#1
Diálogo entre Catherine Earnshaw e Nelly Dean, a ama, decorrido no mesmo momento:
Diálogo entre Catherine Earnshaw e Nelly Dean, a ama, decorrido no mesmo momento:
Sobre o amor de Catherine a Edgar Linton
«- Antes de mais nada, ama Mr. Edgar?
- Quem pode deixar de o amar? Claro que amo.
Submeti-a, então, ao seguinte catecismo, a que não faltava acerto, vindo de uma rapariga de vinte e dois anos:
- Porque é que o ama, Miss Cathy?
- Que disparate, amo-o: isso basta.
- De modo algum; deve dizer porquê.
- Bem, porque é bonito, e é agradável estar com ele.
- Mau - foi o meu comentário.
- E porque é jovem e alegre.
- Mantenho o mau.
- E porque ele me ama.
- Indiferente, nesse ponto.
- E será rico, e eu gostaria de ser a mulher mais importante das redondezas, e sentirei orgulho de ter tal marido.
- Pior que tudo! E agora, quer dizer-me como o ama?
- Como toda a gente ama. É tola, Nelly.
- Não, não sou. Responda.
- Amo o chão que ele pisa, o ar que respira, e tudo aquilo em que toca, e cada palavra que ele diz... Amo todas as suas feições, e todos os seus actos, e a ele todo e completamente. Pronto, aí tem!
- E porquê? (...) Longe de mim estar a troçar, Miss Catherine. A menina ama Mr. Edgar porque ele é bonito, e jovem, e alegre, e rico, e a ama. O último pormenor, no entanto, não vale nada: amá-lo-ia sem isso, provavelmente, e, com isso, poderia não o amar, a não ser que ele possuísse os primeiros quatro atractivos (...) Mas há no mundo vários outros jovens bonitos e ricos, possívelmente, até, mais bonitos e mais ricos do que ele é... O que a impediria de os amar? (...) E ele não será sempre jovem e bonito, e poderá não ser sempre rico.
- Agora é. E a mim só me interessa o presente (...)
- Bem, isso arruma a questão: se só lhe interessa o presente, case com Mr. Linton.»
Sobre o amor de Catherine a Heathcliff
«Agora desagradar-me-ia casar com Heathcliff; por isso, ele nunca saberá como o amo, e amo-o, não por ele ser bonito, Nelly, mas porque ele é mais eu própria do que eu sou. Seja do que for que as nossas almas são feitas, a dele e a minha são iguais, e a de Linton é tão diferente quanto um raio de luar é de um relâmpago, ou a geada do fogo (...) Não sei exprimi-lo, mas certamente vossemecê e toda a gente têm a noção de que existe, ou deveria existir, uma existência nossa para além de nós. Para que serviria a minha criação se eu estivesse inteiramente contida aqui? Os meus grandes tormentos neste mundo têm sido os tormentos de Heathcliff, e eu observei e senti cada um deles desde o princípio; o meu grande pensamento na vida é ele. Se tudo o mais desaparecesse, e ele permanecesse, eu continuaria a existir, e se tudo o mais desaparecesse e ele permanecesse, eu continuaria a existir, e se tudo o mais permanecesse e ele fosse aniquilado, o universo transformar-se-ia num imenso desconhecido. Eu não pareceria uma parte dele. O meu amor por Linton é como a folhagem das florestas. O tempo há-de mudá-lo, tenho perfeita consciência disso, como o Inverno muda as árvores. O meu amor por Heathcliff assemelha-se às rochas eternas que existem por baixo: uma fonte de pouco deleite visível, mas necessárias. Nelly, eu sou Heathcliff, ele está sempre na minha mente, não como um prazer, do mesmo modo que eu não sou sempre um prazer para mim mesma, mas como o meu próprio ser.»
O Monte dos Vendavais, Emily Brontë
#2
Desabafo de Heathcliff para com Catherine:
«- Estás a mostrar-me agora como foste cruel, cruel e falsa. Porque me desprezaste? Porque traíste o teu próprio coração, Cathy? Não tenho uma palavra de conforto: tu mereces isto. Mataste-te a ti própria. Sim, podes beijar-me, e chorar, e arrancar-me beijos e lágrimas. Eles desgraçam-te, elas amaldiçoam-te. Amavas-me. Sendo assim, que direito tinhas de me abandonar? Que direito, responde-me!, tinhas de sentir o insignificante capricho que sentiste por Linton? Como nem a miséria, nem a degradação, nem a morte, nem nada que Deus ou Satanás pudessem inflingir nos teria conseguido separar, tu, por tua própria verdade, fizeste-o. Eu não despedacei o teu coração: tu é que despedaçaste o meu. Pior, muito pior para mim que sou forte. Quero viver? Que vida será a minha quando tu... Oh, Deus! Gostarias tu de viver com a tua alma na sepultura?»
#3
Heathcliff a propósito do filho do seu inimigo, a quem abriga por morte do segundo:
«- Ele causa-me prazer! - continuou a pensar alto. - Satisfez as minhas expectativas. Se fosse um idiota nato, não me agradaria tanto. Mas não é idiota nenhum, e eu posso compreender todos os seus sentimentos, porque os senti pessoalmente. Sei, por exemplo, o que está a sofrer agora, exactamente, e que não é mais do que o começo do que sofrerá. E ele nunca será capaz de emergir do seu absurdo de rudeza e ignorância. Tenho-o mais apertado do que o patife do pai me teve a mim, e mais rebaixado, pois ele orgulha-se da sua bruteza. Ensinei-o a desdenhar de tudo quanto não é animal como sendo estúpido e fraco (...) Se o maldito defunto pudesse levantar-se da cova para me insultar pelos danos causados ao seu rebento, eu teria o prazer de ver o dito rebento enxotá-lo de novo para lá, indignado por ele se atrever a injuriar o único amigo que tem no mundo!
A ideia fez Heathcliff soltar uma gargalhada diabólica.»
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