o quanto luta por ser cordial quando, na sua natureza e na sua experiência, apenas adquiriu hábitos de brusquidão e aspereza.

O ponto alto do livro foi, para mim, um ou dois parágrafos (máximo) em que o coronel finalmente conta dois pormenores, dois episódios, humanos sobre a guerra. Um episódio em que finalmente são se fala em nomes de generais e de tenentes, nem de aviões, nem de operações, nem de troços específicos de uma estrada qualquer, na operação tal, com um motor tipo x e uma pistola tipo y, nem na farda com a medalha z para o oficial tal.
Não vou desistir do autor, mas não me foi inesquecível.

Classificação: 3,5***/*

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