Sinopse: No seio de uma aldeia beirã, Olímpia Vieira começa a
sofrer os sintomas de uma demência que ameaça levar-lhe a memória aos poucos. A
única pessoa que lhe ocorre chamar para assisti-la é a sua nora viúva, Letícia.
Mas Letícia, que se faz acompanhar das duas filhas, tem um passado de
sobrevivência que a levou a cometer um crime do qual apenas a justiça a
absolveu. Perante a censura dos aldeões,
outrora seus vizinhos e amigos, e a confusão mental da sogra, Letícia tenta
refazer-se de tudo o que perdeu e dos erros que foi obrigada a cometer por amor
às filhas.
O passado é evocado quando Sebastião, amigo de infância de Olímpia, surge para
ampará-la e Gabriel, protagonista da vida paralela que Letícia gostaria de ter
vivido, dá um passo à frente e assume o seu papel de padrinho e protector
daquelas três figuras solitárias…
Opinião: Ontem terminei - a
tarde e más horas - a leitura do meu primeiro romance editado. Este Demência
foi um trabalho descontínuo desde 2009, e foi culminar em cento e qualquer
coisa páginas escritas de um sopro em Julho de 2011. Antes de o escrever, tinha
uma ideia diferente para ele. Lembro-me de ir trabalhar para Lisboa, em 2007, a
remoer a ideia de uma professora loira e baixa chamada Lavínia, que carregava
uma filha pequenina no colo e que era ignorada pela pequena aldeia onde vivia -
a aldeia da minha avó, que tão bem conheço - por ter sido obrigada a salvar-se
das maldades de um marido alcoólico e violento. Lembro-me também de carregar na
ideia uma idosa sem memória, muito à imagem da minha bisavó paterna, que
perdesse capacidades a olhos vistos. E depois em 2009 surgiu a ideia de as
juntar a ambas, num enredo em que seria impossível entenderem-se mutuamente. A
sogra detesta a nora - apenas está esquecida disso metade do tempo. E lembrei-me
de polvilhar isto com duas crianças inocentes, mas espertas, um velhote
adorável (que é a minha personagem favorita, a par com um o Gabriel), e um
professor céptico, inteligente e ligeiramente mal-humorado.
Agora que acabei de ler
o livro como leitora, fiquei fascinada. Apesar das gralhas ocasionais - lamento
a revisão do livro, deixou um pouco a desejar mas a verdade é que tanto eu como
a editora trabalhámos incansavelmente para alinhavar essas falhas. Falhas de
quem escreveu metade em 2009, a um ritmo, e a segunda metade a um ritmo bem
mais acelerado em 2011. Sou muito exigente com o que leio, tanto como com o que
escrevo, e a história venceu-me outra vez, e vencer-me-ia sempre mesmo que não
fosse da minha autoria. Fui eu que a escrevi - mas mais do que um eu, Célia,
fui eu, portuguesa. As palavras com que me expressei são aquelas, não
foram traduzidas nem seleccionadas pela editora. São mesmo aquelas -
desconcertantes, por vezes, duras, cruas, comoventes, descritivas, desoladoras.
São aquelas e não outras.
Apercebi-me de várias
nuances do enredo que nem eu própria tinha tido noção de ter criado. Estou
apaixonada com a complexidade do romance, com o puzzle subtil que se
forma e que faz sentido no final, estou orgulhosa do modo como tudo se entrelaça
e não há pontas soltas.
É um enredo sobre fé -
não me tinha apercebido disso - e sobre sacrifícios a todos os níveis. Sobre os motivos pelos quais as pessoas são
levadas a acreditar numa asserção, ou escolhem acreditar nessa asserção. Os motivos podem ser condicionados,
inconscientemente, pelo próprio empirismo, pela racionalidade, pelos
estereótipos, pelos preconceitos, pelas ideias pré-concebidas, pelo nosso
próprio conhecimento, tantas vezes ignorante ou insuficiente, dos outros e dos
factos. Neste livro há muita gente a formar ideias só porque parecem a mais
plausível. O que não significa que esteja correcta. As circunstâncias
obrigam a que se adopte determinada versão de um facto, de uma verdade
incontornável, e a humanidade de cada um cimenta-a e acarinha-a, de modo quase
irredutível. Deu-me um prazer enorme alterar estas certezas, assim como me deu
agora desmantelá-las ao ler. Sou obrigada a concordar que criei personagens
humanas, quase palpáveis. A complexidade das histórias pessoais, tão ricas, os
passados arrastados ao longo de décadas, de metades de século. As expectativas de
vida - tantas vezes goradas - os afectos que se acalentam e que ou triunfam ou
dão em nada, um quê de romantismo nu, cru, presente apenas na medida em que se
ama com mãos e alma rudes.
Não consigo ir para o
goodreads classificar o meu romance com cinco. Não posso dar-lhe cinco. Como
mãe que o deu à luz, não me compete a mim clarividência para avaliar as
qualidades do meu rebento. Mas, se me distanciar, posso dizer que lhe daria um
4,5 sólido. Não lhe daria o cinco por um motivo plausível: tendo sido eu a mão
criadora, tenho consciência de tudo aquilo que gostaria de mudar. É deste 0,5 que não me consigo distanciar, como mãe. Mudar, mudar,
apetece-me criar mais situações, voltar a pegar na Olímpia, na Letícia, nas
miúdas, no Sebastião, no Fernando, no Gabriel, na Pilar e no Pedro e criar
novos diálogos, novas interacções. Pôr os meus autómatos a caminhar em plena
aldeia, a ofenderem-se, a amarem-se, a apoiarem-se e a apedrejarem-se. Ontem
tive até desejo de pegar num núcleo qualquer e criar uma segunda parte da
história.
Quem sabe as memórias da
Olímpia, escritas pelo Sebastião? Quem sabe pôr um obstáculo no casamento
pontuado de fé da Pilar e do Pedro? Ou fazer crescer a Luz e conceder-lhe a sua
própria história?
Enfim, são tudo quimeras
porque tenho outros projectos pela frente. Mas deu-me um prazer enorme
escrevê-lo e é agradável saber que, quando estou com pouco apetite para
leituras, é o meu pequeno (não assim tanto) Demência que me pisca o olho da
estante e é ele que me distrai. As páginas voam - como leitora, que bebe as
palavras que lê, e não como a escritora que lhes deu voz - nas minhas mãos.
Espero que quem quer que
o leia retire este mesmo prazer dele. E que se recorde que o escrevi entre os
19 e os 21 anos. Tenho toda uma vida pela frente para conquistar, para mim
própria, mais 0,5 pontos.
Olá, não fazia que a Célia, era esta Célia!!! Estou muito curiosa com o seu livro e vou ler!! beijinhos e muito sucesso
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